Após seis meses do início dos pagamentos, o programa Pé-de-Meia tem impacto positivo em uma das metas da política: aumentar a frequência escolar.
No Ceará, de fevereiro a maio — período que engloba os dois primeiros pagamentos do benefício — a média de infrequência dos estudantes incluídos foi de 13%, enquanto aqueles que não recebem o valor tiveram mais faltas, com média de 23% de infrequência.
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Os dados são da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc). Conforme a pasta, 72% dos estudantes da rede pública do Estado estão aptos a receber o incentivo financeiro, o que equivale a mais de 230 mil alunos.
“Por meio do acompanhamento da frequência, foi identificado que os beneficiários do programa têm assiduidade melhor do que os demais alunos da rede. A Seduc ressalta que ainda não há base para uma análise comparativa, pois o programa começou no primeiro semestre”, afirma a secretaria por nota.
Para continuar recebendo as parcelas mensais de R$ 200, os estudantes precisam manter uma taxa de 80% de frequência escolar por mês. Caso o aluno falte mais do que o permitido, o benefício não é pago naquele período.
No entanto, o Ministério da Educação explica que o pagamento é retomado assim que o beneficiário voltar a atingir 80% ou mais da frequência mensal.
Rafael Barbosa, diretor da escola de tempo integral Professora Telina Barbosa, no bairro Messejana, em Fortaleza, afirma que a mudança é palpável. “A diferença maior é estarem mais assíduos. Faltam o mínimo possível, ficaram mais atentos a responder a chamada, se faltam apresentam atestado”, relata.
Outro aspecto observado pelo diretor foi a menor quantidade de pedidos de transferência para escolas de tempo parcial. “Eles pediam para ir para uma escola parcial para conseguir ter um subemprego no contraturno”, explica.
Além da frequência, a perspectiva de alguns alunos em relação aos estudos está mudando, conforme o professor Leonardo Monteiro Dutra, da escola Estado do Maranhão, no bairro Mondubim, em Fortaleza.
“O Pé-de-Meia trouxe um vínculo direto mostrando que você pode conseguir dinheiro por meio do estudo. Culturalmente, pessoas mais pobres valorizam o trabalho. O programa contribui para mudar a perspectiva de que o estudo não está ligado ao ganho de dinheiro. Mostra que dá para fazer os dois ao mesmo tempo, e melhorar a renda com aquela formação”, afirma.
Ainda não é possível, segundo os educadores, comparar ou perceber uma melhora nas notas e no desempenho, devido ao pouco tempo de vigência do programa.
Valor do Programa supre média de colaboração do jovem na renda familiar
O ensino médio é uma etapa crítica para os jovens de famílias mais vulneráveis socioeconomicamente. Conforme o Censo da Educação Básica de 2023, o período tem taxa de evasão escolar de 5,9%, a maior da educação básica. A necessidade de entrar no mercado de trabalho ainda é um dos principais motivos para o abandono.
Para a professora Zilania Mariano, membro do Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), a implementação de bolsas, como o Pé-de-Meia, pode ser um incentivo para que os alunos não desistam dos estudos para trabalhar.
"Essa medida não apenas pode facilitar a continuidade dos estudos, mas também reduz a necessidade dos jovens de abandonar a escola para trabalhar, promovendo maior estabilidade econômica e educacional para as famílias, principalmente as famílias mais vulneráveis", diz.
Na dissertação de mestrado da aluna Maria Ivonete da Silva, com orientação também da professora Alesandra Benevides, as três pesquisadoras demonstram que o valor do Pé-de-Meia pode suprir a média do que um adolescente consegue contribuir para a renda da família por meio do trabalho.
Utilizando os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2022, a pesquisa aponta que a média de contribuição do adolescente que estuda e trabalha para a renda familiar é de R$ 905,10 a R$ 1.448,55 e de R$ 230,32 a R$ 347,23 para a renda domiciliar per capita (valores corrigidos pela inflação).
O programa conta com diferentes incentivos, como o valor recebido após a matrícula (R$ 200), pela frequência mensal (R$ 200 ao mês/R$ 1.800 anual), pela conclusão e aprovação do ano letivo (R$ 1.000 em poupança) e o incentivo por fazer o Enem ao fim do terceiro ano (R$ 200).
As pesquisadoras somaram o valor anual de cada incentivo (matrícula, frequência e conclusão) e dividiram por 12 meses. Por sua vez, o valor do incentivo Enem foi dividido por 36 meses, equivalentes a todo o período do ensino médio.
"Logo depois, os valores mensais de cada incentivo foram somados resultando em um valor mensal total de R$ 255,55. Desse modo, verifica-se que o benefício mensal oferecido supera em 11% a contribuição dos jovens na renda domiciliar per capita, estimada em R$ 230,32 (consideramos a estimativa mais conservadora)", expõe Zilania.
Essa diferença positiva sugere que o benefício pode incentivar os alunos a se dedicarem integralmente aos estudos no ensino médio.
