Logo O POVO+
Ter um cão-guia ainda é realidade distante para cegos no Ceará
CIDADES

Ter um cão-guia ainda é realidade distante para cegos no Ceará

|Dia Internacional| A última quarta-feira de abril é dedicada aos cães-guia, que proporcionam a pessoas cegas mais autonomia e liberdade de locomoção. Mas existem muitos desafios para conseguí-los
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
FLÁVIO Duarte e Estrela Rodrigues com seus cães-guia (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE FLÁVIO Duarte e Estrela Rodrigues com seus cães-guia

A definição de autonomia é “a capacidade de se governar por meios próprios”, e é exatamente este o sentimento de uma pessoa cega quando ela consegue um cão-guiaNo Brasil, existem apenas 207 cães guia em atividade, segundo dados da União Nacional de Usuários de Cães-Guia. No Ceará, existem apenas três.

Adquirir um cão-guia é uma jornada demorada, já que há todo um processo de encontrar um cão que se enquadre no perfil do candidato e o período de treinamento e adaptação. Demora aproximadamente dois anos.

"Os cães usados para este serviço não têm raça específica, entretanto, costuma-se utilizar raças com temperamento mais dócil e controlado de se trabalhar e facilidade de aprendizado", explica o médico veterinário Herlon Rodrigues.

LEIA TAMBÉM | Introdução do cão-guia no Ceará é motivo de esperança

A Lei Federal 11.126/2005 e a Lei Estadual 17.510/2021 garantem o direito de que pessoas com cão-guia possam trafegar por espaços públicos e privados com seus companheiros de quatro patas.

A jovem Rebecca Barroso, de 35 anos, Consultora em Acessibilidade Cultural e membro do Conselho de Leitores do O POVO, é uma das pessoas que estão à espera de um cão-guia que lhe proporcione mais independência e segurança.

Sua vontade de adquirir um cão-guia surgiu em 2009, quando ouviu pela televisão uma reportagem sobre Thays Martinez, a primeira advogada cega a conquistar, judicialmente, o direito de acesso ao metrô com o seu cão-guia, chamado Boris.

“Desde criança, sonhava com a possibilidade de ter um companheiro de quatro patas que me proporcionasse mais independência e segurança. De forma oficial, iniciei esse processo em 2019, quando passei a realizar cadastros e participar de processos seletivos em diversas instituições. Desde o dia que vi a reportagem, entendi que o cão-guia não era apenas um sonho, mas um direito e uma necessidade para minha autonomia”, relata Rebecca.

No Ceará não existem centros de treinamento para cães-guia, o que dificulta ainda mais a busca — já que boa parte dos institutos não fazem atendimento para todo o Brasil, apenas para locais próximos das sedes dos centros. Rebecca buscou auxílio de alguns destes institutos, até agora, sem sucesso.

“A maioria das instituições têm critérios geográficos muito restritivos ou operam com poucos cães disponíveis. Continuo mantendo minha esperança ativa, atualizando meus dados e me disponibilizando sempre que surgem novas possibilidades. A ausência de um centro especializado aqui no Ceará gera uma lacuna imensa em termos de acessibilidade e independência para pessoas cegas. Um centro aqui permitiria mais acesso, autonomia e até o acompanhamento mais próximo da formação dos cães”, disse.

Quando perguntada sobre como sua vida mudaria com um cão-guia, sua resposta é simples: “O cão-guia ampliaria imensamente minha independência”. Ela conta que a bengala é uma ferramenta valiosa, mas tem limitações por não detectar obstáculos suspensos, além de exigir uma atenção extrema.

“Com o cão, os deslocamentos seriam mais fluídos, seguros e emocionalmente mais tranquilos, especialmente considerando minha condição de autista, que implica hipersensibilidade a estímulos. O cão-guia seria não apenas um auxílio físico, mas também um apoio emocional constante”, completa.

