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Epilepsia: uma condição neurológica cercada por estigmas
Ciência e Saúde

Epilepsia: uma condição neurológica cercada por estigmas

65 milhões de pessoas convivem com a condição globalmente. No Brasil, 2% da população é afetada
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 30-04-2025: Grupo de mães
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 30-04-2025: Grupo de mães "S.O.S Epilepsia", que debatem e promovem ações educativas sobre a epilepsia, no AME Passaré. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

"Epilepsia não é doença mental e nem é contagiosa". Com o objetivo de quebrar tabus sobre a condição neurológica que afeta milhões de pessoas no Brasil, especialistas reforçam a importância do diagnóstico e tratamento adequados para garantir qualidade de vida aos pacientes.

Esse é o caso de Eloá Sousa, que nasceu em 2018, e desde cedo teve que encarar o mundo com muito sorriso e sagacidade. Diagnosticada com paralisia cerebral, a menina, hoje com 6 anos, também desenvolveu epilepsia.

Ela, que apresentou a primeira convulsão ainda nos primeiros quatro meses de vida, chegou a ter mais de trinta crises epilépticas por dia, sendo diagnosticada com epilepsia somente aos três anos. Com isso, outra nova jornada também começava em sua vida: o combate ao estigma relacionado à sua doença.

Dávila Sousa, de 33 anos, e Eloá Sousa, de 6 anos(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Dávila Sousa, de 33 anos, e Eloá Sousa, de 6 anos

A epilepsia é uma doença do cérebro que se caracteriza por uma predisposição para gerar crises convulsivas, ou seja, uma alteração temporária e reversível que afeta o funcionamento do cérebro, com descargas elétricas anormais e sincronizadas nos neurônios, manifestando-se em crises epilépticas recorrentes.

Uma das suas principais consequências é a repetição das crises a longo prazo, o que pode tornar a doença difícil de controlar e tratar, levando à disfunção do cérebro.

Segundo a Liga Brasileira de Epilepsia (LBE), estima-se 65 milhões de pessoas convivendo com a condição globalmente. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta 2% da população brasileira vivendo essa realidade.

O neurologista do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), José Hortencio, explica que as causas por trás da doença podem ser diversas, mas que muitas vezes não são definidas.

“Podem ser genéticas, alterações no desenvolvimento do cérebro, complicações no parto, infecções, infestação — cisticercose —, traumas, tumores, abuso de drogas e álcool, AVC, e também sua causa desconhecida, afetando qualquer faixa etária, com maior incidência na infância e terceira idade”, afirma.

José Hortencio é neurologista do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal José Hortencio é neurologista do Hospital Geral de Fortaleza (HGF)

O especialista alerta que os primeiros sinais costumam surgir na infância e é necessário estar atento para prevenir que mais crises ocorram ou tenham duração muito longa, podendo gerar diversas sequelas para o indivíduo.

O diagnóstico é clínico, e os exames são de eletroencefalograma e de imagem. O que “muda” o tratamento é saber qual o tipo de crise e da epilepsia. A idade, sexo e outras doenças mórbidas ajudam a selecionar e individualizar o tratamento do paciente.

As manifestações dessa condição neurológica também são diferentes e, desde que sejam adequadamente tratada, as pessoas com epilepsia podem ter uma condição de de vida normal. Vale o esclarecimento de que a epilepsia não é doença mental, embora seja necessário o acompanhamento médico.

Essa condição neurológica é dividida em focal, generalizada e não classificada. O Dr. José Hortencio explica que o tipo focal afeta uma área específica do cérebro, gerando a crise epiléptica; já a generalizada, não é possível identificar uma área específica por trás da crise.

“Os sintomas mais conhecidos são as crises convulsivas tônicas, onde a pessoa apresenta abalos musculares, podendo cair no chão e ficar se debatendo, geralmente com perda da consciência, com risco de se machucar”, comenta.

Ele ainda esclarece que existem as mais sutis, com ausências, onde o paciente fica parado com olhar vago por poucos segundos, com déjà vu e pequenos abalos em um membro.

O tratamento inicial é medicamentoso, a indicação cirúrgica só ocorre em casos refratários a esse uso, que não vai deixar de ser necessário após a cirurgia.

