Entre todos os estados do Nordeste, o Ceará foi o que teve a maior alta de participação do mercado ilegal de cigarros no período de 2023 a 2024, indo de 47% para 60%. Ou seja, ano passado, a cada 100 cigarros vendidos na unidade federativa, 60 foram por vias ilegais. No ano anterior número era de 47.
Dados foram apontados em um levantamento divulgado nessa semana pelo Instituto Ipec, feito sob encomenda do Fórum Nacional contra a Pirataria e a ilegalidade (FNCP). Conforme balanço, a estimativa é que o comércio criminoso desse porte tenha movimentado R$ 614 milhões só em 2024 no Ceará.
Para se ter uma ideia, o levantamento aponta que 2,4 bilhões de cigarros contrabandeados foram comercializados no Estado em 2024. Número que em 2023 foi de 1,3 bilhão.
Edson Vismona, presidente do FNCP, explica que pesquisadores ouviram pessoas que fumam e averiguaram a procedência dos cigarros comprados por elas, atestando a ilegalidade da maioria.
Conforme representante, criminosos têm utilizado o caminho marítimo para entrar com materiais do tipo no Brasil, por ser um trajeto mais livre de fiscalização. A rota que tem impulsionado crimes desse porte é a do Suriname, que funciona assim: cigarros saem do Paraguai, passam pela Bolívia e o Chile, onde iniciam o transporte marítimo pelo Porto de Iquique. Depois, dão a volta no Canal do Panamá até chegarem ao Suriname, de onde alcançam as cidades do Norte e Nordeste brasileiro.
Sobre o Ceará ter a maior alta da região nordestina, Vismona aponta que isso pode ter se dado por fatores diversos. Entre eles a proximidade do Estado com a rota e a procura mais ampla dos consumidores.
Já Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC) e colunista O POVO, pontua que o acréscimo expressivo do mercado ilegal, de forma geral, pode ter relação com os tributos aplicados pelo Governo Federal em relação ao cigarro. Isso levando em consideração que em 2024 houve o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para esse tipo de mercadoria.
"O Governo Federal adota essas medidas com o intuito de arrecadar mais e de desestimular o uso do tabaco, o problema é que as pessoas acabam recorrendo a cigarros falsificados. Muitos deles procedem do Paraguai (...) E o governo perde porque ele deixa de arrecadar", destaca.
"Já faz algum tempo que o IPI não era reajustado, então essa questão financeira tributária pode ter algum tipo de impacto nesse aumento, que é bastante expressivo", completa o especialista.
Moura destaca também que esse comércio tem se tornado mais uma forma de obtenção de recursos para as organizações criminosas. "O cigarro ele entra como mais um item desse cardápio criminoso de serviços e bens fornecidos pelas organizações. E como ele é um produto de fácil consumo, de fácil manuseio, e é muito disseminado (...) Isso é um trunfo, uma atividade que se apresenta bastante lucrativa", destaca.
Ele pontua que, em razão disso, o combate a atividades do tipo apresenta "bastante desafios". O POVO solicitou à Polícia Federal (PF) dados sobre apreensões do porte e ações realizadas para combater crimes do tipo, mas até o fechamento desta matéria o órgão não havia dado retorno.
A última apreensão a se ter noticiada ocorreu na tarde desta sexta-feira, 11. De acordo com a Receita Federal, 700 kg de cigarros estrangeiros foram apreendidos durante uma operação de fiscalização em uma transportadora de Fortaleza, o equivalente a 10 mil maços de cigarros. Materiais foram transportados por meio terrestre de São Paulo com destino para a capital cearense e estavam declarados como revistas e periódicos.
O mercado ilegal tem impacto direto na receita tributária do Brasil, que deixa de arrecadar imposto. Conforme a pesquisa do Ipec, o contrabando no País já domina 32% do comércio de cigarro, e em 2024 chegou a causar um prejuízo de R$ 7,2 bilhões com evasão fiscal, crime que ocorre quando se utiliza de meios ilícitos para evitar ou reduzir o pagamento de tributos.
No Ceará, o estudo estima que a prática criminosa tenha causado em 2024 uma evasão fiscal em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de R$ 184 milhões.
Além do impacto na receita, a comercialização de cigarros do porte também aumenta os riscos a saúde de consumidores. De acordo com Edson Vismona, presidente do FNCP, cigarros ilegais não atendem aos critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
"O consumidor não sabe o que tá consumindo", pontua, dizendo que análises já mostraram que produtos do tipo têm um nível muito mais elevado de nicotina e alcatrão do que seria o permitido pela Anvisa.