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Quinze PMs são condenados por ligação com tráfico envolvendo escolta, extorsão e venda de drogas
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Quinze PMs são condenados por ligação com tráfico envolvendo escolta, extorsão e venda de drogas

Agentes utilizavam aparato policial em práticas criminosas na região do Grande Bom Jardim; Penas chegam a 124 anos de prisão
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Fachada do MPCE (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Fachada do MPCE

Um trabalho investigativo do Ministério Público do Ceará (MPCE) resultou na condenação de 15 policiais militares por 10 crimes relacionados ao tráfico de drogas em Fortaleza. Atuantes no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, os agentes eram divididos em grupos que traficavam drogas, faziam escolta do crime organizado e realizavam extorsões.

As investigações tiveram início em 2015, quando o MPCE ainda observava o início do domínio das organizações criminosas no Estado. A partir de interceptações telefônicas e demais medidas cautelares, o Ministério identificou a participação de dois grupos de PMs que facilitavam o crescimento do crime na Capital.

O primeiro era liderado por Jeovane Moreira Araújo, condenado a 124 anos e cinco meses de prisão, além de 920 dias-multa. Os agentes atuavam com informantes dentro das facções, que repassavam onde e quando as vendas de drogas estavam ocorrendo.

Quem recebia esses detalhes eram os PMs Oziel Pontes da Silva, Glaydson Eduardo Saraiva e Francisco Clébio do Nascimento Alves, condenados a penas de 22, 24 e 16 anos de prisão, respectivamente.

Assim que recebiam as informações, esses agentes eram responsáveis por organizar investidas nos pontos de compra e venda das drogas, a fim de encontrar traficantes de alto poder aquisitivo em ação. Após o flagrante, os PMs ameaçavam prender o criminoso e exigiam bens, presentes, bem como quantias em dinheiro para não levá-los a uma delegacia.

O traficante conseguia se livrar da prisão mediante pagamento, entretanto, a droga que estava sendo traficada ficava com os PMs, que revendiam para outras facções e dividiam o dinheiro entre si, junto com os informantes.

Para que todo esse esquema funcionasse, os agentes recebiam apoio de outros policiais, que auxiliavam no fornecimento de armas e munições, repasse da droga para venda e apoio nas investidas em pontos de tráfico.

Policiais condenados por prestar apoio ao grupo

  • José Célio Ferreira Cavalcante, condenado a 6 anos e 6 meses de prisão, por comércio ilegal de arma de fogo
  • Lázaro César Lima de Aguiar, condenado a 1 ano e 1 mês de prisão, por tráfico de drogas
  • Stênio Pinto Estavam Batista, condenado a 4 anos e 4 meses, por organização criminosa
  • José Valmir Nascimento da Silva, condenado a 6 anos e 6 meses de prisão, mais 15 dias-multa, por comércio ilegal de arma de fogo
  • Paulo Rogério Bezerra do Nascimento, condenado a 65 anos, 4 meses e 15 dias de prisão, por associação ao tráfico, extorsão e tráfico de drogas
  • Auricélio da Silva Araripe, condenado a 20 anos e 6 meses de prisão, por associação ao tráfico, extorsão, peculato e tráfico de drogas
  • Alan Kilson Pimentel de Sousa, condenado a 1 ano e 1 mês de prisão, tráfico de drogas
    Francimar Barbosa Lima, condenado a 8 anos de prisão, extorsão

De acordo com MP, Jeovane era o responsável por escolher quem seriam os abordados nas ações do grupo. Os alvos eram preferencialmente traficantes com mandados de prisão em aberto, para justificar as ofensivas.

As ações aconteciam mesmo durante a luz do dia, em turnos de policiais envolvidos com o esquema criminoso, como evidenciado em diálogo de Jeovane com o policial Estevam. Todos os áudios e vídeos citados nessa matéria estão disponíveis em hotsite criado pelo MPCE para o caso.

Além deste, um segundo grupo, chefiado pelo PM Paulo Rogério Bezerra do Nascimento, atuava de forma similar ao de Jeovane, com ameaças e tráfico das drogas confiscadas.

Neste caso, as vítimas das extorsões eram escolhidas de forma visual, a partir da detecção em campo dos pontos de droga. Após identificar quem era o traficante responsável por aquele ponto, o grupo de Rogério usava a base de dados das Forças de Segurança do Estado para ter acesso à ficha criminal do ocorrido.

No local, o próprio Rogério assumia o comando das extorsões. Se o valor pedido não fosse pago, o grupo confiscava entorpecentes, relógios, veículos e qualquer outro bem que pudesse atingir a soma desejada.

Em uma das conversas interceptadas pela investigação do MPCE, Rogério chega a sugerir valores em torno de R$ 30 mil para a cobrança.

Para o coordenador do Grupo de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) do MPCE, Adriano Saraiva, a investigação foi um importante passo para combater a corrupção policial no Estado, mas precisa ser continuada.

“O efeito é positivo. É preciso a gente continuar trabalhando? É preciso. Porque infelizmente tem pessoas ali na polícia que têm a envergadura para o crime. Esse aí você não tem como mudar. Você tem é que retirá-lo desse seio aí”, avalia o promotor de justiça.

Policiais prestavam serviços para o crime organizado

Além das extorsões e tráfico, os PMs também prestavam auxílio para as organizações criminosas. Na cartilha de serviços disponibilizados pelos policiais estavam escolta para carregamentos de drogas e cobranças junto a outros traficantes.

Entre os casos citados na investigação está a recuperação de uma moto, feita pelo grupo de Jeovane. O veículo teria sido vendido por um traficante para outro. O comprador teria deixado de pagar ao traficante, que acionou os policiais para recuperar a motocicleta.

Um vídeo anexado como prova técnica ao processo mostra o momento em que os agentes recuperam a moto e saem com ela escoltados por uma viatura. Este trabalho em específico teria gerado grande preocupação no grupo, já que o devedor descobriu que os responsáveis pelo sequestro da moto foram policiais militares.

De acordo com o MPCE, o grupo de Rogério era composto por mais dois PMs, de nomes Auricélio da Silva Araripe e Antônio Danúzio Silva. Outros quatro agentes chegaram a ser denunciados como membros do esquema, sendo dois absolvidos, um falecido, e o último com competência para julgamento do caso declinada pela vara.

O POVO procurou a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) e a Controladoria Geral de Disciplina (CGD) e aguarda retorno.

Balanço da investigação

As condenações destes 15 policiais são frutos de duas investigações, denominadas Gênesis e Saratoga. Ao todo, 68 agentes de seguranças, incluindo os 15 policiais militares condenados, foram denunciados pelo Ministério Público.

A primeira das investigações foi a Saratoga, iniciada em 2015, que a princípio buscava observar apenas as facções, mas terminou detectando o envolvimento dos policiais. A partir dela, originou-se a Gênesis, em 2020, que resultou nas evidências apresentadas nos processos dos policiais.

Todo o trabalho investigativo foi realizado em parceria do MPCE com a Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil do Estado do Ceará (Coin-PCCE). Juntas, as operações somam mais de 20 fases, 110 prisões preventivas, entre civis e policiais, além de 144 mandados de busca e apreensão.

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