“É muito variável os sintomas, depende muito do tipo de epilepsia. Algumas têm cura, outras o tratamento é por tempo indefinido e alguns se beneficiam com procedimentos cirúrgicos”, esclarece.

No caso da pequena Eloá, sua mãe, Dávila Sousa de 33 anos, conta que sua filha sofria de crises rápidas, às vezes desencadeadas quando ela estava estressada e com falta de sono.

“No começo eu sentia muito medo, ficava nervosa e desesperada, já querendo levar para o hospital. Acompanhei bastante ela na escola, porque tinha medo do que poderia acontecer com ela no momento da crise”, relembra.

Natural de Santa Quitéria, interior do Ceará, a vida das duas é ainda marcada por uma rotina cansativa de idas a Fortaleza e Sobral para o tratamento. Dávila recebeu muito apoio de sua mãe na época, porque além de ter vivenciado um AVC, ela teve que lidar com o preconceito em torno de sua filha.

“Foi uma época bem difícil, as pessoas julgavam e criticavam muito. Lembro de uma situação em que eu ia doar as roupinhas dela e muita gente tinha receio de contrair a doença pela baba dela”, revela.

Devido às crises, Eloá muitas vezes perdia sua memória, regredindo na fala e em outros aspectos. Atualmente, ela está há 5 meses sem ter uma crise, se recuperando e seguindo o tratamento através de medicações.

Para Dávila, a única preocupação no futuro de sua filha é na forma como ela vai ser acolhida. Com o tempo, ela conta que aprendeu a lidar com as crises e esperar que elas passem.

“Ela foi uma virada de chave na minha vida, é uma menina muito inteligente e com muita coisa para mostrar ao mundo. Ainda me revolto com o julgamento que recebemos, mas também fomos acolhidas por muita gente”, finaliza.

Um estigma a ser combatido

A epilepsia é conhecida desde a antiguidade. Relatos na medicina ayurvédica datam de até 4500 a.C. e, na Grécia Antiga, era considerada uma “doença sagrada”, associada à divindade ou possessão.

O seu nome, inclusive, tem origem grega e significa “algo que vem de cima e abate pessoas", "surpresa" ou "evento inesperado". Essa etimologia já reflete a antiga crença de que as convulsões eram causadas por forças sobrenaturais, ou algo que ocorria de forma repentina e inesperada.

Hipócrates descreveu como uma condição cerebral. Durante a Idade Média, foi ligada à bruxaria e possessões, com vítimas sendo perseguidas pela Inquisição.

A visão científica só se firmou no século XIX, com os estudos sobre a origem cerebral das crises. No século XX, avanços como o eletroencefalograma, medicações específicas e neurocirurgia revolucionaram o tratamento da epilepsia.

Hoje, apesar dos avanços científicos, o estigma associado à epilepsia ainda é um obstáculo sério. Em muitas culturas, ainda se associa a condição a possessões demoníacas, feitiçaria ou doença contagiosa.

Esse preconceito pode levar ao isolamento, à negação do diagnóstico e até à recusa de tratamento. Em lugares como a Índia, Europa e partes da África, pessoas com epilepsia ainda enfrentam discriminação social, familiar e até impedimentos legais para casamento.

Para a neuropediatra Cristine Aguiar, esse preconceito ainda ocorre por causa de mitos persistentes na população.

Cristine Aguiar é neuropediatra
Cristine Aguiar é neuropediatra Crédito: Arquivo Pessoal

“É uma condição crônica que possui impacto biopsicossocial para os indivíduos e seus familiares, por ser muito estigmatizada pela sociedade, o que muitas vezes é mais prejudicial do que a própria doença em si”, afirma.

Ela explica que o maior mito existente é o de que ao entrar em contato com a saliva de pacientes a doença é transmitida, além de relacionar a pessoa a uma deficiência intelectual.

“A epilepsia é um transtorno neurológico causado por alterações de ondas cerebrais, não é uma doença que reduz o intelecto ou contagiosa, não se pega pelo ar ou por contato. Um outro mito é o de puxar a língua de quem está tendo crise, e isso não é indicado; basta colocá-lo em decúbito lateral”, afirma.

