“Tinha que ser mulher”. A frase disparada cotidianamente à porteira Cláudia Moraes, 50, ecoa como uma lembrança das amarras sociais enfrentadas pelas 104,5 milhões de mulheres brasileiras.
Representando 51,5% dos habitantes, conforme o último censo, realizado em 2022, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população feminina prevalece em todos os estados pela primeira vez.
Entretanto, as mulheres ainda se encontram em desvantagem quando o assunto é estrutura econômica, participação em atividades produtivas e acesso a recursos.
De acordo com dados da 3ª edição do relatório “Estatísticas de Gênero - Indicadores sociais das mulheres no Brasil”, produzido pelo IBGE, o nível de ocupação de mulheres com (56,6%) ou sem crianças (66,2%) é inferior à mesma taxa registrada para homens com (89%) e sem filhos (82,8%).
Fora do mercado de trabalho, o contingente feminino ainda enfrenta uma longa jornada de trabalho doméstico não remunerado, aproximadamente 21,3 horas semanais, quase o dobro das com 11,7 horas de dedicação masculina às mesmas atividades. Com a dupla jornada, a carga horária total semanal de trabalho das mulheres atinge um valor médio de 54,4 horas, enquanto para homens o tempo é de 52,1 horas.
O empoderamento econômico cruza ainda uma outra fronteira social para àquelas que optaram por ocupar vagas em trabalhos tradicionalmente associados ao desempenho masculino: o preconceito.
Porteira há oito anos, Cláudia revela que a oportunidade surgiu do acaso, enquanto entregava currículos e fazia entrevistas. A reação da família foi imediata: “a minha mãe disse: ‘porteira? Não existe essa profissão. Eu já ouvi falar de porteiro, mas porteira?’. Pois é, mas hoje vai ter. Não tinha, mas hoje vai ter”.
Além da família, Cláudia compartilha situações que já precisou encarar por conta da profissão. Lidar com entregadores pode ser uma tarefa desgastante, em muitos casos.
“Às vezes, eu chego em casa chateada, porque geralmente tem muito entregador que quando vem, pede o código. Ele acha que nós já temos o código. Não, o código é do morador (...) Se eu demoro a entregar, é porque o morador demora a me responder. Às vezes tá ocupado, tá trabalhando, tá dirigindo. [Eles dizem] ‘Mas só podia ser mulher mesmo para embaçar o dia da gente’”, conta.
Apesar de tudo, as alegrias superam os obstáculos. Ao abrir a janela da portaria, Claudinha, como costuma ser chamada pelos moradores do edifício, faz questão de enfatizar o prazer e o cuidado que dedica às suas tarefas.
Atenta, acompanha os residentes via câmeras de vigilância até a entrada de suas casas, especialmente outras mulheres. “Muitas das vezes as moradores gostam, elas se sentem mais à vontade com uma mulher na portaria”, revela. Com as crianças, a guarda é redobrada: “eu sempre ligo: ‘o fulano tá autorizado a sair? (...) Eu moro em condomínio também e eu faço o que eu quero que façam no meu, né? Segurança”.
Rejeitando papéis de gênero que limitam mulheres à alcunha de ‘sexo frágil’, Cláudia expressa o desejo por respeito, para além das datas comemorativas.
“A gente sofre muito discriminação. ‘Mulher não sabe dirigir, mulher só serve para pilotar fogão’. Muitas vezes, a gente escuta essas frases ainda, né? Machistas. Do homem dizer que a mulher não pode fazer a profissão dele. Tem mulher fotógrafa também; tem mulher motorista, tem mulher é policial, tem mulher vigilante, tem mulher bombeira; e fazem o serviço, às vezes, até melhor do que o homem. A mulher tem que ser mais respeitada, mais amada”, declara.
“É como se fosse o dia do seu aniversário". Assim, a geógrafa e engenheira de alimentos Mazé Carvalho de Castro, 57, define o Dia da Mulher. A data, celebrada anualmente em 8 de março, chama a atenção para os desafios diários que as mulheres brasileiras enfrentam em um país marcado pela violência, intolerância e desigualdades sociais.