Zilania explica que a análise ainda tem limitações, pois se concentra nos grupos de jovens que apenas estudam e aqueles que conciliam estudo e trabalho.
"Já estamos desenvolvendo outro trabalho para analisar a contribuição na renda das famílias dos jovens que decidiram abandonar o ensino médio para se dedicarem apenas ao trabalho. Assim, será possível realizar uma comparação com o programa Pé-de-Meia e verificar se o benefício pode atrair esses jovens de volta ao ensino médio", afirma.
Benefício é suficiente para se dedicar somente aos estudos?
Para alguns estudantes da rede pública, trabalhar e estudar ainda é uma realidade. Conciliar os horários de um emprego com a escola tem desafios, inclusive para atingir a frequência de 80% requerida pelo programa Pé-de-Meia para concessão do benefício.
O professor Leonardo Monteiro Dutra, da escola Estado do Maranhão, no bairro Mondubim, em Fortaleza, conta que parte dos estudantes que trabalham ainda pedem para sair mais cedo para chegar a tempo, perdendo conteúdo.
"Eles não acham vantajoso trocar o trampo que têm pelo Pé-de-Meia, pelo valor. Outros estão recebendo, mas arrumaram trabalho depois da escola", diz o educador.
Para o estudante do 2º ano da escola Heráclito de Castro, no bairro João XXIII, Marley Jonathan, 18, voltar a frequentar todas as aulas para garantir o benefício foi mais vantajoso do que continuar no trabalho que conseguiu no início do ano letivo, quando completou a maioridade.
"As coisas foram apertando. Como sou só eu, meu irmão e minha avó, eu tinha que contribuir com alguma coisa. Todo dia perdia duas aulas, eu não gostava, perdia muito conteúdo", relata.
Marley trabalhava de garçom de 17h às 2 horas, ganhando R$ 140 por semana. "Eu ficava muito sonolento. Melhorou bastante o meu desempenho [quando saiu do emprego]", diz.
Apesar de receber menos dinheiro com o programa, o estudante prefere se dedicar integralmente à escola. "Fiz um acordo com minha avó. Dou metade para ela, para pagar uma conta de água ou luz, e a outra metade fica comigo, para eu comprar algo pra mim, um xampu", afirma.
Já Cecília Oliveira, 17, também estudante do 2º ano da escola Ana Bezerra de Sá, no centro do Eusébio, não deixou de trabalhar quando começou a receber o benefício.
"Realmente preciso [trabalhar], acabei comprando um celular, outras coisas, não quero perder esse dinheiro. O Pé-de-Meia te ajuda, mas não acho suficiente", afirma.
Cecília recebe R$ 150 por semana trabalhando como vendedora em uma loja de roupas. A rotina consiste em sair da escola e ir direto para a loja, atendendo clientes virtual e pessoalmente até as 17 horas.
A aluna não sentiu diferença no desempenho escolar. "A loja não é tão movimentada, são vendas mais pelas redes sociais. Geralmente não estudo à tarde, acabo chegando cansada, mas quando tem prova consigo arranjar um tempinho", diz.
Tanto Marley quanto Cecília ponderam como será o 3º ano do ensino médio, período que exige mais dos alunos. "Recebi algumas propostas [de emprego], mas quando eu penso que tem Enem, simulados, dá uma pesada", diz Marley.
"Dizem que é bem mais pesado, por ser o último ano, mas eu vou, sim, continuar trabalhando", afirma Cecília.
Saiba como funciona o Programa
O Programa Pé de Meia foi lançado em novembro de 2023 e é de responsabilidade da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC). Ele é um incentivo financeiro-educacional voltado àqueles estudantes matriculados no ensino médio público que são beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
Por meio da iniciativa federal, alunos recebem o valor mensal de R$ 200. Já no caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA), há ainda o pagamento de R$ 900 em quatro parcelas.
Valores podem ser sacados a qualquer momento e são depositados após comprovação de matrícula e de periodicidade escolar. No geral, beneficiário recebe ainda R$ 1.000 ao fim de cada ano concluído, que só pode ser retirado da poupança após a formatura no ensino médio, e R$ 200 pela participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Considerando todos os incentivos, os valores chegam a R$ 9.200 por aluno no período. No meio deste ano o programa obteve expansão e número de estudantes atendidos passou de 2,7 milhões para 3,9 milhões, índice que equivale a 54% dos cerca de 7 milhões de estudantes das redes públicas de ensino no Brasil, de acordo com informação divulgada pelo Governo Federal.
Além de buscar garantir a permanência e a conclusão escolar de estudantes no ensino médio, iniciativa pode alçar novas metas. Isso porque o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou nessa semana que pretende voltar o Pé de Meia para licenciaturas.
Ideia é que estudantes ingressos na universidade para seguir a carreira docente passem a receber também um incentivo financeiro. Ação deve ser detalhada em breve. (Gabriela Almeida)