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Quase 60% dos indígenas vítimas de crimes são mulheres; ameaças lideram as ocorrências
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Quase 60% dos indígenas vítimas de crimes são mulheres; ameaças lideram as ocorrências

Desde 2020, casos de violência contra indígenas aumentam. Em 2023, o crime também foi o tipo de maior ocorrência, com 46 casos, 28 (63%) sendo contra mulheres.
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MUITAS lideranças indígenas são mulheres  (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal MUITAS lideranças indígenas são mulheres

As mulheres são as principais vítimas de crimes contra a população indígena no Estado. De acordo com o Painel Dinâmico de Monitoramento de Crimes contra os Povos Indígenas do Ceará, lançado pelo Governo do Estado no último dia 13 de setembro, de 2015 e 2024 foram registradas um total de 1.541 ocorrências de violência indígena. Destes, 901 (58%) foram praticados contra mulheres, enquanto 637 (41%) eram homens

Em 2023, das 193 vítimas de violência registradas, 57% eram mulheres, totalizando 111 casos. Os homens representaram 42% das ocorrências, com 82 casos. Já até agosto de 2024 as mulheres representam 59,35% do total de vítimas, com 92 casos. Os homens, por sua vez, corresponderam a 40,65%, com 63 registros.

Conforme a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), que desenvolve o Painel em parceria com a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince), a plataforma registra todos os casos em que indígenas são vítimas de crimes no Ceará. Esses registros são baseados nos Boletins de Ocorrência, onde a vítima pode se autodeclarar como parte de uma comunidade indígena.

Confira os números totais anuais de indígenas vítimas de crimes no Ceará (2015-2024):

2015: 160 vítimas
2016: 171 vítimas
2017: 196 vítimas
2018: 133 vítimas
2019: 141 vítimas
2020: 120 vítimas
2021: 137 vítimas
2022: 134 vítimas
2023: 192 vítimas
2024 (até agosto): 154 vítimas

A defensora pública Mariana Lobo, supervisora do Núcleo dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), ressalta que desde 2020 os crimes contra os povos indígenas do Ceará têm aumentado.

“Essa violência está muitas vezes relacionada à defesa dos próprios territórios. Não por acaso vemos esse reflexo também no número de mulheres indígenas vítimas de violência. Muitas vezes, são as lideranças femininas que estão à frente da defesa dos territórios, o que as torna mais vulneráveis e vítimas de diversos tipos de violência”, destaca.

A DPCE atua em parceria com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), bem como outras entidades, oferecendo o primeiro atendimento às famílias vítimas de violência. Ao detectar uma ocorrência, o órgão aciona a rede de proteção para acompanhar essas famílias.

A realidade também é descrita por Clécia Pitaguary, cacica da aldeia Monguba, no município de Pacatuba, e uma das fundadoras da Articulação de Mulheres Indígenas no Ceará (Amice).

“Na minha etnia, por exemplo, a maioria das lideranças são mulheres. Já tivemos lideranças mantidas em cárcere privado, sob ameaça de morte. Isso causa um adoecimento psicológico muito grande, pois as ameaças se estendem aos nossos filhos e à nossa família, trazendo sofrimento sem limite”, comenta a líder.

A natureza mais frequente de crimes praticados contra os povos foram os crimes de ameaça, com 300 vítimas registradas desde 2015. Destes, 72% (218 casos) foram cometidos contra mulheres. Em 2023, o crime também foi o tipo de maior ocorrência, com 46 casos, 28 (63%) sendo contra mulheres.

A defensora Mariana Lobo destaca que a violência também está ligada à atuação de grupos criminosos dentro dos territórios indígenas. “Isso é bastante presente, por exemplo, nos territórios indígenas da etnia Tapeba, no município de Caucaia”, aponta.

No município, além do povo Tapeba, também vive o povo Anacé. Em julho, o território dos Anacé, às margens da Lagoa do Parnamirim, sofreu ataques a tiros e depredação das barracas erguidas pelas famílias que retomaram a área em 2023. Segundo apurou o O POVO, os ataques teriam sido motivados pela disputa territorial entre indígenas e fazendeiros.

“Como na região de Caucaia, à medida que os processos de demarcação avançam, embora ainda sejam lentos, os conflitos tendem a se intensificar, resultando em um aumento da violência”, declarou Mariana Lobo.

Fortaleza e Caucaia, na Região Metropolitana, bem como Ibiapina, na Serra da Ibiapaba, são os locais que mais registraram ocorrências de violência. Esses são os cinco municípios que mais registraram casos (2015-2024):

Fortaleza - 375 casos (24%)
Caucaia - 215 casos (14%)
Ibiapina - 136 casos (9%)
Pedra Branca - 89 casos (6%)
Maracanaú - 48 casos (3%)

Políticas de prevenção e punição

Conforme a defensora pública Mariana Lobo, o painel foi um avanço no conhecimento do atual cenário de violência no Ceará. “Não se pode traçar políticas públicas de proteção sem informações precisas. Mas é necessário que isso esteja alinhado a uma política pública eficaz de proteção e prevenção voltada para os territórios indígenas”, comentou.

Já a cacica Clécia Pitaguary cobra maior ênfase da Justiça para responsabilizar os detectar e responsabilizar os infratores. “A partir do momento em que colocamos essas pessoas perante a Justiça para responder por seus crimes, isso serve de exemplo para os outros. Isso poderia ajudar a minimizar essas ameaças e tentativas de assassinato contra nosso povo”, conclui.

Conforme Jorge Tabajara, secretário executivo da Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará, a pasta tem um Termo de Cooperação Técnica junto a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), assinado em julho de 2023.

“Antes da assinatura do termo, nós não tínhamos acesso a esses dados de violência contra povos indígenas. [Com o novo painel] nós estamos fazendo essa coleta de informações mais detalhadas, para a partir daí possamos estruturar uma política pública voltada para a questão dos conflitos em nosso territórios”, comentou.

De acordo com o secretário executivo, negociações estão sendo feitas junto à Secretaria de Segurança Pública (SSPDS), com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), além de outras instituições.

“O objetivo é identificar os fatores que motivam a situação em que os indígenas, em especial as mulheres, nossas guerreiras, têm sido vítimas de delitos. Assim, o Estado poderá buscar estratégias para minimizar essa situação nos territórios indígenas do nosso estado”, declarou.


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