As casas da rua José Messias Matos, popularmente conhecida como Travessa Lagoinha, no bairro Boa Vista, em Fortaleza, têm sido motivo de impasse entre moradores e o Governo do Estado do Ceará. Isso porque os imóveis estão inseridos na área de revitalização do Rio Cocó e deverão ser demolidos devido aos riscos de enchentes.
Comandadas pela Secretaria das Cidades (SCidades) as obras preveem a retirada de 366 residências do local, das quais 278 já foram demolidas. Em contrapartida para as famílias que perdem seus imóveis, o Estado tem proposto uma indenização, valorada por análise de empresas do ramo da engenharia.
O dilema dessa negociação, entretanto, tem sido os valores propostos pela pasta estadual às famílias ainda presentes na Travessa. Quem mora às margens do Rio, ratifica os recorrentes problemas que surgem durante o período de chuvas, mas alerta que sem aquele local, não têm para onde ir.
“Minha casa hoje é comprometida. Está até interditada. Mas daqui eu vou pra onde? Pra rua? Pra onde é que eu vou? Com esse chuvaral, eu estou vendo a hora morrer. Vão me dar minha vida de volta? Ninguém vai me dar minha vida ou a da minha filha de volta”, afirma a moradora do local há 40 anos identificada apenas como Celina, 59.
Mesmo diante dos riscos, muitas famílias têm optado por continuar morando na rua José Messias Matos por medo de não conseguirem comprar uma residência em outro lugar com o valor pago pelo Estado. No caso de Celina, a proposta foi apresentada foi de R$ 80 mil pela residência de dois andares, quantia que ela considera irrisória perante o imóvel.
Além do aspecto financeiro, a batalha por uma indenização maior tem afetado também a vida pessoas dos moradores, já que alguns tiveram agravos em problemas de saúde devido ao estresse causado pela negociação. Celina, por exemplo, precisou mandar a mãe para morar com uma irmã no município de Uruburetama, distante 115,79 km quilômetros de Fortaleza.
Sem a presença da mãe e com forte temor a cada chuva forte que possa comprometer a estrutura da residência, os dias na Travessa têm sido cada vez mais aflitos para Celina. Segundo auxiliar de cozinha, a vontade já é de sair do local, mas sem uma indenização suficiente para comprar um outro imóvel, ela se sente condenada a viver entre as angústias de uma queda eventual da casa, que está interditada pela Defesa Civil há três anos, e a falta de dinheiro para continuar a vida em um lugar mais seguro.
“As chuvas estão chegando com gosto de gás e eu sem saber o que eu vou fazer, com a mão na cabeça. Porque minha vida e a da minha filha estão em jogo. E eles não têm a ação de me indenizarem. Não me chamam para indenizar em um preço que eu possa comprar minha casa”, relata.
Além de Celina, O POVO conversou com outras três moradoras do local, que apesar de não enfrentarem os riscos de desabamento vividos pela vizinha, também buscam uma indenização que permita comprar uma nova casa após a demolição dos imóveis.
A primeira delas, Maria Algediva, conhecida pelos habitantes do bairro como Norma, conta viver lá há mais de quatro décadas e lembra tudo o que construiu ao lado do já falecido esposo. Ainda em vida, o casal comprou a casa e fez uma série de empréstimos para reformá-la, que resultaram na morada, que segundo ela, pouco sofre durante as chuvas e garante o conforto também para o filho, com quem divide a residência.
Após tantos investimentos, a aposentada vê a proposta de aproximadamente R$ 100 mil feita pela Secretaria das Cidades como irrisória, e pontua que este valor não garante a conquista de um novo lar, além de significar a perda de tudo aquilo que a família levou anos para conquistar.
Entre os principais questionamentos das famílias ainda presentes ali está a disparidade de propostas feitas pelo Governo do Estado, já que para algumas casas, as propostas alcançaram cifras maiores, enquanto as delas, as quais julgam ter valor maior do que as já negociadas, recebem quantias inferiores.
“Oferecem R$ 50 mil nessa casa e R$ 50 mil em uma casa que tem aí nos fundos que era a oficina do meu marido. Só um dinheiro desse não dá para comprar uma casa em lugar nenhum. Enquanto outros, casebresinhos botaram R$ 130, R$ 120 mil. Não sei porquê essa desvalorização”, pontua.
Em caso parecido, Tereza Nogueira, 74, é mais uma a questionar os valores ofertados. Além do baixo preço, a idosa ressalta o desgaste que têm sido as idas até as negociações com a Secretaria, que pouco têm rendido para os moradores.
“Lá é uma humilhação. É um jogando para outro. Cada vez que a gente vai lá é uma pessoa que atende. Propuseram R$ 45 mil [para a casa dela], na terceira vez que fui botaram R$ 95 mil. Onde eu vou encontrar uma casa nesse preço?”, conta a moradora do bairro há 43 anos.
