Os moradores dos bairros Parque Presidente Vargas e Alto Alegre, localizados em Fortaleza e Maracanaú, na Região Metropolitana, enfrentam há anos um cenário de insegurança. Diariamente, crianças, jovens e adultos precisam atravessar um trecho do rio Maranguapinho para acessar serviços essenciais de saúde e educação, conforme matéria publicada no O POVO no ano passado.
Na semana passada, O POVO retornou ao local, após quase um ano, e constatou que a situação permanece a mesma, e, pior, ainda mais agravada.
Um caminho de pedras, com água escura e de mau cheiro, rodeado por vegetação alta e resíduos espalhados nas margens, compõe um cenário que os moradores consideram já antigo. Esse trecho, situado na rua Geraldo Nobre, divide o acesso a serviços essenciais, como postos de saúde e escolas.
A via que atravessa o rio é o acesso mais rápido para os moradores das regiões vizinhas, evitando que a população precise recorrer a desvios mais longos no limite entre os municípios.
A dona de casa Beatriz Girão, de 36 anos, realizava, há pelo menos cinco anos, o trajeto pelo córrego para levar a filha, de 11 anos, e os sobrinhos, de 6 e 10 anos, à Escola Municipal Governador César Cals de Oliveira Filho, na rua Pretória, em Maracanaú. No início deste ano letivo, Beatriz, moradora de Fortaleza, decidiu evitar expor as crianças ao risco do afluente. Atualmente, os estudantes fazem um desvio maior para chegar à escola.
Segundo Beatriz, a situação passou a afetar diretamente a saúde das crianças, provocando o aparecimento de feridas com coceiras nas pernas, um problema que ela acredita estar relacionado ao contato com a água do rio. “Eles não estão passando mais lá. A gente faz agora um percurso maior justamente para evitar que eles fiquem doentes dentro do canal. Além disso, no período de chuvas, a preocupação só aumentou”, explica Beatriz.
Moradora a poucos metros da margem do rio, a dona de casa Joelma dos Santos, 46 anos, denuncia a precariedade da infraestrutura local, que persiste há décadas, e descreve um sentimento de abandono por parte do poder público.
Ela relata que seu filho também precisa atravessar o rio para chegar à escola em Maracanaú e, na terça-feira passada, 11, o adolescente de 12 anos adoeceu, um dia após passar pelo trecho na segunda-feira anterior. “Ele faz essa travessia todo dia porque é muito longe para ele vir pela rua 8 ou pela rua 1. Atravessou e acabou ficando com febre, garganta ficou ruim, mas teve que ir pra escola hoje porque tinha prova”, disse. Ela revela que não é a primeira vez que o filho adoece após atravessar o trecho. "Isso já aconteceu várias vezes. A maioria das crianças fica doente porque tem que atravessar o rio", comenta Joelma.
A solução para os moradores seria a construção de uma ponte que conectasse os municípios, melhorando a acessibilidade e garantindo o acesso a serviços básicos, atualmente comprometidos devido ao curso d'água.
O líder comunitário Geyme Santiago afirma que inúmeros pedidos para construção da ponte foram protocolados na Câmara Municipal de Fortaleza, Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) e na Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf) e Ouvidoria do Município.
Segundo Santiago, as solicitações foram feitas desde 2019, quando foi definida a delimitação da zona de limite entre os municípios de Fortaleza e Maracanaú, por meio do Termo de Ajuste de Divisas do Projeto Atlas de Divisas Georreferenciadas dos Municípios Cearenses.
Além disso, a publicação da Lei nº 16.821, em 9 de janeiro de 2019, estabeleceu oficialmente os limites entre Fortaleza e os demais municípios da Região Metropolitana, incluindo Maracanaú.
Os documentos indicam que o mapa territorial das divisas estabeleceu que toda a Rua Geraldo Nobre passou a fazer parte de Fortaleza, sob responsabilidade da Regional 10, e não mais de Maracanaú.