A especialista esclarece que a medicina avançou muito em relação à doença, com novos medicamentos no mercado, mas ainda existem desafios de vagas e falta de medicação nos hospitais.

“Ela deixa o paciente muito vulnerável, não tem como prever a crise, que em número elevado retira a possibilidade de uma vida com qualidade. Ela causa baixo rendimento escolar e insegurança para transporte para escola ou trabalho”, lembra.

Segundo ela, a qualidade de vida só vai depender do controle de crises, sendo possível somente com uso de medicação de forma contínua e regular.

“Essas medicações necessitam de horários fixos, atrasos no horário podem prejudicar o tratamento. Essa ausência pode levar até mesmo à morte. Neste momento estamos com o desabastecimento de alguns medicamentos em todo o Brasil, não só no SUS mas também nas farmácias, afetando milhares de pessoas”, finaliza.

Todos na luta!

Jéssica Lima, de 34 anos, é mãe, executiva de contas e diagnosticada com epilepsia. Essa descoberta aconteceu durante sua primeira gestação, na época com 21 anos.

Jéssica Lima, de 34 anos (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Jéssica Lima, de 34 anos

Foi por volta do sexto mês da gravidez que ela vivenciou sua primeira convulsão, marcando o que seria uma das maiores transformações de sua vida. Justamente quando realizava o sonho de ser mãe, Jéssica se viu cercada de desafios e descobertas.

O restante da gestação foi de risco, marcada por convulsões e investigações. “A epilepsia não era uma realidade, apesar de já ter casos na família”, relembra, descobrindo depois, por sua mãe, que desde pequena já apresentava sinais sutis da doença, como paradas comportamentais.

Apesar de seu filho nascer bem, Jéssica ficou bastante tempo internada, e após muitos exames o diagnóstico veio. “Muitas coisas foram colocadas em pauta, eu sempre tive uma rotina saudável, somente com a ingestão moderada de álcool, com a gravidez todo meu organismo mudou”, reflete.

Depressão, distanciamento social, medo, ansiedade foram desafios a serem superados por ela. Ela precisava ser mãe, mas ao mesmo tempo estava lidando com a epilepsia. Durante as convulsões, a perda de memória era algo constante.

Sentiu vergonha por muito tempo de sua condição, procurou se cuidar, procurou superar. Ela entendeu que a epilepsia fazia parte de sua vida, e falar sobre ela seria necessário, ‘ainda existem muitos estigmas a serem combatidos’, pensava.

Começou com a propagação de informação: “quanto mais as pessoas conversarem, mais elas vão entender que a epilepsia é como qualquer outra doença. A gente só precisa de apoio, entender que quando uma pessoa estiver tendo uma crise, você não precisa ter medo, e sim calma para ajudar”, diz.

Foi com essa consciência que Jéssica se tornou uma das embaixadoras da Associação Brasileira de Epilepsia, e com toda essa experiência, essa força foi também direcionada para o estado cearense, surgindo os movimentos S.O.S Epilepsia e Epilepsia Fortaleza – formados por mães dessa realidade.

“O objetivo é justamente chegar perto das comunidades, levar informações para as famílias, que às vezes são mal direcionadas nos postos de saúde. A gente é lugar para quem não sabe por onde começar. Temos apoio, atuamos fortemente durante a campanha, doamos cestas básicas e suporte em algo jurídico”, detalha.

Essa ajuda também se amplia na vida de quem foi prejudicado pelas crises, como a perda de emprego e o convívio social. Ações durante a campanha, e no ano todo, são realizadas, propagando informações por panfletos e nas redes sociais.

“Mães, advogados, pacientes, médicos e diversas pessoas voluntárias em prol dessa causa, cada um com sua função. A minha é direcionar aquele adulto que vivenciou o que eu vivi, fazendo ele seguir a mesma trilha e sair do casulo, entendendo que agora a epilepsia faz parte da sua vida e é preciso seguir”, comenta.

Já fazem 7 anos que Jéssica segue uma rotina regrada de medicações, ela se tornou mãe novamente durante esse processo, e hoje ela está há 2 anos sem ter crises, se cuidando, entendendo quais são os seus gatilhos e seguindo na luta. Sua pele é marcada com uma tatuagem escrita: ‘Epilepsia, abrace esta causa’.

