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Zé Maria do Tomé: último réu é julgado após 14 anos do crime em Fortaleza
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Zé Maria do Tomé: último réu é julgado após 14 anos do crime em Fortaleza

Liderança comunitária que combatia a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos foi assassinada com 25 tiros em abril de 2021. Último acusado do crime será julgado nesta quarta-feira, 9, no Fórum Clóvis Beviláqua
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Imagem de apoio ilustrativo. Julgamento será realizado no Fórum Clóvis Belivaquia, em Fortaleza. (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Imagem de apoio ilustrativo. Julgamento será realizado no Fórum Clóvis Belivaquia, em Fortaleza.

O último réu acusado do assassinato do líder comunitário Zé Maria do Tomé, na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, a 198,88 quilômetros de Fortaleza, em abril de 2021, será julgado em júri popular, nesta quarta-feira, 9, no Fórum Clóvis Belivaquia, em Fortaleza. A vítima combatia a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos e foi assassinada com 25 tiros.

O júri será composto por sete pessoas, com início do julgamento às 10 horas. A previsão é que o júri seja finalizado ainda no mesmo dia, com a determinação da sentença do réu. Dos seis suspeitos acusados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) de participação no crime contra o líder comunitário, restou apenas um no julgamento.

Em agosto de 2015, dois acusados de serem mandantes do crime, identificados como João Teixeira Filho, proprietário de uma empresa na região de Apodi, e José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa, conseguiram, através de recurso ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), serem despronunciados.

Na época, a Corte entendeu que não tinha provas suficientes dos acusados no envolvimento do crime, apesar de terem sido denunciados como os mentores do crime pelo órgão público. Outros três suspeitos morreram nos últimos anos ao longo das investigações do caso. Eles eram: Antonio Wellington Ferreira Lima, Sebastião Lima e Westilly Hitler Raulino, esse último apontado como autor do crime.

O último réu que sobrou nas investigações foi Francisco Marcos, acusado de ter dado suporte e organizado a logística do crime, no qual será julgado nesta quarta.

“Participaram ativamente da logística do crime, deram contribuição relevante para que ele [executor] conseguisse acessar o Zé Maria e realizasse o assassinato dele”, disse o advogado do Escritório Frei Tito (EFTA), da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), José Fontenele.

A luta do agricultor é destacada pela advogada, membro da Rede de Advogadas e Advogados Populares e do Coletivo Jurídico Zé Maria do Tomé da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Geovana Patrício. A representante relembra o episódio que marcou a luta pelos direitos do meio ambiente.

De acordo com Geovana, a vítima tinha conseguido aprovação de uma lei que proibia a pulverização aérea no município. Apesar da lei, o líder comunitário reuniu provas de que a prática ainda acontecia. O objetivo era levar as denúncias ao Ministério Público. “Ele foi assassinado no dia 21 e no dia 22 era a data em que ele tinha uma reunião com o MP para apresentar as denúncias”, conta.

A advogada destaca que deve haver a responsabilização do caso. “Esperamos que haja a condenação, que depois de 14 anos a família possa ter esse encerramento desse ciclo. A condenação representa que crimes assim não sejam mais tolerados”, comenta Geovana. Nove anos depois do crime, uma lei estadual que levou o nome da vítima proibiu em todo o Estado a pulverização.

Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicado em abril deste ano, no ano passado, foram registrados os maiores números desde o início dos levantamentos da entidade. Em 1985, ao total, foram 2.203 conflitos, contra 2.050 do ano anterior e 2.130 do ano de 2020, até então o ano com o primeiro lugar em conflitos.

O documento revela que a maioria dos conflitos registrados é por terra . Foram 1.724, sendo o maior número registrado pela CPT). Em seguida, vem as ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Dentre os estados, o maior número foi registrado na Bahia, com 249, seguido do Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167).

Dentre as regiões, a região Norte foi a que mais registrou conflitos (810), seguida da região Nordeste (665), Centro-Oeste (353), Sudeste (207), e por fim, a região Sul, com 168 ocorrências.

Uma nova preocupação da representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida advogada sobre o tema é a utilização de drones para a pulverização. "Vem chegando relatos de uso de testes com drones, o que é proibido também pela lei estadual. Não há estudos provando que eles são mai seguros, eles dispersam também esse veneno no ar", comenta.

Para ela, é necessário uma maior fiscalização e novas formas de combate para esse novo meio que agride o meio ambiente. "Estamos nos deperando com um novo problema. É preciso evitar a regularização do uso de drones na agricultura, que seria uma afronta à Lei Zé Maria do Tomé", pontua.

Ato deve marcar o início do julgamento de Zé Maria do Tomé 

Um ato deve marcar o início do julgamento do crime que vitimou Zé Maria do Tomé.  Por volta das 8 horas os movimentos sociais se reunirão em frente ao Fórum Clóvis Beviláquia, em Fortaleza, no intuito de pedir Justiça para o líder comunitáro e a luta para combater o uso de agrotóxicos por meio da pulverização aérea. 

A filha da vítima, Márcia Xavier, detalha que sempre imaginou que esse dia iria chegar. "Nunca passou pela nossa cabeça que fosse demorar tantos anos. Esperamos que a Justiça seja feita e que ele pague pelo que fez", diz.

Márcia aponta a inexistência de uma elucidação, pois o suposto mandante teria sido excluído do processo. "A nossa esperança é que amanhã o réu abra a boca e aponte o mandante", ressalta. 

A filha destaca que vários pontos chamaram atenção do crime, desde a quantidade dos tiros até o dia da execução, dia 21 de abril, Dia de Tiradentes.

Márcia explica que o pai recebia ameaças, mas poupava a família. Uma semana antes do crime ele teria recebido ameaças por telefone informando que teria que deixar sua luta contra a pulverização de veneno por meio áreo "de uma forma ou de outra". A família teria alertado que esse comentário se tratava de uma ameaça. "Ele dizia: se eu morrer e vocês continuarem minha luta eu morro feliz", comenta a filha.

Mais de uma década após o crime, a família seguiu com os movimentos sociais em busca por Justiça e também na luta contra a pulverização de agrotóxicos de forma aérea, que envenenava as famílias e animais. Amanhã uma manifestação acontecerá por meio de movimentos sociais do acampamento Zé Maria do Tomé e dos parentes, na entrada do Fórum Clóvis Beviláquia.

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