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Ciência e Saúde

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No Brasil, as campanhas do Setembro Amarelo são normalmente centradas na prevenção ao suicídio. Nessa reportagem, ouvimos especialistas para entender as melhores formas de acolhimento para quem está em sofrimento
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SUICÍDIO - CIÊNCIA E SAÚDE
 (Foto: GERADO POR IA)
Foto: GERADO POR IA SUICÍDIO - CIÊNCIA E SAÚDE

"Você está bem?" A pergunta tenta criar um canal de conversa, uma porta para a escuta de um possível sofrimento. No atual momento de tagarelice nas redes sociais, onde sorrisos ganham curtidas e muita gente não consegue verbalizar as próprias angústias, pessoas morrem expondo tragicamente o ápice de suas dores. Uma simples pergunta não tem o poder de impedir ninguém de mudar suas decisões sobre a própria vida, mas pode levar pelo menos a uma reflexão nesses momentos acelerados ou criar uma abertura para um cuidado com sofrimentos muitas vezes encobertos.

O mês de setembro está indo embora, mas as campanhas psicoeducativas para o acolhimento de pessoas em crise precisam permanecer. Estatísticas de diversas naturezas geram alertas sobre a elevação de casos de suicídio, bem como de quadros graves de depressão e crises de ansiedade em pessoas nas mais diversas condições sociais e faixas etárias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo com depressão, considerada a principal causa de incapacidade. Embora a depressão não seja a única causa para a elevação dos suicídios, ela está entre os problemas que necessitam de maior atenção.

O médico, psicanalista e escritor baiano Marcelo Veras, com uma experiência de quase 40 anos de clínica, tem um olhar cuidadoso sobre o tema. Autor do livro "A Morte de Si" (2023), ele levanta o seguinte questionamento: "O que é que as pessoas querem matar quando se matam?".

Em entrevista ao Ciência & Saúde da Rádio O POVO/CBN, ele conta que passou mais de 10 anos pensando em escrever sobre o assunto. Estudou cartas deixadas por quem já se foi e ouviu muita gente. Do aprendizado que ficou, ele deixa várias reflexões e algumas dicas simples:

1) Lembrar que normalmente as pessoas com ideação suicida estão passando por um sofrimento muito grande;

2) Não bastam apenas remédios, embora ele considere que uma boa prescrição médica pode salvar vidas quando aplicada no momento certo;

3) Ninguém deve encerrar uma conversa com alguém que falou da própria angústia dizendo algo como: "passa por aqui quando quiser". Seja enfático e diga, por exemplo, "Amanhã eu vou te telefonar".

"É preciso uma dilatação do tempo: isso ajuda a romper com o imediatismo e gera um tempo para reflexão com a vida", acrescenta. Marcelo conta que preferiria uma campanha do Setembro Amarelo dentro do modelo que ocorre na Austrália, no qual o foco não é diretamente o suicídio, e sim a condição da pessoa a partir da pergunta "você está bem?" (ou "Are you OK?". A campanha australiana usa a expressão idiomática "R U OK?", adota como slogan a frase "Uma conversa pode mudar uma vida" e pode ser acessada em www.ruok.org.au).

Num mundo cada vez mais acelerado, é preciso um diálogo de inclusão: a voz de quem está em sofrimento não pode ser desmerecida ou ridicularizada, como se fosse menor em função de algum diagnóstico de transtorno ou de outro adoecimento mental. "Existe uma segregação dos pacientes psiquiátricos e eles sabem que são meio párias. Minimamente, os profissionais de saúde devem elevar a doideira a uma condição de uma escuta", reforça Marcelo.

O que Marcelo Veras chama de "segregação", a psicóloga Lorena Soares, da Amar.elo Saúde Mental, chama de "psicofobia". "Existe muito preconceito". Na sua avaliação, é preciso encontrar canais para falar sobre o assunto e evitar a discriminação não só de pessoas com algum tipo de ideação suicida, mas também com transtornos mentais. "As pessoas podem passar por problemas psíquicos, assim como também podem existir problemas cardíacos, de tireoide ou de pressão alta", alerta.

O acolhimento dos diagnósticos é outro ponto importante: "as pessoas são muito mais que o adoecimento. É preciso ter cuidado principalmente nos momentos de crise, mas não exagerar, não superproteger - apenas aprender a conviver", alerta Lorena. A desinformação costuma atrapalhar nesses momentos.

A psicóloga Luciana Benedetto, especialista em saúde da BurnUp, também apoia um trabalho contra os estigmas. No caso das empresas, ela acredita que o mundo corporativo poderia contribuir através de ações de psicoeducação, com estratégias voltadas tanto para indivíduos quanto para grupos, reforçando que depressão e ansiedade não são sinais de fraqueza.

As propostas de bem-estar nas empresas, na visão da psicóloga, devem conter alertas para os sintomas de depressão, os quais podem incluir cansaço, falta de apetite, alterações no padrão de sono e ausência de prazer em atividades anteriormente apreciadas. "Não podemos confundir depressão com um quadro no qual a pessoa está completamente prostrada. A depressão pode se manifestar enquanto a pessoa ainda desempenha suas funções familiares, sociais e profissionais, mas com grande sofrimento", explica Luciana.

Dentro de um pensamento institucional, podem ser dadas contribuições para melhorar as relações e fomentar esperança. Nos cuidados com a saúde emocional e funcionalidade no trabalho, Luciana alerta para alguns cuidados, tais como: evitar sobrecargas; perceber questões como baixa estima e baixa realização profissional; e estabelecer parcerias para a criação de apoio. Para tudo isso, entretanto, é preciso que as pessoas se sintam seguras e confortáveis para uma comunicação aberta.

E essa comunicação aberta pode ser uma chave para minorar o sofrimento. Conforme disse uma mãe que perdeu o filho, "a morte habita um mundo onde as palavras não são possíveis". Sendo assim, ouçamos as vozes e os silêncios.

 

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