Um total de 572 atendimentos foram realizados no primeiro ano de implementação do projeto "Pipa – Direitos para Crianças e Jovens com Neurodivergência". O programa é uma parceria entre o Instituto da Primeira Infância (Iprede)e a Defensoria Pública do Estado do Ceará para assegurar o bem-estar de, atualmente, 4 mil atípicos.
O dado que se sobressai é acerca das demandas relacionadas à saúde por somarem 397 casos (ou 71,66%), enquanto os casos da vara familiar são 157 procuras (28,34%).
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Os atendimentos são realizados na sede do Iprede, na rua Professor Carlos Lobo, número 15, no bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza, para abranger as áreas de saúde e família, oferecendo um atendimento jurídico integral e gratuito, além de promover educação por meio de rodas de conversas temáticas sobre educação, saúde, transporte, moradia, violência de gênero etc.
Segundo o pediatra e presidente do Instituto, Francisco Sulivan Bastos Mota, a condição mais comum no local é o espectro autista. "Nós temos 2.600 crianças com deficiência, dessas 2.000 são autistas", afirma o médico.
Sulivan destaca que no início da carreira o termo "neurodivergente" não existia no vocabulário popular. Sendo assim, as pessoas eram lidas como deficientes mentais e com distúrbio, mesmo carecendo de pesquisas a respeito do autismo, como uma inflamação cerebral.
De acordo com Yamara Lavor, defensora pública do Iprede, o maior aprendizado no primeiro ano é poder efetivar direitos de crianças e adolescentes atípicas para garantir que sejam cumpridos as autorizações.
Conforme a defensora pública geral do Estado do Ceará, Sâmia Farias, o desafio a ser enfrentado como a menor instituição do sistema de justiça (366 defensores) é reinventar formas de sair dos gabinetes dos fóruns e chegar mais próximo à população.
"Essa parceria com o Iprede é um laço e uma união para que possamos proporcionar o atendimento jurídico. Não são só atendimentos, são rostos, vidas e pessoas”, define.
Sobre a escolha do nome do projeto, as defensoras respondem que foi adotado o termo que fosse lúdico. "A pipa tem a questão do voar, da liberdade e de realmente galgar novos voos e direitos", esclarecem.
Desta forma, informam que o interior do Ceará não é à parte da iniciativa, porque também integra o público-alvo por não necessariamente precisar residir na Capital para dispor dos recursos gratuitos. Para isto, é fundamental disponibilizar documentação pessoal e comprovante de endereço.
"Assim, nós ingressamos com ações quando necessário, mas o foco sempre é tentar resolver de forma célebre e mais efetiva possível, sem necessariamente judicializar", pondera Sâmia.
A profissional também relata que a dificuldade vai além da medicação se solicitada, pois muitas pessoas estão em filas de consultas e de exames. O problema é que os atendidos possuem a necessidade maior de suporte de psicólogo e terapeuta ocupacional.
Segundo a defensora, para resolver as questões diárias realiza-se um fluxo com a Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS) ou do município onde o requisitante habita para tentar solucionar. Em caso de negativa, é judicializado.
As demandas de saúde recebidas pelo Projeto Pipa são inicialmente encaminhadas ao Núcleo de Atendimento Inicial em Saúde (Nais), que integra o Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa). O Nais atua buscando a solução extrajudicial dos casos, por meio da via administrativa.
Na área do direito de família, o projeto também recebe e acompanha pedidos de ações de divórcio, guarda, alimentos, interdição ou curatela, cumprimento de sentença, dissolução de união estável, retificação de registro civil, entre outros.
A atuação integrada do Pipa permite que as famílias tenham acesso, em um único local, ao suporte necessário tanto para questões jurídicas quanto para encaminhamentos de saúde, sem a necessidade de deslocamento entre diferentes núcleos da Defensoria.
O projeto foi apresentado à Francisca Erineide, 48, dona de casa, por uma equipe do Instituto, após ela buscar ajuda jurídica devido à falta de acompanhamento médico e de assistência adequada para o filho, Pedro Gabriel, de 10 anos, diagnosticado com paralisia cerebral grave, tetraplegia e pré-diabétes.
A criança tem acompanhamento pediátrico pelo projeto e luta pelo direito de realizar uma densitometria óssea.
Erineide contou que o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem sido eficaz para fornecer exames e tratamentos rápidos para ele, incluindo dificuldades para obter fraldas específicas devido a alergias e problema com falta de vacinas. "É tão simples, é só burocracia. O nosso País tem condição de dar uma assistência técnica. O pessoal fala muito de cuidar da criança, mas a gente não tem um cuidado com o cuidador", desabafa.
Para lidar com a morosidade para conseguir um recurso na Justiça, ela integra o projeto "Vai Maria", também do Iprede, para capacitar mulheres em vulnerabilidade social a conseguir renda por meio da costura.