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O luto materno transformado em voluntariado
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O luto materno transformado em voluntariado

Instituto, fundado em 2012, conecta voluntários com ações, ONGs e projetos
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Fortaleza, CE, BR  03.10.24 Na foto: Evelúcia Melo, dirtora do Instituto Felipe Martins de Melo   (FCO FONTENELE/O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR 03.10.24 Na foto: Evelúcia Melo, dirtora do Instituto Felipe Martins de Melo (FCO FONTENELE/O POVO)

O falecimento do filho de 17 anos, em 2012, unido à experiência na área social, foi o motivo para a psicóloga Evelucia Melo fundar o Instituto Felipe Martins de Melo, em homenagem ao caçula, em Fortaleza.

A primeira turma, formada por amigos de Felipe, foi o pontapé para Evelucia criar grupos de formações, visando jovens que tivessem interesse na área social.

Com foco em parcerias e projetos de voluntariado, o instituto realiza bazares, oficinas de capacitação, dentre outras atividades culturais.

Além disso, o grupo oferece apoio a iniciativas educacionais e sociais, levando oportunidades e inclusão para grupos vulneráveis.

O POVO - Como surgiu a ideia de criar o Instituto Felipe Martins de Melo?

Evelucia Melo - Eu sou psicóloga e sempre trabalhei na área social, desde que me formei. Em 2012, o Felipe, meu filho caçula, foi fazer intercâmbio na Nova Zelândia e, infelizmente, sofreu um acidente durante um acampamento da escola, junto com outros jovens, e acabou falecendo.

O acidente foi no mar. Ele, mais dois jovens e o instrutor ficaram desaparecidos. Na época, aqui em Fortaleza, houve uma mobilização entre os amigos e os irmãos dele, que toda noite iam orar ali no aterro (da Praia de Iracema) para pedir que achassem o Felipe.

Foi um movimento muito bonito. Eu via esses jovens se unindo, mesmo sem serem ligados à religião e eles tocavam música, faziam oração, e com o passar dos dias, mais gente foi se juntando ao movimento.

Nós começamos a receber muitas mensagens dizendo que aquele episódio tinha transformado a fé delas, algumas voltaram a frequentar a igreja, e isso chamou muito a atenção da gente. Depois de nove dias, só apareceu o Felipe, os outros nunca foram encontrados.

Eram 14 jovens que tinham que escalar uma rocha, porque assim, na Nova Zelândia são muitos esportes radicais, e era um acampamento da escola dentro da cidade que eles têm esse parque que é à beira-mar.

Em determinado momento, ao trocarem as cordas de segurança, uma onda atingiu o meu filho, um alemão e um rapaz de lá. O alemão conseguiu chegar nas pedras e se salvou, os outros ficaram lá na rocha esperando helicóptero, esperando salvamento.

Já o instrutor... As pessoas dizem que ele pulou para tentar ajudar os outros, mas acabou desaparecendo. Enfim, apenas o Felipe foi encontrado, depois de dias, e foi aí que eu decidi criar o instituto com o nome dele.

O POVO - E como funciona o Instituto?

Evelucia Melo - Começamos o trabalho do Instituto a partir dessa experiência. Como eu já trabalhava na área social, sempre senti falta de profissionais voluntários comprometidos, então, a ideia do Instituto era fomentar os jovens a serem voluntários nos projetos.

A primeira turma foi os amigos dele (do Felipe) e aí foram eles que nos ajudaram a montar. Eu transformei minha clínica no espaço do Instituto, a gente reformou, eles fizeram toda a decoração, tudo simbólico, a cor, coisas que significassem aquilo que a gente tava vivendo e que ficasse bonito.

A ideia era preparar esses jovens para assumir uma responsabilidade social dentro de suas áreas de formação. Nessa primeira turma a gente chamava de "Marmelos", porque o Felipe brincava que o nome dele era ‘Felipe Marmelo’, de Martins de Melo.

Nós criamos um programa que trabalhava tanto a área de formação quanto social, emocional e técnica, e eles passaram um ano elaborando como ia ser o projeto do instituto, além de desenvolvimento de habilidades interpessoais e autoestima.

Nesse tempo nós também fomos convidando pessoas a conhecer o instituto, tanto para a elaboração de projetos quanto para o desenvolvimento de habilidades interpessoais e autoestima, além do lado técnico, que incluía empreendedorismo social e elaboração de projetos.

Já na área social, nós visitávamos e realizávamos ações sociais, como uma forma dos voluntários conhecerem esses locais.

Essa ação permitia que eles conhecessem o trabalho das instituições e pudessem desenvolver seus próprios projetos. Tivemos mais duas turmas depois disso, e começamos a oferecer essa formação em escolas. Além disso, realizamos eventos para arrecadar fundos e recursos para manter o Instituto.

Durante a pandemia, recebemos muitas doações de alimentos, máscaras e álcool em gel, e criamos parcerias para distribuir esses itens.

Nós começamos a cadastrar instituições de Fortaleza que precisavam de apoio, e criamos um grupo chamado "Encontros Formativos", onde as instituições participaram de formações online em troca das doações. Ao todo, foram 200 instituições cadastradas.