No Brasil, que há 17 anos consecutivos lidera o ranking de homicídios de pessoas trans, segundo o Dossiê de Assassinatos de 2025 da Rede Trans Brasil, ser mulher trans é, antes de tudo, uma luta constante por sobrevivência e respeito.
Sobre o Dia das Mulheres, Mazé ecoa silêncios, questionamentos nem sempre verbalizados, mas que saltam às vistas: "Olhares desviando, isso sempre tem. Aí, dizem assim: 'Será que ela é mulher mesmo? Ela merece esse dia, essa homenagem?'".
Natural de Fortaleza e paraipabense de coração, aos 21 anos, ainda sob o assombro do regime ditatorial que assolou o País, Mazé iniciou seu processo de transição de gênero. “Foi então que percebi que, quer queira ou não, a gente acaba levantando uma bandeira”, reflete, destacando o impacto de sua decisão em um contexto tão desafiador.
Do preconceito à falta de oportunidades, são poucas aquelas que conseguem romper as barreiras de ocupações estigmatizadas, dentre elas a prostituição. “Para mim, digo que foi muito mais fácil, porque eu enveredei para o lado da educação. E a educação realmente abriu portas para mim”, garante.
Atualmente à frente da direção de uma escola no município de Paraipaba, localizado a 92,71 km da capital cearense, a educadora destaca a importância dos estudos em sua trajetória, ressaltando como eles moldaram seu passado, influenciam seu presente e continuam a projetar seu futuro.
“Eu sou filha da educação pública (...) Na minha época, lá em 87, eu consegui, com todos os percalços, chegar onde eu cheguei. Imagine com a qualidade da educação que se encontra hoje em dia, né? Então, o que é que a gente precisa fazer? Precisa fazer uma educação inclusiva, uma educação que envolva a tecnologia da informação e da comunicação, com metodologias ativas, mas que também que a gente olhe muito para o ser humano”, destaca.
Apesar dos inúmeros desafios enfrentados, a educadora ressalta que a convivência com as novas gerações tem sido uma experiência diferente e, de certa forma, mais acolhedora. Ela observa que os jovens, especialmente no contexto escolar, demonstram uma visão mais inclusiva, priorizando o papel do educador e valorizando a qualidade do ensino como o aspecto mais importante de sua atuação profissional.
“Não é importante para ele que eu seja uma mulher trans. É importante para ele que eu seja uma boa professora, que eu tenha uma aula dinâmica, que eu saiba utilizar as ferramentas pedagógicas. Então, tudo isso fica à parte, fica irrelevante, né? Quando você realmente tem uma boa educação, aí você tá no caminho certo”, destaca.
Ocupar posições de destaque e assumir cargos de maior hierarquia continua sendo um desafio para as mulheres no Brasil, mesmo com um maior grau de instrução.
De acordo com relatório do IBGE, em 2022, entre a população com 25 anos ou mais de idade, 35,5% dos homens não tinham instrução ou possuíam apenas o fundamental incompleto, proporção que era de 32,7% entre as mulheres. O percentual de pessoas com nível superior completo também foi maior entre as mulheres, com 21,3%, contra 16,8% entre os homens.
Nesse contexto, ser atravessada por essa realidade em suas vivências enquanto mulher trans, torna essa conquista ainda mais significativa. Ao longo de sua trajetória, Mazé reconhece que foi a educação que a conduziu ao caminho que a levou à posição que ocupa hoje.
“Eu sou a pessoa que eu sou hoje em dia, graças a ter pegado o rumo certo, o rumo da educação. Isso ficou muito nítido para mim aos meus 19, 20 anos, que se não fosse por esse rumo, eu não estaria onde eu estou hoje. Uma mulher sentada em uma cadeira de uma direção de uma escola (...) Foi a educação que me deu esse espaço. A educação é libertadora”, destaca.
Assim como a escolha de seguir carreira acadêmica, os rumos da vida de Clemilda dos Santos Sousa, 50, foram ditados pelo acaso. Bibliotecária de formação e membro da Federação Nacional de Bibliotecários (Febab), a pesquisadora e técnica administrativa em educação (TAE) foi diagnosticada com paralisia infantil aos quatro anos.
