Um estudo realizado pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), publicado na edição de agosto do Journal of Environmental Management, acende mais um alerta sobre a contaminação com agrotóxicos em águas, peixes e mariscos do Delta do Parnaíba.
Coordenado pelo professor Rivelino Cavalcante, do Labomar, o estudo inédito em uma região costeira da América do Sul, comprova que existe na zona do delta "uma rede complexa de poluição química ligada à falta de gerenciamento eficiente de resíduos sólidos e líquidos".
A Área de Proteção Ambiental do delta do Parnaíba abrange 10 municípios: Chaval e Barroquinha, no Ceará; Tutóia, Paulino Neves, Araioses e Água Doce do Maranhão, no Maranhão; e Ilha Grande, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia, no Piauí.
"O Brasil tem um problema muito sério com o gerenciamento de seus resíduos sólidos e líquidos", afirmou o professor Rivelino, em entrevista à Caravana. "Um medicamento que não vai parar no lugar adequado e é descartado no meio ambiente será absorvido pelos organismos que nele vivem", explicou.
O estudo publicado pelo Journal of Environmental Management, uma das maiores publicações do mundo especializada em gestão ambiental, enfatiza a identificação em peixes e moluscos de níveis elevados de pesticidas usados normalmente para o combate de pragas em plantações.
Essa contaminação é extremamente perigosa para a saúde humana. Segundo o estudo, existe uma interconexão da saúde ambiental e humana em ecossistemas costeiros, o que exige um monitoramento contínuo e estratégias de gestão adaptativa para proteger esses ambientes e as comunidades que dependem deles.
"Esses contaminantes são reconhecidamente biacumuláveis, ou seja, entram no organismo e nele ficam, sem serem metabolizados. Assim, se tornam um problema para organismos não alvos, como o homem, uma vez que há evidências de causarem danos neurológicos e cognitivos graves em longas exposições", afirmou o professor Rivelino.
Além de evidenciar a urgente necessidade de um controle maior sobre o gerenciamento de resíduos sólidos e líquidos, o trabalho inédito do Labomar tem uma importância crucial para o futuro dessas análises. Ele vai servir como linha de base para os próximos estudos que os especialistas do Labomar e de outros laboratórios podem vir a realizar.
Segundo o professor Rivelino, um dos estudos em fase inicial está relacionado aos caranguejos que habitam a região do delta do Parnaíba até o Rio Grande do Norte. "Vamos ter um panorama muito interessante sobre a saúde destes animais e como eles estão sendo impactados pelo tipo de atividade no ambiente", revelou o professor.
No início do ano, o Labomar da UFC já havia comprovado a elevada contaminação em águas, peixes e mariscos dos rios Ceará e Cocó, pelo uso intensivo de agrotóxicos urbanos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Comumente chamados de pesticidas, e aplicados no combate a pragas domésticas, estes poluentes provocam sérios riscos à saúde humana.
No rio Ceará, o Labomar da UFC coletou amostras de água e de sedimentos da região de mangue por onde o rio passa. Os resultados divulgados na época já haviam confirmado a presença de substâncias altamente tóxicas para organismos marinhos e de estuário, em níveis de magnitude semelhantes àqueles encontrados em áreas agrícolas e, em alguns casos, em volumes ainda maiores.
Segundo a pesquisa, os agrotóxicos encontrados em grandes quantidades no rio Ceará estão relacionados ao controle químico realizado na RMF no combate a pragas urbanas e vetores, como o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças conhecidas como arboviroses, como a dengue, a zika e a chikungunya.
Rio Poti também está sob alerta por possível contaminação
Crateús também está trabalhando em um estudo sobre a contaminação de peixes por agrotóxicos. Iniciada em agosto, a pesquisa está concentrada na contaminação do Rio Poti, especialmente nos distritos de Ibiapaba e Oiticica, zonas que fazem parte da Área de Preservação Ambiental (APA) Boqueirão.
O estudo está sendo conduzido pelo Núcleo Integrado de Pesquisa e Inovação da UFC do campus de Crateús, em parceria com o Labomar, com a participação do professor Rivelino e das professoras Janaina Lopes Leitinho e Luisa Gardênia Farias, da UFC de Crateús.
Foi o relato de pescadores da região de Ibiapaba sobre peixes com olhos deformados que acendeu o alerta sobre uma possível contaminação das águas. Além disso, será investigada a presença de outras substâncias no meio aquático, como remédios, hormônios e agroquímicos que, como no caso do delta do Parnaíba, podem ser absorvidos pelos peixes e, eventualmente, afetar a saúde humana.
O rio Poti tem 538 km de extensão e banha o Ceará e o Paiuí, passando por 24 municípios dos dois estados. Nos períodos de seca, ele pode ter a sua poluição agravada. A população mais vulnerável à sua contaminação é aquela que usa diretamente suas águas e peixes para alimentação, além dos animais que também utilizam o rio como fonte de água.
O estudo conta com o apoio de diversas entidades e profissionais. Os pescadores locais são uma fonte importante de auxílio, além da secretaria de Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) do Ceará.
Desde 2016, os pesquisadores da UFC de Crateús vêm avaliando parâmetros químicos e físico-químicos do rio Poti, para contarem com ferramentas de análise dos níveis de poluição de uma das principais fontes de água
do município.
Coordenado pela professora Luisa Farias, o Mestrado Profissional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (Profágua) vai se envolver no assunto, divulgando o resultado de estudos e pensando políticas públicas para levar o debate a toda a comunidade.