Hoje, estamos finalizando uma nova turma de jovens, que deve terminar agora em outubro, e também temos vários outros projetos em andamento. Ano passado o instituto começou uma com a rede Api (Apoio a Perdas (Ir)reparáveis), de Belo Horizonte, que atende pessoas em luto, e são realizados encontros uma vez ao mês.

Nós temos um grupo de mães em luto, que eu acabei coordenando esse grupo, e realizamos encontros mensais, além de ações sociais em diferentes instituições, que nós chamamos de “Horação”, porque é uma hora de ação.

O POVO - E quais são as principais competências que eles vão adquirir ao longo do programa, nessa fase de voluntariado?

Evelucia Melo - Além de instigar o olhar para o social, a ideia é que eles entrem e trabalhem, não tão aprofundado, mas questões como relacionamento, formação de vínculos e autoestima, a gente também acaba trabalhando a questão de falar em público, saber elaborar um evento ou projeto, e desenvolver um tipo de ação.

Eles têm acesso a ferramentas como recreação, contação de histórias, pintura em rosto para crianças, fotografia e teatro.

Temos uma grade que os capacita para quando formos fazer uma ação lúdica com idosos ou outras dinâmicas, saberem como elaborar essas atividades.

E o que a gente acredita é que mesmo quando eles saem daqui e seguem suas vidas, nós acreditamos que eles levam essa "sementinha", esse olhar para o social, independentemente da área de formação, seja como psicólogos, médicos, advogados etc.

Até hoje, muitos dos que passaram por aqui e foram para a faculdade, mestrado, doutorado, ou até moram fora, mantêm esse espírito.

Alguns foram para a área social, como uma das fundadoras que hoje trabalha em uma grande instituição internacional. Sempre teve essa motivação e visão de que, dentro de sua área de atuação, é possível se doar de alguma forma, seja no trabalho ou fora dele.

Por exemplo, essa semana, uma das meninas de uma das primeiras turmas ligou, ela trabalha em uma instituição que estava com doações de computadores, aí a gente vai e procura uma instituição que estivesse precisando.

Aí a gente faz um sorteio dentre as que têm projetos com jovens, que vão mais precisar.

Então, eles estão sempre retornando com algo para nós, seja fazendo doações ou compartilhando recursos, porque na verdade o nosso público aqui não é vulnerável, mas trabalhamos em parceria com ONGs em comunidades vulneráveis, e somos essa ponte, esse apoio.

O POVO - E nesses onze anos de instituto, o que a senhora traz como aprendizado?

Evelucia Melo - Nós criamos o Instituto por causa do meu filho. Na verdade, à época, eu não tinha essa consciência, mas foi uma forma de vivermos o nosso luto. Passamos um ano nos encontrando e planejando, e a fundação do Instituto foi no dia do falecimento dele, um ano depois, em agosto.

O Instituto representa um investimento não só meu, mas de minha família e de muitos amigos que participaram, ele nos mostrou a importância do social. Sabemos que, quando fazemos algo pelos outros, estamos fazendo por nós mesmos.

Recebemos instituições que trabalham com crianças, e quando terminamos, fazemos uma reunião de avaliação.

Todos ficam energizados, felizes, porque percebemos o quanto aquela manhã de brincadeiras foi importante para aquelas crianças.

Elas vão guardar isso na memória, emocionalmente, e quem sabe um dia, ao passarem na frente do Instituto, se lembrarão com carinho daquele momento.

Nós não vamos mudar a realidade delas, mas podemos levar esperança. Vou dar outro exemplo: recebemos doações de biscoitos da Dias Branco, que às vezes são produtos que aquelas crianças nunca viram na vida, é uma alegria tão grande para aquelas crianças, que a gente a gratidão, é como se fosse um sentimento de que ‘alguém lembrou de mim’. Mesmo com suas dificuldades, elas tiveram aquele momento especial.

São memórias afetivas, emocionais boas, que a gente tenta levar para essas pessoas de fora e isso também fica conosco. Se você conversar com qualquer um dos jovens que participaram, eles vão te contar sobre uma experiência marcante.

O POVO - E sobre quem tem interesse em participar do Instituto, como funciona?

Evelucia Melo - Nós temos um Instagram (@institutofmm) e meu telefone (85991915654), que deixamos aberto para que as pessoas que tenham interesse.

Porque, assim, nós temos voluntários pontuais, por exemplo, no bazar, onde uma turma de mulheres arrecada doações e organiza tudo.

No Dia das Mães, temos uma ação na Maternidade Escola, onde elas arrecadam sabonetes, shampoos e montamos kits para as mães, então cada ação tem um grupo específico de voluntários.

Estamos planejando, não sei se para este ano, montar um grupo de voluntários que a gente possa ter sistematicamente, onde cada equipe vai poder focar na área em que tem mais afinidade ou expertise.

Assim como fazemos com os jovens, que chamamos de "Marmelos", onde eles escolhem o que mais se identificam, a gente faz o mesmo com o Kiwis, que são os nossos outros voluntários.

Kiwi é uma homenagem a uma ave da Nova Zelândia que está em extinção. Enfim, nós vamos ter esse encontro para que as pessoas possam falar onde gostariam de atuar e mostrar as várias áreas disponíveis.

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