A doença chegou sem aviso prévio, ditadora e violenta, como ela confessa em seu texto assinado no livro Diálogos sobre Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência.
“De repente, e não mais que de repente, meu corpo já não me pertencia, tornara-se uma prisão sem muros, da qual eu, “oculta e nua”, tentava gritar e libertar-me das fortes muralhas que me impediam de brincar na rua, como costumeiramente fazia com outras crianças”, acrescenta.
Foi então que a nova realidade se refletiu em seu espelho, relegando outros recortes sociais a segundo plano: “A deficiência rouba a cena”, avalia. Clemilda ressalta que muitas vezes, a condição se sobrepõe à identidade individual, tornando invisíveis outras dimensões da pessoa, como gênero, estilo e desejos. “Quando a deficiência chega primeiro e depois a pessoa, se é que a pessoa chega em algum momento, é visto só a deficiência. Então, se eu sou mulher, ninguém percebe”, pontua.
A vivência de Clemilda reflete a realidade de milhares de brasileiras. No País, 17,2 milhões de pessoas a partir dos 2 anos têm algum tipo de deficiência física, visual, mental e/ou auditiva. A maioria são mulheres, 9,9% da população feminina; enquanto entre os homens essa taxa representa 6,9%. A incidência também é maior entre pessoas pretas ou pardas (8,7%) do que entre brancas (8,0%), conforme dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgados em 2019.
Enquanto produtora de conhecimento, Clemilda observa que a exclusão das mulheres na ciência se revela nos não-ditos, nos silêncios, onde sua presença e contribuições são frequentemente invisibilizadas. “Agora, se eu for falar da mulher, pesquisadora com deficiência, aí você maximize tudo”, ressalta.
Para a bibliotecária, a experiência das mulheres com deficiência na pesquisa é marcada por desafios específicos, vividos em um ambiente predominantemente masculino e frequentemente intimidador. Ao ocupar esses espaços, elas simbolizam não apenas resistência, mas também a capacidade de inovação intrínseca à prática científica. Ao expandir perspectivas limitadas, elas rompem narrativas heroicas ou limitantes, demonstrando, na prática, que são, acima de tudo, pessoas com eficiência.
“É como se a nossa forma, a forma das mulheres perceber a realidade e com ela dialogar, fosse de menos valia. E se ela tem uma deficiência, ela nem chega. E se ela chega, ela não é nem muitas vezes acolhida por aquelas que estão trabalhando pela democracia na ciência. Eu sonho que no futuro a gente possa ter mais mulheres com deficiência falando sobre suas experiências na ciência. Às meninas com deficiência: se animem meninas. Vamos pensar o mundo de uma forma diferente, vamos pensar o mundo de uma forma acessível. O mundo científico que está aqui. Venham”, convida.
O segredo da longevidade? Remelexo e bom humor. Ou, pelo menos, essa é a cartada nem tão secreta assim utilizada por Ruth Simões Ferreira, 80.
No auge da oitava década de vida, a professora de educação física esbanja sorrisos e disposição ao conduzir o ritmo das aulas de dança junto aos seus alunos, grupos de idosos que definitivamente fazem jus ao nome que carrega o projeto social: FelizIdade.
“Você tem de caminhar, nem que seja no quintal da casa, lá em dentro de casa; e fazer alguma coisa que levante o seu astral, que lhe dê mais felicidade, mais harmonia. Se for dançar, é muito bom dançar, porque mexe o corpo todo e a gente deve fazer isso para melhorar a nossa qualidade de vida, porque ninguém pode ficar parado não. Se parar é pior”, revela.
A vaidade persevera como uma amiga de longa data. Nos lábios, o sorriso que nunca sai do rosto é estampado em vermelho, retocado com esmero pela maquiagem que carrega na bolsa. Há quem diga que azul é a cor mais quente, mas é o rubro, cor da paixão, que lhe aquece e colore as unhas, soando quase como um lembrete de seu amor pela vida.
