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Como as redes sociais influenciam na cultura de cancelamento
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Como as redes sociais influenciam na cultura de cancelamento

Prática é impulsionada com a rápida dinâmica das plataformas sociais e pode trazer consequências materiais e psicológicas. No Congresso Nacional, Projeto de Lei em tramitação prevê detenção e multa aos responsáveis
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Um planejamento bem executado é a chave para o sucesso nas vendas de Dia das Mães nas redes sociais (Imagem: Chinnapong | Shutterstock) (Foto: EdiCase)
Foto: EdiCase Um planejamento bem executado é a chave para o sucesso nas vendas de Dia das Mães nas redes sociais (Imagem: Chinnapong | Shutterstock)

Boicotar ou anular uma pessoa em razão de um comportamento considerado inadequado. A cultura do cancelamento no meio digital é um fenômeno relativamente novo, que tem ganhado evidências mais expressivas devido à dinâmica do ambiente virtual, e pode deixar marcas. 

Rafael Rodrigues, professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que o ato de cancelar pode ser classificado como uma ação coletiva em busca de punir alguém ou uma empresa devido a falas ou posicionamento públicos que tenham ferido os direitos de terceiros.

Essa necessidade de "fazer justiça" faz parte do ser humano e existe antes mesmo das mídias sociais. O docente frisa que populares sempre se manifestaram coletivamente, seja pelos meios de comunicação ou presencialmente, em busca de reivindicar direitos e apontar atitudes socialmente "inaceitáveis". 

Contudo, as plataformas fizeram a cultura do cancelamento se desenvolver de forma muito mais rápida. Rafael pontua que um dos marcos dessa manifestação no digital foi o movimento #MeToo, em 2017, que levou mulheres do mundo inteiro a reagirem contra a violência sexual e de gênero. Nos últimos anos, o movimento tem sido usado para "cancelar" influenciadores, empresas ou pessoas não públicas. 

Consequências dessa ação podem ser observadas no campo material e econômico. "[O cancelamento virtual] Pode desqualificar a pessoa a ponto de ela perder seguidores, perder contratos comerciais, empregos", explica o docente da UFC. 

Cancelamento virtual e a saúde mental 

Para quem pratica o cancelamento, a ação pode ficar restrita ao ambiente virtual. Já para quem é alvo do ato, as consequências vão além das redes sociais, manchando a reputação e danificando o psicológico. 

De acordo com a psicóloga clínica Sâmila Sousa de Mattos, o meio virtual torna mais fácil "cancelar" alguém. "Virtualmente, devido ao afastamento físico, muitas pessoas se sentem encorajadas a falar de forma mais agressiva já que dificilmente sofrerão consequências a respeito."

Ela destaca que essa manifestação, em alguns casos, pode ter um impacto "extremamente adoecedor" para a sociedade, trazendo consequências como ansiedade, isolamento social e ataques de pânico a quem é alvo da ação. "Por conta dos algoritmos estamos cada vez mais fechados em nossas bolhas sociais, dificultando muitas vezes a possibilidade de um diálogo com o diferente", frisa. 

Sintomas que podem ser causados pelo cancelamento:

  • Ansiedade;
  • Insônia;
  • Ataque de pânico; 
  • Comportamentos autodestrutivos;
  • Isolamento social;
  • Autocensura.

Fonte: Sâmila Sousa de Mattos, psicóloga clínica.

Legislação: o que diz a lei

Para combater ações como essas, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 1873/23, que pretende incluir o cancelamento virtual e o linchamento virtual no Código Penal. De autoria da deputada Rogéria Santos, a matéria determina punição pelo cancelamento, com pena de detenção e multa.

No texto, o cancelamento virtual é definido "como a prática que viola a honra ou imagem de alguém por meio de redes sociais ou de qualquer outra interação virtual”. PL prevê pena de seis meses a dois anos de detenção para quem cometer o ato. Caso ele seja cometido por meio de um perfil falso, que esconda a real identidade do usuário, a punição prevista é de nove meses a três anos de detenção.

A pena pode ainda ser aumentada de um terço a metade se a prática envolver grupo formado por duas ou mais pessoas. Já o linchamento virtual é definido na matéria como o ato de ameaçar alguém pelas redes sociais ou por outro meio de interação virtual, com pena estipulada de um a três anos, mesmo com uso de contas falsas. Detenção pode ser aumentada ainda se houver prejuízo econômico à vítima, houver participação de duas ou mais pessoas ou se a ação resultar em violência ou luta corporal. 

Diferença entre cancelamento e linchamento

Cancelamento virtual: prática que viola a honra ou imagem de alguém por meio de redes sociais ou de qualquer outra interação virtual.

Linchamento: ato de ameaçar alguém pelas redes sociais ou por outro meio de interação virtual.

Fonte: Projeto de Lei (PL) 1873/23.

Regulamentação das plataformas

De acordo com o professor Rafael Rodrigues, quem acaba ganhando com essa cultura do cancelamento são as plataformas digitais, que têm os dados como matéria-prima. Ele pontua que existe uma lógica algoritma que não faz diferenciação entre conteúdos que ferem os direitos humanos, pois o que interessa é o engajamento e que mais pessoas estejam interagindo e consumindo. 

"Essa lógica algoritma forma tanto as nossas relações com os outros como a nossa visão de mundo, através do que cada pessoa que usa a plataforma recebe. É diferente de uma mídia tradicional que precisa tratar os seus dados, os conteúdos que ela produz dentro de princípios de responsabilidade social", diz. 

No País, há um Projeto de Lei (PL) sobre a regulação das plataformas digitais que foi aprovado em 2020 no Senado, mas que ainda tramita na Câmara dos Deputados. "O Brasil tá lutando pela regulamentação e enquanto não acontece, elas (plataformas) vão agir desse jeito", destaca o professor Rafael. 

Sugestões de filmes sobre o tema

  • O Homem Cordial, de Iberê Carvalho 
  • Vou te Cancelei, de Guilherme Melles e Gabriela Brigagão
  • @Arthur Rambo - Ódio na Rede, de Laurent Cantet

Leituras recomendadas

  • Cancelado: a cultura do cancelamento e o prejulgamento nas redes sociais, de Marcelo Hugo da Rocha 
  • Cultura do Cancelamento, de Alan Dershowitz 
  • A sociedade em rede: 1, de Manuel Castells 

Podcasts sobre o assunto

  • Cafeinados - episódio 31: O poder do cancelamento nas redes sociais
  • Podcria - episódio 1: Precisamos falar sobre a cultura do cancelamento
  • Perdidos nos musicais - episódio 11: A cultura do cancelamento

Redação Enem: chego junto, chego a 1.000

O tema desta inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca do Concurso “Redação Enem: chego junto, chego a 1.000”, uma ação da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc-CE) para alunos da 3ª série do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) das escolas públicas estaduais. Os alunos são convidados a escrever uma redação no modelo dissertativo-argumentativo, o exigido no Enem. Os demais temas serão publicados nos dias 10/9 e 17/9.

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