No ano passado, o ex-titular da Seinf, Samuel Dias, informou que as intervenções na área estavam previstas no novo Programa de Infraestrutura em Educação e Saneamento de Fortaleza (Proinfra).
A gestão anterior havia informado que o início das obras estavam previstas para o primeiro semestre deste ano. O POVO procurou, o atual secretário da Seinf para obter informações sobre o projeto de intervenção na região, visando garantir uma travessia mais segura para os moradores.
A Regional 10, por meio da Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger), também foi procurada para saber se, além da construção da estrutura, quais são as ações de intervenção urbanística, como capinação, às margens do trecho e limpeza urbana.
O retorno da gestão municipal, no entanto, veio por meio de nota da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) que afirmou que uma equipe técnica foi enviada à rua Geraldo Nobre, na divisa entre Fortaleza e Maracanaú, na quarta-feira, 12, para avaliar a demanda e, na sequência, iniciar a limpeza da via.
O órgão disse ainda que, "como alternativa, a população pode fazer a travessia do Maranguapinho com segurança pela rua Martins de Lima, situada a cerca de 200 metros da rua Geraldo Nobre." No entanto, não foi citado sobre a construção da estrutura no local.
A Controladoria e Ouvidoria Geral de Fortaleza (CGM) foi procurada para saber o balanço de solicitações feitas na ouvidoria para a construção da ponte no trecho desde 2019. Os órgãos não responderam os questionamentos da construção da ponte, assim como se existe um diálogo com Governo do Ceará sobre o caso.
De acordo com a líder comunitária do bairro Presidente Vargas Hana Souza, a situação é agravada pela disputa administrativa entre Fortaleza e Maracanaú, que impede a solução do problema há anos. A expectativa é que a atual gestão de Fortaleza resolva a urgência da implantação da obra.
“Há anos vem se arrastando. A ponte é a prioridade para melhorar a acessibilidade das crianças, das pessoas irem ao posto, irem para casa de um familiar e ir para escola, que é o essencial”, reforça.
Em fevereiro de 2024, o Ministério Público do Ceará (MPCE), por meio do Centro de Apoio Operacional da Educação (CAOEDUC), informou ao O POVO que “tomou ciência do fato e que o assunto será encaminhado às Promotorias de Justiça que atuam na defesa da Educação, em Fortaleza, para apuração”.
O órgão foi procurado na quarta-feira, 12, para saber como está o andamento da situação. A matéria será atualizada quando o MPCE responder.
Procurada pelo O POVO, a Secretaria das Cidades (SCidades) disse, em nota, que o tratamento e urbanização dos canais/afluentes localizado neste trecho da divisa entre Fortaleza e Maracanaú, áreas urbanas “são de responsabilidade dos municípios”.
Ainda segundo o órgão, no ano passado, quando foi lançado o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) pelo Ministério das Cidades, a Secretaria apresentou um projeto de urbanização de nove canais/afluentes do rio Maranguapinho.
“Uma "obra complementar" ao Projeto Rio Maranguapinho, tendo em vista que estes Canais/Afluentes despejam muito lixo e esgoto no rio já urbanizado”, afirma o órgão, em nota. O trecho da rua Geraldo Nobre, no entanto, não está inserido no projeto.
O órgão informou que o valor aprovado para a proposta da Secretaria das Cidades contempla a recuperação dos primeiros seis canais/afluentes e, atualmente, não beneficia o trecho. Nessa quinta-feira, 13, a Secretaria informou que irá deslocar uma equipe técnica para análise da situação, além de requerer um novo projeto para pleitear recursos junto ao Governo Federal.
Em nota, a Prefeitura de Maracanaú informou nesta quinta-feira, 13, que "a Prefeitura está contratando empresa para elaborar projeto de urbanização de todo o trecho localizado no município de Maracanaú até o limite com o Município de Fortaleza". A gestão dão detalhes de prazos para o início das atividades e como será a obra.