“O acolhimento é essencial. É preciso combater esses misticismos, eu tinha casos na minha família que não eram comentados. Meu filho mais novo já apresenta sinais, como mãe quero direcioná-lo no melhor caminho. A epilepsia faz parte da vida, mas ela não é a minha vida, esse é o meu lema”, finaliza.

Cantando sem preconceito

 

Integrante da banda Forró 100 Preconceito, um grupo musical formado por pacientes do CAPS Geral do Eusébio, Cícero Albério, de 45 anos, é vocalista e instrumentista.

Desde criança, o diagnóstico de epilepsia acompanha a sua trajetória. Ele conta que foi vítima de muito preconceito e bullying. Na escola, chegou a ouvir de uma colega de sala a seguinte pergunta: "Você vai querer conversar com esse doido? Isso é uma aberração, vive desmaiando na sala".

Esse e diversos outros episódios vividos ao longo da vida lhe causaram muitas consequências, como depressão, isolamento social e dificuldade de interação. Já adulto, ele passou por uma cirurgia na cabeça para corrigir um problema de infância: um coágulo sanguíneo no nariz.

Foi durante o pós-operatório que ele conheceu o CAPS, lugar que se tornaria um dos seus preferidos. "Fui muito acolhido desde o começo, fiz amigos, aprendi a me comunicar, saí do isolamento e não deixei que a doença me definisse", conta.

No CAPS, Cícero desenvolveu diversas habilidades, e uma delas foi a de se tornar músico. A banda Forró 100 Preconceito, cujo nome já transmite uma mensagem clara e direta, surgiu em 2009 e, até hoje, leva alegria e animação aonde quer que vá.

"Antes eu ficava isolado no meu quarto e não queria conversar com ninguém; depois, comecei a viajar e interagir. No começo, tinha muita vergonha e medo de ter uma crise durante a apresentação, mas com o tempo fui me soltando", relembra.

Adriano Santos, de 32 anos, Euclides Marques, de 42, Eudes Rios, de 71, Raimundo Nonato, de 49, e Anthony Levy, de 19, também integram a banda, cada um com suas próprias dificuldades e experiências semelhantes em relação ao preconceito.

O pedagogo e funcionário do CAPS, Sandro Freitas, de 53 anos, é o responsável pela banda. Ensaios e apresentações são rotinas frequentes na vida dos integrantes. "Eles dão um show, vão lá e fazem acontecer", afirma.

Para Imaculada Mendonça, coordenadora do CAPS, a inserção da cultura na vida dos pacientes é parte fundamental do tratamento, fortalecendo o elo de acolhimento e pertencimento.

"A gente devolve o sentimento de possibilidade de superar a doença. Com o Cícero, ele descobriu que gostava de música, de tocar, de cantar; é a inclusão pela música. O forró aqui é o cartão postal do nosso trabalho de reabilitação psicossocial", explica.

Segundo ela, esse trabalho serve como combate direto ao preconceito social, evitando que o paciente seja definido por um diagnóstico. "Temos também dança, poesia, teatro, é um palco para eles mostrarem socialmente o que sabem fazer, mostrando que não são pessoas incapacitadas", finaliza.

Há seis anos, Cícero não sofre com convulsões, e as crises de ausência tiveram sua frequência reduzida, além de ele seguir um tratamento adequado com medicamentos.

Recursos

Quais são as crises epiléticas mais comuns?

Crise Tônico-Clônica - Contrações musculares intensas com perda de consciência.

Crise de Ausência - Breves lapsos de consciência, com olhar fixo e parada súbita.

Crise Mioclônica - Movimentos musculares rápidos e bruscos, como solavancos.

Crise Focal Disperceptiva - Afeta uma área do cérebro com alteração da consciência e comportamentos automáticos.

Cadê os medicamentos?

A Associação Brasileira de Epilepsia (ABE) emitiu uma nota denunciando o desabastecimento de medicamentos utilizados no tratamento da epilepsia no Brasil, o clobazam (Frisium e Urbanil) e o fenobarbital (Gardenal).

