"No meio do caminho tinha uma pedra...". Se o poema de Carlos Drummond de Andrade fosse ambientado em Fortaleza, a pedra do poeta seria o mínimo das preocupações para quem utiliza os pisos táteis nas ruas e avenidas da Capital cearense.
Uma das normas brasileiras que dispõe sobre a instalação do piso tátil, a NBR 16537 (Norma Brasileira Regulamentadora) o caracteriza por seu relevo e luminância contrastantes em relação ao piso adjacente. É destinado "a constituir alerta ou linha-guia, servindo de orientação perceptível por pessoas com deficiência visual".
No meio do caminho para o polo de lazer na Barra do Ceará, o que impede a locomoção das pessoas com deficiência visual são cadeiras de plástico, ordenadas no acesso aos ladrilhos táteis à frente de um quiosque.
"Se (tivesse) uma forma para a gente obstruir menos as passagens, seria mais interessante", diz o comerciante Paulo Santos, 38. "E também se tivesse pessoas para andar, porque colocam esses espaços aqui, mas ninguém anda, ninguém ocupa".
A afirmação é contrastada pela experiência do casal Alessandra de Oliveira, 43, e Vandevaldo do Nascimento, 43, ambos pessoas com deficiência visual que vivem em Fortaleza.
"A maioria das vezes que a gente vai caminhar pelas ruas, são muitos buracos, calçadas irregulares. Se às vezes tem o piso tátil, mas a calçada é irregular, isso atrapalha muito a identificar, não conseguimos perceber onde continua", desabafa Alessandra.
Em lugares "mais novos", a massoterapeuta revela que a experiência pode ser diferente: "Se estivermos caminhando na Beira Mar, temos um ótimo piso (tátil). É bem acessível, o alto-relevo dele é ótimo, então a gente consegue caminhar sobre ele".
"Nas periferias e nos bairros centrais de Fortaleza, é ruim demais. Até tem o piso tátil para a gente poder caminhar, mas infelizmente as pessoas colocam as 'banquinhas' em cima", completa.
Em registro feito após sugestão do educador físico mestre em Educação Especial e ex-conselheiro do O POVO Vicente Cristino, no cruzamento da avenida Dom Luís com a rua Oswaldo Cruz, um piso tátil alocado para guiar até a faixa de pedestres possui um fio no meio de sua passagem. O mesmo ocorre na esquina da Dom Luís com a rua Joaquim Nabuco.
Em resposta a outra ocorrência na Barra do Ceará, na qual blocos de pedra barravam a passagem no piso tátil, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) informou em nota ter enviado no sábado, 18, uma equipe de fiscalização para verificar a denúncia. O POVO também solicitou nota sobre os pisos táteis na Dom Luís. Não houve o retorno até o fechamento da edição.
Ao serem questionados se a Capital era acessível para pessoas com deficiência visual, Alessandra e Vandevaldo foram categóricos: "Não".
"Acessibilidade não é só uma rampa, não é só ter Libras em uma palestra. Vai além: é um direito de todos e para todos, tem que atender à necessidade de todos, não só de uma parte", diz Vandevaldo.