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Crime organizado muda dinâmica das eleições no Ceará
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Crime organizado muda dinâmica das eleições no Ceará

Nas eleições municipais em que mais se falou de segurança pública, o crime organizado alterou de forma significativa a dinâmi
Tipo Análise

Nas eleições municipais em que mais se falou de segurança pública, o crime organizado alterou de forma significativa a dinâmica das campanhas eleitorais. A violência política é tema recorrente dos noticiários. Os casos de ataques contra candidatos a prefeito e vereadores no Ceará fizeram com que 26 municípios pedissem a vinda de tropas federais para garantir o policiamento. Nas eleições de 2020, 11 municípios contaram com esse tipo de recurso, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Em quatro anos, o aumento da demanda por reforço na segurança mais que dobrou.

Em entrevista ao OPOVO, o desembargador Raimundo Nonato Silva Santos, presidente do TRE-CE, disse que a solicitação foi encaminhada ao Ministério da Defesa e que os primeiros reforços devem chegar ao Estado ainda esta semana: "Estaremos reunidos para falar sobre a possibilidade de antecipar as tropas federais em alguns municípios que nos dão mais trabalho. Sobral, Caucaia, Santa Quitéria, Morada Nova. Tem algumas regiões que estão no nosso radar".

Caucaia talvez seja o município em que essa situação esteja mais agravada. Na última terça, dia 17, o carro da equipe de Waldemir Catanho (PT), candidato a prefeito, foi alvejado a tiros enquanto integrantes da campanha colocavam bandeiras nas proximidades da Lagoa do Tabapuá. Um boletim de ocorrência foi registrado. O petista classificou a ação como "uma tentativa de intimidação".

Antes disso, em agosto, a residência da candidata a prefeita pelo PSDB, Emília Pessoa, foi alvo de dezenas de tiros, no Bairro Capuan. Disparos foram registrados na caminhada de Naumi Amorim (PSD), também candidato a prefeito. No início do mês, a Operação Complevit cumpriu 34 mandados de prisão por ameaças e extorsão a candidatos locais, mas os atentados se sucedem. Tendo em vista esse cenário, é razoável pensar sobre a necessidade do envio da Força Nacional ao município.

A medida não é inédita. Nas eleições municipais de 2020, as tropas federais foram acionadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública após o assassinato de um candidato a vereador. Evangelista de Sousa Jerônimo (PSB), 51 anos, foi encontrado morto, com golpes de faca, dentro de casa, localizada em frente ao comitê eleitoral, no bairro Nova Metrópole, em Caucaia.

De acordo com a Polícia Civil, os atentados se inserem em um conjunto de ameaças que chegam ao entorno dos candidatos por meio do WhatsApp e de idas presenciais aos comitês de campanha visando a extorsão mediante pagamentos que giram entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.

O procedimento se assemelha aos "pedágios" cobrados aos comerciantes nas periferias. As eleições, como se vê, não passam imunes à presença do crime organizado, mas se tornam uma nova oportunidade de auferir ganhos. É a máquina criminal se impondo à máquina eleitoral. Por causa disso, os recursos destinados à campanha precisam levar em consideração esses custos ocultos.

Há relatos de locais em que é preciso negociar a entrada com as facções. No O POVO, uma reportagem dá conta da queixa de dois vereadores que se viram impossibilitados de acessar determinadas comunidades por ordens de lideranças criminais.

O Interior do Ceará também assiste a diversos casos de violência política. Em Quixeramobim, o prefeito Cirilo Pimenta (PSB), que disputa a reeleição, denunciou sofrer ameaças de morte pela internet. A candidata à Prefeitura de Sobral, Izolda Cela (PSB), também sofreu ameaças. O marido dela, Veveu Arruda (PT), foi agredido no último fim de semana. Os casos estão sendo investigados.

Em Pedra Branca, um ataque contra uma adutora na Cachoeira dos Germanos fez com que a inauguração do equipamento fosse cancelada. O evento contaria com a presença do governador do Estado, Elmano de Freitas (PT).

Há ainda uma dimensão pouco conhecida sobre a relação entre a política partidária e as facções: o financiamento de candidatos e prefeitos pelo crime organizado. Investigações dão conta de que, nas eleições municipais de 2020, o Primeiro Comando da Capital bancou a candidatura de políticos no Ceará. É razoável supor que uma estrutura montada há quatro anos pretenda ser expandida.

Por sua capilaridade, as eleições municipais se apresentam como um verdadeiro manancial para a lucratividade das organizações criminosas. Trata-se de um acesso privilegiado à micropolítica: indicar gestores, promover compras públicas e incidir sobre melhorias que afetam a vida de toda uma comunidade. É o crime não mais como um poder paralelo, mas como um poder em plena simbiose com o Estado.

A regulação da vida social imposta à população pelos grupos criminosos mostra uma faceta dramática nas eleições. O mais grave é saber que esse predomínio irá se manter após o dia 6 de outubro, mas sem tanta cobertura da imprensa, haja vista que as facções estão longe de serem erradicadas do Estado. Pelo contrário, vemos uma maior nacionalização do crime organizado e, consequentemente, a expansão desse tipo de práticas ilícitas em todo o País.

 

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