Segundo a ABE, os fármacos estão em falta desde o último ano, mas o problema foi agravado em 2025. A causa da indisponibilidade, de acordo com a associação, está relacionada a uma transferência da produção até então comandada pela farmacêutica Sanofi para outra empresa.

Em nota para OPOVO, o Ministério da Saúde explicou que o repasse aos gestores locais está regular, isso significa que estados, municípios e o Distrito Federal são responsáveis por sua compra, armazenamento e distribuição, conforme a demanda local.

No caso do clobazam, a aquisição e distribuição são de responsabilidade das secretarias estaduais de saúde, com recursos próprios. Conforme o Decreto nº 7.508/2011, estados e municípios têm autonomia para adquirir medicamentos específicos e complementares, visando garantir a assistência farmacêutica em seus territórios.

Você sabia?

Março Roxo é a campanha anual de conscientização sobre a epilepsia, que acontece no mês de março, com foco especial no dia 26, o "Dia Roxo" ou "Purple Day". O objetivo é combater o preconceito, informar sobre a doença, e defender os direitos das pessoas com epilepsia.

Como proceder em uma crise de epilepsia

Em muitos casos, as crises epiléticas não são previsíveis e as pessoas precisam de apoio, principalmente para não se machucarem durante as convulsões. É importante estar atento e saber como proceder ao presenciar uma crise:

- mantenha a calma e tranquilize as pessoas ao seu redor;

- evite que a pessoa caia bruscamente ao chão;

- tente colocar a pessoa deitada de costas, em lugar confortável e seguro, com a cabeça protegida com algo macio;

- nunca segure a pessoa nem impeça seus movimentos (deixe-a debater-se);

- retire objetos próximos que possam machucar;

- mantenha-a deitada de barriga para cima, mas com a cabeça voltada para o lado, evitando que ela se sufoque com a própria saliva;

- afrouxe as roupas, se necessário;

- se for possível, levante o queixo para facilitar a passagem de ar;

- não tente introduzir objetos na boca do paciente durante as convulsões;

- não dê tapas;

- não jogue água sobre ela nem ofereça nada para ela cheirar;

- verifique se existe pulseira, medalha ou outra identificação médica de emergência que possa sugerir a causa da convulsão;

- permaneça ao lado da pessoa até que ela recupere a consciência;

- se a crise convulsiva durar mais que 5 minutos sem sinais de melhora, peça ajuda médica;

- quando a crise passar, deixe a pessoa descansar.

Fonte: Ministério da Saúde

Cuidados e mitos

A epilepsia é conhecida desde a antiguidade. Relatos na medicina ayurvédica datam de até 4500 a.C. e, na Grécia Antiga, era considerada uma "doença sagrada", associada à divindade ou possessão.

O seu nome, inclusive, tem origem grega e significa "algo que vem de cima e abate pessoas", "surpresa" ou "evento inesperado". Essa etimologia já reflete a antiga crença de que as convulsões eram causadas por forças sobrenaturais, ou algo que ocorria de forma repentina e inesperada.

Hoje, apesar dos avanços científicos, o estigma associado à epilepsia ainda é um obstáculo sério. Para a neuropediatra Cristine Aguiar, esse preconceito ainda ocorre por causa de mitos persistentes na população.

"É uma condição crônica que possui impacto biopsicossocial para os indivíduos e seus familiares, por ser muito estigmatizada pela sociedade, o que muitas vezes é mais prejudicial do que a própria doença
em si", afirma.

Ela explica que o maior mito existente é o de que ao entrar em contato com a saliva de pacientes a doença é transmitida, além de relacionar a pessoa a uma deficiência intelectual.

"A epilepsia é um transtorno neurológico causado por alterações de ondas cerebrais, não é uma doença que reduz o intelecto ou contagiosa, não se pega pelo ar ou por contato. Um outro mito é o de puxar a língua de quem está tendo crise, e isso não é indicado; basta colocá-lo em decúbito lateral", afirma.

Todos na luta!

Jéssica Lima, de 34 anos, é mãe, executiva de contas e diagnosticada com epilepsia. Essa descoberta aconteceu durante sua primeira gestação, na época com 21 anos.

Foi por volta do sexto mês da gravidez que ela vivenciou sua primeira convulsão, marcando o que seria uma das maiores transformações de sua vida. Justamente quando realizava o sonho de ser mãe, Jéssica se viu cercada de desafios e descobertas.

