Nos corredores do Mercado São Sebastião, há mais de 20 anos, um caldo de mocotó uniu o casal Amauri Semente, 58, e Irene Semente, 56, donos do restaurante São Francisco, caracterizado por trabalhar com comidas regionais como panelada e buchada, localizado nos boxes 228 e 229.
Depois de dois anos sendo ignorado pela atual esposa, Amauri comenta que conseguiu chamar a atenção dela entregando um livro de parábolas, no dia em que estava estressada. Logo depois, começaram a construir sua história juntos e, hoje, administram o restaurante, que foi repassado para Irene por meio da mãe.
Ao longo da trajetória, já enfrentaram diversos desafios. No entanto, contam que conseguiram alavancar o negócio por causa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com diversos incentivos e capacitação.
Em 2022, por exemplo, ambos se formaram no curso de gastronomia da Uninassau, e se tornaram os únicos gastrônomos no Mercado São Sebastião. Além disso, conquistaram pela terceira vez, no início de novembro, o Selo Sebrae de Qualidade Empresarial, metodologia de avaliação para reconhecer a qualidade dos atendimentos e serviços prestados pelos pequenos empreendedores.
Ao O POVO, Irene e Amauri detalham como se conheceram, o legado passado de geração em geração, assim como a importância do Sebrae na trajetória tanto do seu empreendimento como dos outros no Mercado São Sebastião.
O POVO - Como começou o seu negócio?
Irene Semente - Nosso restaurante se iniciou com minha mãe, em 1978, no Mercado São Sebastião. E aí, anos e anos, trabalhando com muita dificuldade, porque um equipamento público é bem diferente de ter um restaurante próprio. Lá tem toda uma regra que a gente tem que seguir, porque é um estabelecimento do município. E aí a minha mãe iniciou esse projeto. O restaurante já está com quase 50 anos. E a gente continua lá, no mesmo canto, batalhando. Minha mãe hoje tem 90 anos, se aposentou, passou para mim essa responsabilidade da gente continuar com o projeto.
O POVO - E com esse legado sendo repassado, o que a senhora sentiu?
Irene Semente - Foi uma experiência nova porque, desde os 10 anos de idade, eu acompanhava a rotina e ela me ensinava. Antigamente as coisas eram bem mais difíceis. Hoje, com a tecnologia, as coisas estão mais fáceis. Nós somos o único restaurante informatizado no Mercado, a gente conseguiu também fazer a faculdade e a estrutura física do próprio equipamento melhorou.
O POVO - Como foi essa experiência na faculdade? De onde surgiu a ideia?
Amauri Semente - A gente foi convidado em 2019 pelo Sebrae, eles perguntaram "Por que vocês não fazem faculdade? Eu disse “Rapaz, faz 30 anos que a gente não estuda. Não sei nem mais se eu ainda sei ler”. Quando começamos, veio a pandemia, então quase tudo foi à distância. E esse foi um projeto que nos abriu as portas porque também conseguimos levar o Sebrae para dentro do Mercado São Sebastião e capacitar todos os outros que trabalham ali.
O POVO - Como funciona essa gestão do restaurante dentro de um equipamento público? Melhorou de uns tempos para cá?
Irene Semente - Melhorou bastante. Eu faço parte da associação do Mercado Sebastião há anos. E aí eu joguei a ideia para o mercado sobre o Sebrae, que fez essa capacitação. Com isso, melhorou não só para o nosso restaurante, mas para o mercado inteiro. Tem muitas coisas a ser melhorada, sempre estamos em busca de melhorias, mas, é como meu esposo fala: foi um divisor de águas [...] O Mercado São Sebastião deixou há muito tempo de ser só um centro de abastecimento para se tornar um centro gastronômico e cultural.
O POVO - Quantos turistas vocês recebem por dia?
Amauri Semente - Aí vai variando de acordo com o período. Nesta época de novembro, por exemplo, a gente recebe, por dia, de 15 a 20 turistas, e isso é ótimo para quem não recebia ninguém.
O POVO - E o fluxo de vocês, por dia?
Amauri Semente - Diariamente, é uma faixa de umas 300 pessoas. No final de semana é bem mais porque, dentro do Mercado Santo Sebastião, diariamente circulam mais de 500 pessoas. Então é um fluxo muito bom e melhora cada vez mais. E tem um detalhe: o domingo é o domingo da ressaca. A galera sai das festas, às 5 horas da manhã, vão comer só comida “fitness”: panelada, buchada, carneiro, salgado. Quando tem festa, principalmente no Marina Park, é coisa de louco.
O POVO - O que representa o Selo Sebrae?
Amauri Semente - O Selo Sebrae, para o nosso restaurante, é a cereja do bolo. Depois de muito esforço, junto aos consultores, a gente abre um leque de oportunidades e consegue uma visão totalmente diferente de antes. Já possuímos três. Lembro que, logo no início, a a gente não sabia como funcionava e pensava que talvez não recebesse nada. E o Sebrae mostrou que a gente é capaz. Todos são capazes. Basta você querer e você correr atrás.
O POVO - Qual foi a coisa mais marcante que já aconteceu nesses 40 anos de trabalho?
Irene Semente - A coisa mais marcante é que eu encontrei o meu amor no Mercado São Sebastião, pelo caldo de mocotó.
O POVO - E como foi essa história?
Amauri Semente - Eu merendava fora do mercado. Aí, um belo dia, a mulher que eu merendava adoeceu. Aí passou alguns dias eu pensei "Quer saber de uma coisa? Vou no mercado que lá tem comida". Parei casualmente no box dela e, durante dois anos, eu merendei lá, e ela não olhou pra minha cara. Ela atendia todo mundo, mas não me atendia. Até que chegou um dia que tivemos o nosso primeiro contato. Ela estava estressada e eu tinha ganhado um livro de parábolas, peguei e disse "Leia aí", ela leu, gostou e me pediu emprestado. Foi quando eu disse que ela poderia ficar com o livro e, desde aí, começamos a conversar. Pronto, essa história já tem mais de vinte anos.
O POVO - E quando a senhora finalmente o viu? Como se sentiu?
Irene Semente - Deus me livre. Te juro. Foi isso mesmo. As meninas diziam “aquele loiro ali tá vindo em tu” e eu “Deus me livre”. E hoje, estamos casados. É meu grande companheiro. A gente está nessa luta, nessa batalha juntos. O mercado não é fácil. Eu costumo brincar que é "o escravo São Sebastião". Porque o mercado só fecha quatro vezes ao ano: 25 de dezembro, 1º de janeiro, terça de carnaval e dia do comerciário. O resto do ano, de domingo a domingo, é aberto. E a gente folga quando dá.