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Criança atingida por bala perdida durante réveillon em Fortaleza sobrevive em um novo recomeço
CIDADES

Criança atingida por bala perdida durante réveillon em Fortaleza sobrevive em um novo recomeço

Ana Lia Fernandes Nogueira, de 4 anos, foi alvejada por tiro às 00h01min do dia 1º de janeiro durante festa de réveillon em um condomínio residencial no bairro Presidente Kennedy e passou por cinco cirurgias em 75 dias
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Ana Lia, 4, filha de Fagner e Thaismara  (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Ana Lia, 4, filha de Fagner e Thaismara

00h01min do dia 1º de janeiro de 2025. Ana Lia Fernandes, de 4 anos, foi atingida por uma bala perdida no momento em que estava nos braços do pai, Fagner Nogueira, 29. O projétil cruzou com a cabeça da menina no momento da queima de fogos quando celebravam a chegada de um novo ano. 

O episódio aconteceu durante uma festa de Réveillon em um condomínio residencial, no bairro Presidente Kennedy, em Fortaleza. A suspeita do pai, motorista e baterista da banda contratada da festa, e da mãe, a vendedora Thaismara Nogueira, 25, era de que os fogos haviam atingido a criança.

No entanto, o impacto, a quantidade de sangue e a lesão reconfiguraram a cena: “Tá parecendo arma de fogo”, disse uma enfermeira no Frotinha Antônio Bezerra. Diante da gravidade, Lia foi transferida para o Instituto Doutor José Frota (IJF), referência a vítimas de traumas de alta complexidade.

Durante o trajeto, Fagner perguntou à médica que acompanhava a filha o que tinha acontecido de fato. “Infelizmente, foi arma de fogo e está alojada no cérebro”, disse. Mais um impacto junto à incerteza do que poderia vir acontecer com Lia. A única certeza era de que o caso era grave.

Ana Lia passou por três cirurgias em dois dias. A primeira foi realizada no dia 1º de janeiro, para remover o acúmulo de sangue na região da cabeça. No dia seguinte, ela foi submetida a mais duas cirurgias: a retirada da calota craniana e o implante temporário no abdômen.

O procedimento buscou prevenir uma possível morte cerebral, já que o inchaço do cérebro poderia causar pressão contra o osso do crânio. A criança ficou em coma induzido por seis dias.

Segundo Fagner, os médicos explicaram que o projétil se alojou em uma área sensível do cérebro, responsável pela fala, visão e pelos movimentos do lado esquerdo do corpo. Por estar cercado de vasos sanguíneos, a remoção traria riscos maiores do que deixá-lo no local.

“Em nenhum momento a preocupação foi o projétil em si. O temor era o que ele poderia ter atingido — que causasse uma hemorragia irreversível”, relata Fagner

“Papai.” Essa foi a primeira palavra dita por Lia ao acordar do coma, ainda com a voz fraca. Para testar sua memória, os pais fizeram uma pergunta simples, mas carregada de significado. “Filha, vamos pra casa assistir um filme, né? Qual filme, Lia?”, perguntou o pai. A resposta veio baixa, mas certeira: “Rambo”

O título deu esperanças para Fagner e Thaismara — era um dos preferidos da família. Naquele momento, renasceu a esperança de que a memória de Lia estava intacta e de que ela poderia escapar sem sequelas.

Foram 27 dias de internação no IJF após um tiro na cabeça. “Um caso em um milhão”, disse um dos médicos aos pais, que, no início, ouviam apenas diagnósticos duros: “É muito grave”. Foram dias marcados por angústia, mas também por solidariedade.

O apoio da família, da comunidade e de amigos foi essencial durante o difícil processo de recuperação da criança. “Nos primeiros dias, eu não conseguia ficar com ela. Não acreditava no que estava acontecendo”, relembra Thaismara, emocionada.

Lia recebeu alta sem parte da calota direita na cabeça. Segundo Fagner, existiam muitas dúvidas porque o projétil ainda estava alojado. Quando ele perguntou ao médico, ouviu que não havia certeza sobre o que poderia  acontecer. “Estudamos, temos experiência, mas não somos Deus. Não podemos afirmar o que não sabemos”, disse o profissional ao pai.

O retorno da família ao IJF aconteceu no dia 17 de fevereiro, para realizar avaliação para o procedimento cirúrgico de realocar a calota na cabeça.

Em março, Ana Lia precisou de duas novas cirurgias: retirada do osso da cabeça na barriga e realocá-lo novamente na cabeça. Para o casal, o novo ano começava, na verdade, ali, no dia 17 de março, data que marcou a última alta da filha no IJF. 

“Tá começando agora de verdade porque até essa última cirurgia a gente não sabia que ia fazer, como ia ser. Tava doendo bastante ainda. Eu digo que foi uma virada de chave para nossa vida toda em 2025. Hoje eu tenho a visão das pessoas de outra maneira, valorizando mais. A gente esquece do simples”, comenta Fagner.

Os pais conviviam com a incerteza do trauma, que ficou apesar da recuperação rápida da filha. Um deles é estar próximo da região onde o incidente aconteceu. “Sinto muito um peso. O trauma fica”, afirma o motorista.

No entanto, a expectativa é de vida nova, mesmo com a criança convivendo com o projétil alojado na cabeça. Com Ana Lia retornando à escola e o fortalecimento do elo familiar.

Perícia aponta que projétil atingiu criança após cair de um tiro para cima

A família ainda questiona “como” uma bala atingiu a filha dentro de um condomínio. Seis dias após o caso, a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) fez a reconstituição da cena do crime no local.

Ela foi atingida ao lado do palco onde uma banda contratada pelo residencial iria se apresentar após a queima de fogos, localizada entre a piscina e a quadra de esporte do local.

O pai de Ana Lia, baterista da banda, estava segurando a filha no colo quando o disparo atingiu sua cabeça. O último contato da família com as investigações ocorreu no final de março. Na ocasião, os agentes informaram que o caso estava em sigilo, que faltavam provas concretas e que não podiam revelar mais detalhes.

Segundo Fagner, a perícia apontou que a principal hipótese era de que o disparo teria sido feito para cima e, em seguida, o projétil teria caído. “Na época, o laudo da perícia ainda estava sendo finalizado. Como a perícia já havia me adiantado no mesmo dia, provavelmente foi isso, mas o caso ainda estava sendo investigado”, relatou.

O POVO entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) em busca de atualizações sobre a investigação, incluindo a origem do disparo e a possível identificação de um suspeito. A matéria será atualizada assim que o órgão responder.

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