O restante da gestação foi de risco, marcada por convulsões e investigações. "A epilepsia não era uma realidade, apesar de já ter casos na família", relembra, descobrindo depois, por sua mãe, que desde pequena já apresentava sinais sutis da doença, como paradas comportamentais.

Depressão, distanciamento social, medo, ansiedade foram desafios a serem superados por ela. Ela precisava ser mãe, mas ao mesmo tempo estava lidando com a epilepsia. Durante as convulsões, a perda de memória era algo constante.

Foi com essa consciência que Jéssica se tornou uma das embaixadoras da Associação Brasileira de Epilepsia, e com toda essa experiência, essa força foi também direcionada para o estado cearense, surgindo os movimentos S.O.S Epilepsia e Epilepsia Fortaleza - formados por mães dessa realidade.

"O objetivo é justamente chegar perto das comunidades, levar informações para as famílias, que às vezes são mal direcionadas nos postos de saúde. A gente é lugar para quem não sabe por onde começar. Temos apoio, atuamos fortemente durante a campanha, doamos cestas básicas e suporte jurídico", detalha.

Cantando sem preconceito

Integrante da banda Forró 100 Preconceito, um grupo musical formado por pacientes do CAPS Geral do Eusébio, Cícero Albério, de 45 anos, é vocalista e instrumentista.

Desde criança, o diagnóstico de epilepsia acompanha a sua trajetória. Ele conta que foi vítima de muito preconceito e bullying. Na escola, chegou a ouvir de uma colega de sala a seguinte pergunta: "Você vai querer conversar com esse doido? Isso é uma aberração, vive desmaiando na sala".

Esse e diversos outros episódios vividos ao longo da vida lhe causaram muitas consequências, como depressão, isolamento social e dificuldade de interação. Já adulto, ele passou por uma cirurgia na cabeça para corrigir um problema de infância: um coágulo sanguíneo no nariz.

Foi durante o pós-operatório que ele conheceu o CAPS, lugar que se tornaria um dos seus preferidos. "Fui muito acolhido desde o começo, fiz amigos, aprendi a me comunicar, saí do isolamento e não deixei que a doença me definisse", conta.

No CAPS, Cícero desenvolveu diversas habilidades, e uma delas foi a de se tornar músico. A banda Forró 100 Preconceito, cujo nome já transmite uma mensagem clara e direta, surgiu em 2009 e, até hoje, leva alegria e animação aonde quer que vá.

"Antes eu ficava isolado no meu quarto e não queria conversar com ninguém; depois, comecei a viajar e interagir. No começo, tinha muita vergonha e medo de ter uma crise durante a apresentação, mas com o tempo fui me soltando", relembra.

Adriano Santos, de 32 anos, Euclides Marques, de 42, Eudes Rios, de 71, Raimundo Nonato, de 49, e Anthony Levy, de 19, também integram a banda, cada um com suas próprias dificuldades e experiências semelhantes em relação ao preconceito.

O pedagogo e funcionário do CAPS, Sandro Freitas, de 53 anos, é o responsável pela banda. Ensaios e apresentações são rotinas frequentes na vida dos integrantes. "Eles dão um show, vão lá e fazem acontecer", afirma.

Para Imaculada Mendonça, coordenadora do CAPS, a inserção da cultura na vida dos pacientes é parte fundamental do tratamento, fortalecendo o elo de acolhimento e pertencimento.

"A gente devolve o sentimento de possibilidade de superar a doença. Com o Cícero, ele descobriu que gostava de música, de tocar, de cantar; é a inclusão pela música. O forró aqui é o cartão postal do nosso trabalho de reabilitação psicossocial", explica.

Segundo ela, esse trabalho serve como combate direto ao preconceito social, evitando que o paciente seja definido por um diagnóstico. "Temos também dança, poesia, teatro, é um palco para eles mostrarem socialmente o que sabem fazer, mostrando que não são pessoas incapacitadas", finaliza.

Há seis anos, Cícero não sofre com convulsões, e as crises de ausência tiveram sua frequência reduzida, além de ele seguir um tratamento adequado com medicamentos.

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