É possível ser qualquer um no carnaval. Atrizes famosas, personagens de filmes e até figuras mais abstratas: marcas de cerveja, sentimentos. Com tantas possibilidades, o último dia de pré-carnaval em Fortaleza revelou uma baixa presença de “eu líricos”. A maior parte das pessoas deu a cara a tapa e vestiu-se como si mesma, sem máscaras.
A Praça da Gentilândia, no bairro Benfica, refletiu essa tendência na tarde nublada desse domingo, 23. Ainda que houvesse algumas fantasias, eram a minoria do espaço. No máximo, os foliões usavam acessórios de cabeça, em sua maioria tiaras, com frases engraçadas ou referências a músicas.
Outras tiaras traziam até “defeitos”. Neylane Lino, de 41 anos, usava uma tiara com a palavra “surtada”. “Uma amiga comprou e disse que era a minha cara”, disse, bem-humorada. Segundo ela, o fato de ser uma expressão comum chama a atenção e faz com que outras pessoas reconheçam e “puxem assunto”. “Ontem veio um homem conversar comigo por causa da frase”, completou, piscando o olho.
A alguns passos dela estava Andreia Araújo, 52 anos. Usava uma tiara escrito “militante cansada”. “É que estou cansada mesmo e queria uma desculpa para trazer meu tamborete”, justificou. A mulher apontou para um banquinho próximo e o levantou. Disse o utilizar para dar uma “descansada” de vez em quando. “Mas tudo dentro do personagem”, completou.
A tiara de Andreia havia sido confeccionada pela amiga Victória Vasconcelos de 30 anos. Ela acompanhava uma terceira colega que pediu para ser identificada como Dejane Grrrl, em referência ao movimento punk feminista. Essas duas últimas estavam com a tiara “Cola Celcro”. “É uma piada, todo mundo ‘fresca’ com as meninas lésbicas. Antes era pejorativo, mas hoje a gente pode satirizar isso”, disse Victória.
Ela disse confeccionar utensílios para o carnaval há 8 anos. O resultado, segundo Victória, é algo único. “Compro as coisas, vou para o centro da cidade e confecciono em casa. Fica personalizado com a identidade que a pessoa quer. É mais prático, não é tão trabalhoso e não é tão quente”, comentou.
Apesar disso, havia algumas fantasias bem elaboradas. Houve até quem deixou o cabelo crescer para se adequar melhor ao personagem escolhido. Foi o caso de Alexandre Almeida que, de óculos escuros nele e em uma boneca, representava o personagem do ator Zach Galifianakis no filme Se beber, não case (2009). “Todo ano a gente quer repetir essa fantasia. Esse é o terceiro. A roupa também é nova”, disse, exibindo o figurino.
Não deu tempo nem perguntar se o costume era reconhecível. No meio da entrevista um homem o parou e elogiou a fantasia. “Acontece direito”, comentou o fantasiado, orgulhoso.
O aceleramento da vida, o cansaço da rotina ou os dias mais quentes impactam todos os setores. Com o carnaval não seria diferente. Mas, como disse Neylane Lino, “Carnaval é carnaval” e, assim, o brasileiro deu seu jeitinho de se adaptar e participar. Seja com tiaras ou vestimentas completas. No surto, no cansaço. O negócio é fazer parte.
Venda de tiaras pode representar novas chances de vida
Maria de Fátima Costa, 43, considera a venda das tiaras como um fator essencial em um processo de recuperação de uma crise de pânico e depressão.
Em abril de 2024, ela e o marido Paulo Mendes foram assaltados, tiveram a moto tomada e o marido foi baleado.
Passaram seis meses sem sair de casa. A mulher realizou por um tempo serviços de costura, mas foi só com as tiaras que o negócio melhorou: "Vi a oportunidade na internet e aprendi".
De uma produção inicial de 12 tiaras, hoje são 50 todos os dias. Em pouco menos de duas horas do início da folia, restavam apenas quatro. O trabalho é feito nas madrugadas.
As que mais saem são: "Macetando", "Me Beija", "Solteira" e "Tu cheira?", a última em referência a uma música. Para a confecção, é realizada uma breve pesquisa a amigos e na internet: "A gente não conseguia sair de casa. Hoje esse adereço está sendo muito procurado e eu as faço para me recuperar".