Logo O POVO+
"Viver de teatro é difícil, de teatro de rua é mais ainda"
DOM

"Viver de teatro é difícil, de teatro de rua é mais ainda"

A paulista que se considera cearense encanta a arte cênica do Estado
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
A atriz Fernanda Zeballos vive o teatro comercial e o teatro de rua (Foto: Claudia Nascimento/Divulgação)
Foto: Claudia Nascimento/Divulgação A atriz Fernanda Zeballos vive o teatro comercial e o teatro de rua

Atriz, diretora, produtora e apresentadora, Fernanda Zeballos vive em Fortaleza e trabalha com o teatro local há mais de 20 anos. Faz parte da produção do premiado espetáculo "Uma noite em Ritmo Quente" e é integrante da Trupe 'Caba de Chegar. "Sou a única pessoa que não é cearense dos dois grupos, mas como escolhi aqui para viver, eu acho que eu sou mais cearense do que eles que nasceram aqui" Fernanda brinca.

Além dos palcos e das ruas, a atriz tem experiência com as telas ejá fez parte de produções como "As mães de Chico Xavier", longa de 2011.

O POVO - Como a arte cênica chegou na sua vida?

Fernanda Zeballos - Eu nasci e cresci em São Paulo, me mudei para Fortaleza aos 28 anos. Ainda em São Paulo, eu cheguei a fazer uma ou duas propagandas, mas a concorrência era muito grande. Perdia muito tempo em teste e eu fazia faculdade, então não valia a pena. Aqui em Fortaleza, quando eu já estava casada e com filhos e morando no Porto das Dunas, levava meus filhos à escola em Fortaleza, eu ia tomar café numa padaria, depois passava a manhã resolvendo pendências enquanto esperava o horário de buscá-los. Um dia, enquanto comia o café da manhã, uma moça me viu e falou que eu deveria fazer o teste para uma propaganda que ela estava na produção. Com esse convite, voltei a trabalhar com publicidade. Então, veio um filme para ser produzido aqui no Ceará e para participar tinha que ter o registro profissional emitido pela Delegacia Regional do Trabalho, conhecido como DRT. Mas, infelizmente, eu não tinha. Depois disso, eu fui atrás e o único lugar que dava para tirar o registro profissional era por meio do curso de arte dramática da Universidade Federal do Ceará (UFC). Era à noite e durava quase dois anos. Cursei em um ano e sete meses e eu morava muito longe, mas eu ia todos os dias e foi lá nesse curso que conheci o teatro. Porque para mim eu queria só o registro profissional, mas lá eu conheci o teatro, me apaixonei e os convites cada vez que eu pensava em desistir, porque é muito difícil fazer teatro no Ceará, no Nordeste e no Brasil. Então, cada vez que eu pensava em desistir, vinha um papel maravilhoso. E assim eu fui seguindo e já são mais 23 anos de carreira.

OP - Para você, qual a importância do teatro de rua, como ele se mantém mesmo com as dificuldades e como você encontrou a Trupe 'Caba de Chegar?

Fernanda - Na realidade, foi a Trupe que me encontrou. A Ana Marlene, que é a diretora da trupe e é a única que sobrou desde a formação, era muito amiga do Sidney Malveira, que é do Teatro Novo, do qual eu fazia parte. Então, ela me conheceu, atuando. Logo, me convidou para fazer a Cobra Jararaca que queria ser bailarina na "A Fábula do Monturo Velho", foi a primeira peça da Trupe da qual fiz parte e a gente apresenta até hoje. Vai fazer 10 anos que faço parte da Trupe, não pretendo sair e estou levando pessoas do grupo "Em uma noite de Ritmo Quente" para o teatro de rua. Assim, fazemos um grupo e já produzimos vários espetáculos. Mas o teatro de rua a gente só faz porque gosta muito, porque é muito difícil. A gente tem ajuda do Serviço Social do Comércio (Sesc) que chama a gente para apresentar em um determinado lugar, porque viver de teatro já é difícil, de rua é mais difícil ainda. Os itens que usamos nas apresentações, eu levo no meu carro, a gente tem que ajudar, se não o teatro de rua não sobrevive.

OP - Quais são as maiores dificuldades de viver de arte no Brasil?