Por fim, o último relato ouvido pelo O POVO foi o de Aparecida Oliveira, 47, que mora na rua José Messias há 20 anos. A proposta para a casa dela foi a maior dentre as quatro, entretanto, ainda apontada como insuficiente para conseguir um novo lar.
Assim como Norma, Aparecida e o esposo reformaram toda a casa onde vivem hoje, e consideram muito mais difícil refazer todo o esforço que tiveram para construir uma segunda moradia. A família afirma nem ter começado a procurar uma nova casa, já que o valor que teriam à disposição seria insuficiente para qualquer imóvel que encontrassem
“Não procuramos outra casa porque ninguém sabe quanto que eles vão dar, né? Fica naquela de o dinheiro não dar para comprar uma casa e a gente sem saber”, acrescenta.
Procurada pelo O POVO, a SCidades ressaltou que as casas da Travessa Lagoinha estão construídas dentro da área de preservação do rio Cocó, que deveria ser destinada para transbordamento dos rios durantes cheias. Em outras palavras, essas casas teriam sido construídas de forma irregular, em pontos que naturalmente seriam alvo de cheias e hoje, devido a presença de habitantes, representam risco para a população.
Ainda de acordo com a Secretaria, a existência de moradores nas margens do Cocó também tem prejudicado o rio em si, já que os dejetos produzidos pelas famílias são depositados diretamente no corpo d’água.
Dividido em três trechos, o projeto é dividido em dois objetivos gerais, sendo o primeiro deles recuperação sócio ambiental do rio, através de limpeza, desassoreamento e outras medidas. O segundo, conforme informações do Governo do Estado, se volta à melhoria de habitação das pessoas que vivem em torno dele, através das propostas de desapropriação indenizada.
Quanto aos valores apresentados, a coordenadora de Revitalização de Áreas Degradadas e Drenagem da Região Metropolitana de Fortaleza (Corev), Lana Aguiar, pontua que as quantias são estabelecidas por questões técnicas, avaliadas pelas empresas de engenharia contratadas.
Segundo Aguiar, os documentos até podem ser reavaliados para a inclusão de um ou outro equipamento que as famílias apontem como parte do imóvel, mas que para isso, essa estrutura deverá passar por crivo técnico e só então ser acrescentada ou não na base de valoração.
“A gente faz de tudo para melhorar os laudos. Se uma família tem uma árvores que não foi contada no laudo, esse laudo é revisto para botar o dinheiro correspondente. A gente quer fazer o máximo possível para ampliar o valor dos laudos, mas esbarramos em critérios técnicos”, pontua a coordenadora da Corev.
Por fim, a gestora lembra os 278 acordos já firmados com famílias do trecho III da revitalização do rio Cocó, e afirma que se os critérios já foram adotados para estes, não podem ser mudados para benefício de outros habitantes. Aguiar também ressaltou que nos casos das casas em que os donos atuam como posseiros, ou seja, não detenhem a documentação do terreno, 60% do valor do terreno é considerado para a proposta final pela casa.
Questionada sobre o que será feito caso as negociações não avancem para aceitação por parte das famílias ou propostas indenizatórias maiores por parte do Estado, a pasta afirmou que os as ações deverão ser judicializadas para que se chegue a uma decisão final.
Retorno da Secretaria das Cidades
A SCidades informa que as casas da Travessa Lagoinha estão construídas dentro da área de preservação do rio Cocó, que deveria ser destinada para transbordamento dos rios durantes cheias, logo teriam sido construídas de forma irregular.
A pasta afirma que a existência de moradores nas margens do Cocó também tem prejudicado o rio em si, já que os dejetos produzidos são depositados diretamente no corpo d'água.
Dividido em três trechos, o projeto apresenta dois objetivos, sendo o primeiro a recuperação socioambiental do rio e o segundo voltado à melhoria de habitação das pessoas que vivem em torno dele.
Quanto aos valores, a coordenadora de Revitalização de Áreas Degradadas e Drenagem da Região Metropolitana de Fortaleza (Corev), Lana Aguiar, pontua que as quantias são estabelecidas por questões técnicas, avaliadas pelas empresas de engenharia contratadas.
Segundo Lana, os documentos podem ser reavaliados para a inclusão de equipamentos que as famílias apontem como parte do imóvel, mas a estrutura deverá passar por crivo técnico e só então ser acrescentada ou não na base de valoração.
Ela lembra os 278 acordos já firmados e afirma que os critérios não podem ser mudados. Lana também ressalta que nos casos das casas em que os donos atuam como posseiros, ou seja, não detêm a documentação do terreno, 60% do valor do terreno é considerado para a proposta final pela casa.
Decisão
Caso as negociações não avancem para aceitação por parte das famílias ou propostas indenizatórias maiores por parte do Estado, a pasta afirmou que as ações deverão ser judicializadas para que se chegue a uma decisão final