Era manhã do dia 15 de outubro de 2019 quando um dia comum no Edifício Andrea, no Dionísio Torres, em Fortaleza, se transformou em pesadelo. Prédio desabou e resultou na morte de nove pessoas. Após cinco anos, a tragédia ainda parece recente na memória de quem sobreviveu a ela. No terreno, foi erguido o Quartel 15/10, do Corpo de Bombeiros, que tem previsão de entrega na próxima sexta-feira, 18.
O residencial ficava localizado na rua Tibúrcio Cavalcante, área nobre da Cidade. Estrutura, construída e oficializada no ano de 1982, contava com oito pavimentos, entre estacionamento, apartamentos e cobertura. Cleide Maria, 65, trabalhava como diarista em uma das moradias do primeiro andar.
No dia da queda, ela conta que ao chegar no local viu um pedreiro derrubando uma pilastra, dando a ele um aviso que mais pareceu premonição: "Rapaz, tu vai derrubar o prédio". Logo depois entrou no apartamento e disse para a patroa, Maria da Penha, sair do edifício, mas ela preferiu ficar.
Com a recusa, Cleide não quis deixar a mais velha, que tinha cerca de 70 anos na época, sozinha, e acabou se convencendo de que nada aconteceria. Quando o relógio marcou por volta de 10h30min e os primeiros cômodos do prédio começaram a despencar, ela havia acabado de estender roupas.
No apartamento onde estava, a estrutura de um quarto dos fundos foi a primeira a desmoronar. Abrigadas na cozinha, Maria quis ir para sala, mas Cleide achou melhor ficar ali e pediu para a outra rezar.
A patroa mudava de cômodo quando o restante da estrutura despencou. Ela caiu deitada, sendo coberta pelos escombros. Já a diarista caiu sentada, com a perna dobrada. As duas ainda ficaram se falando e as últimas palavras de Maria, antes de morrer, foram: "Não tô aguentando. Acho que quebrei o braço".
Pela forma como veio ao chão, Cleide lembra ter sentido muito dor na perna e, mesmo em meio à poeira e destroços, conseguir pegar um pano em um dos armários para enrolar o membro. Ela foi socorrida pelos Bombeiros pouco tempo depois e quase precisou ter o pé amputado.
Hoje aposentada, Cleide ainda precisa andar de muletas em consequência do ocorrido. Após a tragédia, ela viveu recebendo ajuda da Prefeitura e só neste ano é que sua aposentadoria veio. Além do efeito físico, sessões de terapia garantias pelo Município a ajudaram a enfrentar o trauma do que viveu.
"Foi um verdadeiro milagre o que aconteceu", diz, sobre ter saído viva do prédio. Quando lembra de Maria da Penha, com quem trabalhava há 21 anos e mantinha ainda uma relação de amizade, sua voz muda e ganha um tom de saudade: "A gente era muito próxima".
Enquanto uma amizade era desfeita de forma trágica, uma outra começava ali, entre o administrador de empresa Gilson Moreira, 63, e o bombeiro Sérgio Sousa, 33. O primeiro havia saído do trabalho para fazer compras em um mercadinho localizado ao lado do Edifício Andrea quando foi atingido pelo desabamento.
Ele lembra que já havia pago as compras quando resolveu pegar um refrigerante. O dono do estabelecimento precisou se ausentar para resolver uma questão, pediu para que esperasse um momento e foi nesse intervalo de tempo que o prédio residencial veio abaixo, atingindo o supermercado.
Durante o acidente, Gilson foi soterrado por escombros e teve as pernas pressionadas pelos destroços, o que fez com que quase tivesse que amputá-las. Desse momento tem poucas memórias, mas uma se sobressai: o nome de quem atuou para resgatá-lo. Sérgio foi o bombeiro designado para ficar ao seu lado.
O profissional conseguiu passagem por meio de um buraco e atuou dando oxigênio e mantendo o acidentado acordado e calmo. Foram pouco mais de cinco horas atuando dessa forma até conseguir estabilizar a estrutura e retirar Gilson, encaminhado para o Instituto Doutor José Frota (IJF).
Administrador ficou 21 dias no hospital e como consequência do acidente até hoje precisa andar de muletas. Deixou de pescar e não entra mais no mar sozinho, por falta de mobilidade. "Eu pescava, eu surfava com meus filhos (...) Final de semana pegava a família e ia para a praia", lembra, nostálgico.
Mantém agora outra atividade: a de agradecer. Anualmente celebra um novo aniversário, do dia em que nasceu novamente, mas os "parabéns" se transformam em reconhecimento a quem foi responsável por isso. Ele sempre manda mensagens para o bombeiro Sérgio, agradecendo pela "atenção com sua vida".
O profissional, que na época estava no seu quarto ano no Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE), frisa que ser reconhecido dessa forma "dá ânimo de seguir com a profissão". Sempre quando fala disso diz que se emociona e fica com a sensação de "dever cumprido", por saber que ajudou a manter alguém vivo.
Ele lembra que quando recebeu a ocorrência não sabia que se tratava de um prédio e que só entendeu a dimensão da tragédia quando chegou ao local. Gilson foi a primeira vítima que localizou e, apesar de revezar o trabalho com outros bombeiros, foi com ele que nutriu uma amizade.
"Foi uma ocorrência que exigiu da gente (bombeiros) em todos os aspectos, física e mentalmente. A gente teve que ter uma coragem que nem sabia que tinha", lembra, falando em seguida sobre a proximidade com Gilson: "É um ponto que a gente vai levar para vida. Um vínculo que foi feito".
Sete pessoas foram resgatadas do edifício com vida. O trabalho de buscas do Corpo de Bombeiros, que demorou 103 horas, teve reforço da ajuda de voluntários, que atuaram ainda doando água e comida.
No terreno onde ficava o prédio, funcionará um quartel do Corpo de Bombeiros Militar do Estado (CBMCE). A inauguração do local está prevista para a próxima sexta-feira, 18.
Os moradores do Andrea só receberam, em 2023, indenização referente à desapropriação do terreno onde o prédio funcionava, após anos de uma longa batalha judicial. Foram pagos pela Prefeitura do Município um total de R$ 1,7 milhão, valor que foi dividido entre 12 famílias.
Logo após a queda, a Perícia concluiu que o prédio desabou no sentido da travessa Hildete para a rua Tibúrcio Cavalcante, da parte posterior para a anterior.
Um estudo feito no local constatou que a estrutura apresentava grave oxidação e fragilidade e que as intervenções realizadas momentos antes da tragédia, foram definitivas para o acidente.
Em 2021 a Justiça cearense aceitou a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra os dois engenheiros e o pedreiro que atuaram na obra, mas esse último veio a ser absolvido em 2023.
Já os profissionais de Engenharia Andreson Gonzaga e Carlos Alberto foram pronunciados e irão a júri popular. Ele são acusados de tentativas de homicídios duplamente qualificados, em relação aos sobreviventes, e serão julgados também pelo homicídios duplamente qualificados de Antônio Gildásio Holanda Silveira, Nayara Pinho Silveira, Rosane Marques Meneses, José Eriverton Laurentino Araújo, Izaura Marques de Meneses, Maria da Penha Bezerril Cavalcante, Maria das Graças Rodrigues, Vicente de Paulo Vasconcelos Meneses e Frederick Santana dos Santos.
Linha do tempo