A Secretaria da Proteção Social do Estado do Ceará (SPS) deve expandir para 54 o número de municípios cearenses contemplados pelo programa ACT Ceará – Educar crianças em ambientes seguros, até o fim do ano. Para ampliar a oferta das ações, 36 novos profissionais formados foram certificados para atuarem na iniciativa, na manhã desta terça-feira, 8, em Fortaleza.
A expectativa é que a metodologia do programa parental de prevenção universal à violência contra a criança seja adotada em todas as cidades do Ceará até o final de 2026, de acordo com a coordenadora do Mais Infância Ceará e facilitadora do ACT no Estado, Dagmar Soares.
“A gente tenta fazer essa mudança de chave, porque infelizmente a violência com a qual as crianças foram criadas eu digo que é intergeracional. A mãe sofre violência e acha que aquilo é uma forma de educar e aí continua. Então, a gente trabalha esses modelos parentais e depois a gente trabalha com as medidas positivas do controle parental”, explica.
Segundo a coordenadora, a iniciativa surgiu após resultados de uma pesquisa, realizada em 2019,quando foi possível identificar que cerca de 84% das famílias entrevistadas usavam práticas punitivas contra as crianças, incluindo gritos, palmadas e castigos.
A partir do diagnóstico, desenvolveu-se um planejamento estratégico em parceria com as fundações Maria Cecilia Souto Vidigal, Bernard van Leer e Porticus, com o objetivo de promover a parentalidade positiva e a prevenção da violência familiar contra crianças.
Ao todo, os familiares participam de nove encontros semanais durante o programa, cada um com duração média de duas horas. As formações ocorrem em equipamentos de atendimento às famílias e nas unidades de acolhimento institucional e social do Governo do Estado do Ceará, com apoio dos facilitadores.
“A gente fica muito feliz quando vamos ouvir as famílias e escuta: ‘olha, a minha vizinha perguntou se estava acontecendo alguma coisa, porque minha casa tinha muito grito e hoje não tem mais; meus filhos estão mais educados’. Então a gente vê o impacto”, ressalta.
O ACT é um programa parental de prevenção universal à violência contra a criança, sendo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das metodologias mais eficazes para reduzir os riscos de violência contra crianças.
O programa busca o fortalecimento da parentalidade no enfrentamento de contextos de risco para as crianças cearenses, desenvolvendo vínculos familiares e diminuindo a distância afetiva entre pais e filhos.
Durante os encontros com os familiares, os facilitadores abordam temas como desenvolvimento infantil, a diferença entre disciplina e punição, a importância do afeto nos vínculos familiares e os efeitos negativos da violência na vida das crianças.
A iniciativa atende famílias inseridas nos programas Mais Infância Ceará e de Proteção e Atenção Integral à Família (Paif), contempladas com o cartão Mais Infância e que tenham crianças de até seis anos de idade.
Além de Fortaleza, outros 23 municípios já são atendidos pela iniciativa no Estado, sendo eles: Acaraú, Aquiraz, Ararendá, Barbalha, Camocim, Chaval, Crateús, Crato, Eusébio, Fortaleza, Granja, Irauçuba, Itatira, Jaguaruana, Juazeiro do Norte, Mauriti, Paramoti, Quixadá, Salitre, São Gonçalo do Amarante, Sobral, Tianguá, Trairi, Viçosa do Ceará.
A psicóloga social do Complexo Mais Infância do Curió, Sarah Araújo, destaca que durante as formações, os familiares passam a entender o fluxo de seus comportamentos diante das crianças. Para ela, o comportamento das crianças, muitas vezes, é um reflexo das ações praticadas pelos pais.
“A gente trabalha também a questão da parentalidade dentro do ACT, falando do que os pais já viveram, porque às vezes eles só estão reproduzindo aquilo ali. Então, traz muito impacto para eles verem que eles são a quebra dos ciclos. Tem muitos relatos lindos, maravilhosos, de mães começando a entender o comportamento de crianças”.
A vice-governadora e secretária titular da SPS, Jade Romero, destacou o pioneirismo do Ceará em relação às políticas voltadas à primeira infância, especialmente no combate a violência contra a criança.
“Nosso grande objetivo aqui na SPS é trazer esse olhar sensível para que mais famílias possam se fortalecer; para que mais crianças cresçam em ambientes saudáveis, para que daqui a alguns anos a gente possa olhar para trás, para esse dia de hoje, e dizer: ‘nós fizemos, tomamos a decisão correta'”, declarou.
Durante o evento, também foi realizada a Assinatura do Termo de Cooperação Técnica do Projeto Primeira Infância Antirracista (PIA). Zelma Madeira, secretária da Igualdade Racial do Ceará, destacou a importância de ampliar o debate e ter um programa para a primeira infância comprometido com a igualdade racial.
“As infâncias são plurais. Eu não posso falar de infância no singular. Eu preciso falar da pluralidade étnica. Eu tenho as infâncias de crianças negras, eu tenho infâncias dos povos e comunidades tradicionais, eu tenho as infâncias quilombolas, eu tenho as infâncias do povo de terreiro, eu tenho as infâncias ciganas. Então, nós temos uma sociedade marcada por muita vulnerabilidade, violência e racismo. Isso certamente impacta as famílias, a parentalidade”, afirma.
A secretária ressalta que os diagnósticos das vulnerabilidades e das discriminações ainda se concentram nos grupos racializados de forma subalterna. “É importante que a gente pense nas ações de, por exemplo, metodologia de trabalho com famílias e territórios. Então, tem que saber que família é essa, quais as vulnerabilidades que perpassam uma família que vai ter sua criança já impactada naquele momento que era de acolhimento, de fortalecimento de vínculo, e tá se deparando com o preconceito”, avalia.
De acordo com Zelma Madeira, 34 municípios cearenses já foram mapeados e estão recebendo oficinas sobre os impactos do racismo na infância e da importância de ações antirracistas.
“Primeiro a gente tem que saber diagnosticar quais os motivos que essas famílias não conseguem cumprir suas funções de socialização, a questão de manutenção econômica, que precisa de transferência de renda, que precisa estar nos programas e aí também o fortalecimento étnico. Então, a gente já trabalhou nesses municípios, por regiões, fazendo as oficinas de PIA, dessa proposta de fazer uma infância antirracista”, detalha.