Fernanda - Eu sei que no Sul e Sudeste, como eu sou de lá, muita gente vai ao teatro, principalmente, pessoas mais velhas. Aqui no Ceará, no entanto, quem vai ao teatro são as famílias dos atores, as pessoas que fazem teatro e pronto. Acho que, se você fizer uma pesquisa, a porcentagem de pessoas que assistem a um espetáculo e que não são desses dois grupos deve ser de 5%. Eu percebo que aqui as pessoas mais velhas não vão ao teatro, não é um hábito aqui. Lá em São Paulo e no Rio, eu gosto de sentar no fundo do teatro, porque eu observo a plateia. Acredito que faz parte, além de assistir ao espetáculo, observar a plateia. Funciona como um estudo para a construção de personagens e tem muito cabelo branco, casais, grupos de mulheres e jovens que vão. A maior dificuldade é essa e os empresários perceberem que o que estamos fazendo é algo que vale a pena investir, nem que seja pouco, nem que sejam várias empresas ajudarem um pouquinho a gente consegue fazer muito, porque se a gente já consegue fazer alguma coisa sem ajuda nenhuma, imagina se alguém resolver ajudar. Quem ajuda a gente é uma amiga que tem uma confeitaria, mas só porque é minha amiga, é um conhecido do meu marido que é chefe de cozinha e tem muitos contatos que falam: "eu estou fazendo por você". Graças a Deus, existem pessoas que nos ajudam, mas é a falta dessa visão de que se você estiver ajudando a cultura, o teatro e a educação, porque não deixa de ser educação, você está ajudando a cidade e a população.

OP - Por que reviver o "Ritmo Quente" ?

Fernanda - Esse é um projeto do Diego Borges, que faz o personagem do Patrick Swayze. Ele já é coreógrafo há muitos anos e tinha esse sonho desde a época da faculdade de fazer esse espetáculo. A gente se conheceu em um espetáculo em que eu o ajudei na interpretação, então ele me convidou para fazer esse projeto. Eu topei imediatamente porque foi o filme da minha juventude. Na época, eu tinha 20 anos e morava em um hotel porque fazia hotelaria. Adaptei com a minha impressão de espectadora, porque eu sou o público de "Uma noite em Ritmo Quente". Então, as mulheres, a maioria são mulheres, que querem resgatar essa memória emocional de um tempo em que a gente era muito feliz, que as coisas eram menos complicadas e que não existia internet. Era muita emoção viver aquilo e ir ao cinema, levar as amigas e tem muitos casos em que a filha assistiu porque a mãe assistia à sessão da tarde e hoje elas levam as mães que são pessoas que vão pela primeira vez ao teatro. Teve uma moça de Recife que falou: 'Quando vocês vierem para cá, eu vou ter que vir assistir de novo, porque dessa vez eu assisti à minha mãe. Ela gostava muito do filme e tem depressão. Fazia anos que não saía de casa e eu consegui arrastá-la para cá, falando que íamos ao médico. Quando eu vi ela sorrir, eu parei de assistir ao espetáculo e comecei a assistir minha mãe'. Esse tipo de relato me emociona. Temos muitos depoimentos como esse, teve outro que também aconteceu em Recife, foi da fundadora de um dos fãs clubes do Diego, ela assistiu ao espetáculo do filme dela e do marido que faleceu de Covid-19. Ela nunca tinha se separado do marido no casamento de mais de 20 anos. Ela foi de bengala assistir, pediu um microfone e deu esse depoimento, falou que foi a primeira vez que ela saiu de casa e que ela estava muito agradecida.

OP - Na sua perspectiva, qual a diferença entre trabalhar com o teatro comercial e o teatro de rua?

Fernanda - Na verdade, o teatro de rua, ele é super adaptável, com ele que aprendi a usar o menos possível de coisa, não ter excesso porque temos que nos locomover muito e a gente não tem tempo para montar e desmontar as coisas e com isso na hora que adaptei o "Ritmo Quente" eu falei que a gente tem que usar menos coisas possíveis. Primeiro porque a gente não tem dinheiro, segundo porque, se a gente quiser ir de um lugar para outro ou até levar as coisas para um teatro, não podemos ter muita coisa para poder conseguir levar em um carro pequeno. Eu trouxe essa minha realidade da rua para o teatro, a gente colocou cinco planos no fundo, branco que eles com a luz ajudam a integrar o cenário e não temos mais nada. As pessoas se espantam quando a gente fala que só tem isso. Eu falei que temos a luz do nosso espetáculo que é maravilhosa e essa iluminação faz uma diferença nos objetos de cena para poder trocar de ambiente, porque adaptar um filme para o teatro é muito difícil. O filme tem corte de cena, edição e no teatro, a gente está o tempo todo em evidência, você não tem como fazer como no cinema, então a gente faz esse jogo com a luz.

 

O que você achou desse conteúdo?