Sem tempo ruim, dona Ruth conta com orgulho que, há 40 anos, dedica seus dias às aulas com seus alunos nos bairros Messejana e Castelão, em Fortaleza. “Eu faço até boquinha da garrafa com elas”, confessa aos risos. “Eu queria que todo mundo viesse aqui fazer aula”, convida.
Formanda na segunda turma do curso de Educação Física da Universidade de Fortaleza (Unifor), ainda na década de 1970, o vigor é, sem dúvidas, um dos maiores aliados de Ruth Simões. Vitalidade, aliás, de causar inveja em muitos jovens. Em um País com uma população cada vez mais feminina e idosa, seriam os 80 anos os novos 30?
Dos desafios da idade, o respeito continua sendo o maior desejo. Sem deixar de lado o entusiasmo, ela confessa que a acessibilidade em equipamentos públicos ainda poderia ser mais inclusiva ao público mais velho.
“Quando entrasse um idoso no ônibus, procurasse dar o lugarzinho, porque não é porque é idoso que não pode ir aí em pé; pode, mas é melhor ir sentadinho, né? Que fica mais seguro. Mas, em pé, a gente segura também, dá um jeito de segurar e vai em frente”, pontua
Para dona Ruth, ser mulher, independente da idade, exige coragem. Qualidade que, certamente, tem de sobra. Das alegrias e lutas da vida, a maternidade é que mais lhe emociona. Mãe de um casal de filhos, descendentes que construíram suas próprias famílias, hoje a maternidade se duplica como avó.
“Ser mulher? É ter muita responsabilidade. Porque só a gente ser mulher e ter filho, só a gente mesmo quem sabe. E eu acho muito bom, é muito importante e as pessoas respeitam a gente e quem não respeita deve respeitar a mulher, porque a mulher é mãe. O nome tá dizendo, todo, quase toda mulher é mãe, né? E mãe merece todo amor, todo carinho, todo respeito”.
Rumando aos 81 anos, a dança é também uma forma de expressar sua feminilidade, ela garante. Daqui pra frente, a certeza é uma só: “Não vou deixar de dar aula até o dia que Deus quiser”.
"Não tinha, mas hoje vai ter"
Porteira há oito anos, Cláudia Moraes conta que a oportunidade surgiu do acaso, enquanto entregava currículos e fazia entrevistas. A reação da família foi imediata: "a minha mãe disse: 'porteira? Não existe essa profissão. Eu já ouvi falar de porteiro, mas porteira?'. Pois é, não tinha, mas hoje vai ter".
Além da família, ela compartilha situações que já precisou encarar por conta da profissão. Lidar com entregadores pode ser uma tarefa desgastante, em muitos casos: "Às vezes, eu chego em casa chateada, porque geralmente tem muito entregador que quando vem, pede o código. Ele acha que nós já temos o código. Não, o código é do morador (...) Se eu demoro a entregar, é porque o morador demora a me responder. Às vezes tá ocupado, tá trabalhando, tá dirigindo. [Eles dizem] 'Mas só podia ser mulher mesmo para embaçar o dia da gente'".
Apesar de tudo, as alegrias superam os obstáculos. Ao abrir a janela da portaria, Claudinha, como costuma ser chamada pelos moradores do edifício, faz questão de enfatizar o prazer e o cuidado que dedica às suas tarefas.
Atenta, acompanha os residentes via câmeras de vigilância até a entrada de suas casas, especialmente outras mulheres. "Muitas das vezes as moradores gostam, elas se sentem mais à vontade com uma mulher na portaria", revela. Com as crianças, a guarda é redobrada: "eu sempre ligo: 'o fulano tá autorizado a sair? (...) Eu moro em condomínio também e eu faço o que eu quero que façam no meu, né? Segurança".
Rejeitando papéis de gênero que limitam mulheres à alcunha de 'sexo frágil', Cláudia expressa o desejo por respeito, para além das datas comemorativas: "A gente sofre muito discriminação. Às vezes, fazemos até melhor do que o homem. A mulher tem que ser mais respeitada, mais amada".
Mulher com eficiência: a busca pelo reconhecimento científico
Assim como a escolha de seguir carreira acadêmica, os rumos da vida de Clemilda dos Santos Sousa, 50, foram ditados pelo acaso. Bibliotecária de formação e membro da Federação Nacional de Bibliotecários (Febab), a pesquisadora e técnica administrativa em educação (TAE) foi diagnosticada com paralisia infantil aos quatro anos.