AUtonomia: a mudança na vida de quem tem um companheiro de quatro patas

O número de pessoas com cães-guia no Brasil ainda é pequeno, e no Ceará é menor ainda. Conforme O POVO apurou, existem apenas três cães guias em atividade no Estado, sendo: a Bella, o cão-guia da psicóloga Estrela Rodrigues; a Flor, cão-guia do psicanalista Flávio Duarte; e a Bailey, a cão guia do massoterapeuta Sancler Venturynne.

Bella está com Estrela desde abril de 2024. Após 14 anos de busca e algumas tentativas, ela conseguiu encontrar a sua companhia, com a ajuda do Instituto de Responsabilidade de Inclusão Social - Iris, pouco tempo depois do instituto começar suas entregas na região Nordeste. Em 2022, ela quase conseguiu o seu cão-guia, mas precisou recuar por conta de sua gravidez, que era de alto risco.

“Em 2023, o Iris abriu um novo edital com dois cães para entrega. Por incentivo da minha família, tentei mais uma vez e fui contemplada com a Bella. Fui até o Espírito Santo, onde fica o Centro de Treinamento do Iris e passei por todo o processo de adaptação com a Bella, além de ter sido bem orientada pela equipe”, conta.

Já o psicanalista Flávio Duarte, faz uso de cão-guia desde o ano de 2007. A cadela da raça labrador, chamada Flor, é a sua terceira companhia. Seu primeiro cão foi Eros, em 2007, que veio com uma doação de seus colegas de faculdade. Depois, em 2012, veio Eliot, que viveu até 2017, e por fim, Flor, sua amiga amarela de quatro patas.

“O uso do cão-guia me abriu muitas oportunidades. Me sinto mais confiante e seguro com a Flor. O cão não é um gps, ele te auxilia a chegar nos locais que você quer ir, e a obrigação do cão é desviar dos obstáculos e evitar que eu me machuque. A Flor chegou até mim após passar por vários testes e não daria para passar para uma pessoa que não tivesse experiência, e ficou comigo. Hoje, ela tem 8 anos e me ajuda não só no processo de guia, mas no processo de equilíbrio, autocontrole e outros sentimentos”, relatou.

O massoterapeuta Sancler Venturynne está com sua Bailey, uma golden retriever, desde 2019. Quando conseguiu a sua cadela, ele vivia nos Estados Unidos e soube por meio de um amigo que a escola Pilot dogs, em Ohio, estava recebendo inscrições de alunos brasileiros. Ele se inscreveu e conseguiu a sua nova amiga, com quem tem uma conexão que só quem tem um cão-guia entende.

“Eu sempre quis ter um cão guia. Primeiramente, porque sempre gostei muito de animais, principalmente de cachorro. Eu fiquei cego, aos 12 anos. Aos 15 obtive a informação de que teria cães que poderiam guiar pessoas cegas. Então, fiquei super encantado com a ideia de ter um cachorro, que é um animal que eu já gosto muito, e também com essa função de poder ser um companheiro para me guiar”, disse.

Os três definem a sua relação com os cães-guia como liberdade e oportunidade.

LEIA TAMBÉM | Voudpet: app cearense busca facilitar o transporte de animais de estimação

Dia do Cão-Guia: saiba quais institutos pelo Brasil realizam treinamentos

  • Instituto de Responsabilidade e Inclusão Social (Iris)
  • Instituto Adimax
  • Escola de Cães-Guia Hellen Keller
  • Instituto Carioca de Cão-Guia

O acesso ao cão-guia é gratuito, mas o processo de seleção exige critérios bem definidos. É necessário que o candidato tenha deficiência visual (cegueira ou baixa visão), boa orientação e mobilidade (capacidade de se locomover com independência), saúde adequada e condições de cuidar do cão. Isso garante que o animal seja utilizado como ajuda assistiva, e não apenas como companhia.

O que você achou desse conteúdo?