A doença chegou sem aviso prévio, ditadora e violenta, como ela confessa em seu texto assinado no livro Diálogos sobre Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência: "De repente, e não mais que de repente, meu corpo já não me pertencia, tornara-se uma prisão sem muros, da qual eu, 'oculta e nua', tentava gritar e libertar-me das fortes muralhas que me impediam de brincar na rua, como costumeiramente fazia com outras crianças".
Foi então que a nova realidade se refletiu em seu espelho, relegando outros recortes sociais a segundo plano: "A deficiência rouba a cena", avalia. Clemilda ressalta que muitas vezes, a condição se sobrepõe à identidade individual, tornando invisíveis outras dimensões da pessoa, como gênero, estilo e desejos. "Quando a deficiência chega primeiro e depois a pessoa, se é que a pessoa chega em algum momento, é visto só a deficiência. Então, se eu sou mulher, ninguém percebe", pontua.
A vivência de Clemilda reflete a realidade de milhares de brasileiras. No País, 17,2 milhões de pessoas a partir dos 2 anos têm algum tipo de deficiência física, visual, mental e/ou auditiva. A maioria é mulher, 9,9% da população feminina; enquanto entre os homens essa taxa representa 6,9%. A incidência também é maior entre pessoas pretas ou pardas (8,7%) do que entre brancas (8,0%), conforme dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgados em 2019.
Enquanto produtora de conhecimento, Clemilda observa que a exclusão das mulheres na ciência se revela nos não-ditos, nos silêncios, onde sua presença e contribuições são frequentemente invisibilizadas. "Agora, se eu for falar da mulher, pesquisadora com deficiência, aí você maximize tudo", ressalta.
Para a bibliotecária, a experiência das mulheres com deficiência na pesquisa é marcada por desafios específicos, vividos em um ambiente predominantemente masculino e frequentemente intimidador. Ao ocupar esses espaços, elas simbolizam não apenas resistência, mas também a capacidade de inovação intrínseca à prática científica. Ao expandir perspectivas limitadas, elas rompem narrativas heroicas ou limitantes, demonstrando, na prática, que são, acima de tudo, pessoas com eficiência.
"É como se a nossa forma, a forma das mulheres perceber a realidade e com ela dialogar, fosse de menos valia. E se ela tem uma deficiência, ela nem chega. E se ela chega, ela não é nem muitas vezes acolhida por aquelas que estão trabalhando pela democracia na ciência. Eu sonho que no futuro a gente possa ter mais mulheres com deficiência falando sobre suas experiências na ciência. Às meninas com deficiência: se animem meninas. Vamos pensar o mundo de uma forma diferente, vamos pensar o mundo de uma forma acessível. O mundo científico que está aqui. Venham", convida.
80 são os novos 30
O segredo da longevidade? Remelexo e bom humor. Ou, pelo menos, essa é a cartada nem tão secreta utilizada por Ruth Simões Ferreira, 80.
A professora de Educação Física esbanja sorrisos e disposição ao conduzir o ritmo das aulas de dança junto aos seus alunos, grupos de idosos que definitivamente fazem jus ao nome que carrega o projeto social: FelizIdade.
"Você tem de caminhar, nem que seja em casa; fazer algo que levante o astral. É muito bom dançar, porque mexe o corpo todo. Se parar é pior", indica.
A vaidade persevera como uma amiga de longa data. Nos lábios, o sorriso que nunca sai do rosto é estampado em vermelho, retocado com esmero pela maquiagem que carrega na bolsa. Há quem diga que azul é a cor mais quente, mas é o rubro, cor da paixão, que lhe aquece e colore as unhas, soando quase como um lembrete de seu amor pela vida.
Sem tempo ruim, Ruth conta com orgulho que, há 40 anos, dedica seus dias às aulas com seus alunos nos bairros Messejana e Castelão, em Fortaleza. "Eu faço até boquinha da garrafa com elas", diz aos risos.
Formanda na segunda turma do curso de Educação Física da Universidade de Fortaleza (Unifor), ainda na década de 1970, o vigor é, sem dúvidas, um dos maiores aliados de Ruth. Vitalidade, aliás, de causar inveja em muitos jovens. Em um País com uma população cada vez mais feminina e idosa, seriam os 80 anos os novos 30?
Dos desafios da idade, o respeito é o maior desejo. Sem deixar de lado o entusiasmo, ela afirma que a acessibilidade em equipamentos públicos ainda poderia ser mais inclusiva ao público mais velho.
Para Ruth, ser mulher, independentemente da idade, exige coragem. Qualidade que, certamente, tem de sobra. Rumando aos 81 anos, ela garante: "Não vou deixar de dar aula até o dia que Deus quiser".
Vivências que transformam
"É como se fosse o dia do seu aniversário". Assim, a geógrafa e engenheira de alimentos Mazé Carvalho de Castro, 57, define o Dia da Mulher. A data chama a atenção para os desafios que as mulheres brasileiras enfrentam em um País marcado pela violência, intolerância e desigualdades sociais.
No Brasil, que há 17 anos consecutivos lidera o ranking de homicídios de pessoas trans, segundo o Dossiê de Assassinatos de 2025 da Rede Trans Brasil, ser mulher trans é, antes de tudo, uma luta constante por sobrevivência e respeito.
Sobre a data, Mazé ecoa silêncios, questionamentos nem sempre verbalizados, mas que saltam às vistas: "Olhares desviando, isso sempre tem. Aí, dizem assim: 'Será que ela é mulher mesmo? Ela merece esse dia, essa homenagem?'".
Natural de Fortaleza e paraipabense de coração, aos 21 anos, ainda sob o assombro do regime ditatorial que assolou o País, Mazé iniciou seu processo de transição. "Foi então que percebi que, quer queira ou não, a gente acaba levantando uma bandeira", reflete, destacando o impacto de sua decisão em um contexto tão desafiador.
Do preconceito à falta de oportunidades, são poucas aquelas que conseguem romper as barreiras de ocupações estigmatizadas, dentre elas a prostituição. "Para mim, digo que foi muito mais fácil, porque eu enveredei para o lado da educação. E a educação realmente abriu portas para mim", garante.
Atualmente à frente da direção de uma escola no município de Paraipaba, a 92,71 km de Fortaleza, a educadora destaca a importância dos estudos em sua trajetória, ressaltando como eles moldaram seu passado, influenciam seu presente e continuam a projetar seu futuro: "Sou filha da educação pública (...) Na minha época, lá em 1987, eu consegui, com todos os percalços, chegar onde eu cheguei. Imagine com a qualidade da educação que se encontra hoje em dia, né? Então, o que é que a gente precisa fazer? Precisa fazer uma educação inclusiva, uma educação que envolva a tecnologia da informação e da comunicação, com metodologias ativas, mas que também que a gente olhe muito para o ser humano".
Ocupar posições de destaque e assumir cargos de maior hierarquia continua sendo um desafio para as mulheres no Brasil, mesmo com um maior grau de instrução.
De acordo com relatório do IBGE, em 2022, entre a população com 25 anos ou mais de idade, 35,5% dos homens não tinham instrução ou possuíam apenas o fundamental incompleto, proporção que era de 32,7% entre as mulheres. O percentual de pessoas com nível superior completo também foi maior entre as mulheres, com 21,3%, contra 16,8% entre os homens.
Nesse contexto, ser atravessada por essa realidade em suas vivências enquanto mulher trans, torna essa conquista ainda mais significativa. Ao longo de sua trajetória, Mazé reconhece que foi a educação que a conduziu ao caminho que a levou à posição que ocupa.
"Eu sou a pessoa que eu sou hoje em dia, graças a ter pegado o rumo certo, o rumo da educação. Isso ficou muito nítido para mim aos meus 19, 20 anos, que se não fosse por esse rumo, eu não estaria onde eu estou hoje. Uma mulher sentada em uma cadeira de uma direção de uma escola (...) Foi a educação que me deu esse espaço. A educação é libertadora", destaca.