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Dinheiro na mão: Renda do trabalho cresce 13% no Nordeste e ajuda a reduzir desigualdade
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Dinheiro na mão: Renda do trabalho cresce 13% no Nordeste e ajuda a reduzir desigualdade

| Desenvolvimento socioeconômico | Região obteve desempenho quase o dobro da média nacional no ano passado, segundo estudo da FGV Social que atestou movimento de diminuição da desigualdade não observado desde 2014
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 26-04-2025: Reportagem sobre pessoas que participam do programa Bolsa Família e estão inseridas no mercado de trabalho. Na foto, Vitória Sousa. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 26-04-2025: Reportagem sobre pessoas que participam do programa Bolsa Família e estão inseridas no mercado de trabalho. Na foto, Vitória Sousa. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Reconhecido como uma das regiões do Brasil com maiores problemas socioeconômicos, o Nordeste tem demonstrado uma redução na desigualdade nos últimos anos, quando obteve melhor avanço na renda do trabalho, segundo indica um estudo em desenvolvimento pela Fundação Getulio Vargas (FGV) a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.

Dados preliminares indicam que, entre os 10% mais ricos, a renda cresceu 6.7% no País. Dos 10% mais ricos até a mediana, o meio da distribuição, cresceu 8,7%. E, na metade mais pobre, cresceu 10,7%.

Mas a média brasileira ficou em 7,1%, enquanto a média da renda do trabalho no Nordeste expandiu 13% no último ano. Ambos os percentuais excedem a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) e sinalizam melhora na condição de vida das pessoas.

"A média nordestina cresceu quase duas vezes mais do que a média nacional. É algo que a gente observava no final da primeira década desse século, um crescimento mais forte no Nordeste. Está voltando a acontecer, quer dizer, a desigualdade está caindo em geral, mas tem a desigualdade horizontal, na qual o Nordeste aparece como um destaque em termos de renda de trabalho", analisa o pesquisador Marcelo Neri, diretor do FGV Social e coordenador do estudo.

Mais pessoas trabalhando por mais tempo e com melhor grau de instrução

A explicação para o desempenho do indicador considerado crucial para a equilibrar as questões socioeconômicas no País, acrescenta o pesquisador, é uma combinação de altas observadas em diferentes outros índices também pesquisados com frequência.

O aumento da participação das pessoas no mercado de trabalho, visto mensalmente no Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), é um deles. Mais pessoas trabalhando significa menos pessoas desempregadas e, logicamente, aumenta a média de renda da população.

Soma-se a isso jornadas de trabalho maiores - seja por carga horária de trabalho seja por horas extras, pois ambas as situações implicam em melhores ganhos ao trabalhador - e maior escolaridade dos empregados - condição que implica em melhor salário.

Com isso, houve um impulso, uma vez que "a desigualdade no Brasil, no mercado de trabalho, estava no ponto mais baixo da série em 2023, meio estabilizada nesse patamar e ficou meio enganchada desde 2014", após um movimento de queda observado desde 2001.

"Em 2014, esse processo de redução de desigualdade que os dados mostram é uma volta não só da queda da desigualdade em 2024, mas acompanhado de crescimento da média, quer dizer, todos ganham, mas os mais pobres têm aumentos maiores de renda", explica Neri.

Participação dos programas sociais

O contexto de um maior mercado de trabalho, no entanto, não anula a participação dos programas de transferência de renda, especialmente, do Novo Bolsa Família. Restabelecido em 2023, o programa foi remodelado e traz uma condição considerada crucial para este novo momento, segundo o pesquisador.

Uma vez empregado, o beneficiário do Bolsa Família passa a receber metade do valor pago pelo programa por dois anos, desde que a renda per capita familiar não exceda meio salário mínimo.

Em Fortaleza no mês passado, o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) disse que 6 milhões de brasileiros estão nesta condição hoje. Anualmente, comparou ele, 40 mil pessoas voltam ao Bolsa Família por perderem o emprego enquanto 140 mil saem.

"Essa regra de proteção não só trouxe estabilidade, proteção, como o nome sugere, mas deu um incentivo para as pessoas buscarem trabalho, um incentivo mais forte, quando a oferta de trabalho se tornou crítica. Que é um problema, falta de mão de obra, mas é um problema melhor do que o problema de desemprego", avalia o coordenador da FGV Social.

Perspectivas futuras

Instituída em 2023, a regra de proteção deu o impulso inicial ao movimento observado pelo professor de redução da desigualdade no mercado de trabalho. Mas ele aponta 2024 como o ano que trouxe "novidades" devido ao reaquecimento e a demanda por maior mão de obra no País.

Perguntado sobre 2025, Marcelo Neri classifica o ano como detentor de um "cenário desafiador e incerto", influenciado pela conjuntura internacional de guerra tarifária, inflação e juros altos).

"Mas eu acho que você partir de uma situação de aquecimento do mercado de trabalho, frente a esses choques externos é uma posição mais confortável", arremata. 

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Maria Clara Alves de Oliveira, 41, é artesã em Ipu, no Ceará
Maria Clara Alves de Oliveira, 41, é artesã em Ipu, no Ceará

Artesã é destaque em iniciativa de inclusão socioeconômica

Nunca que a artesã Maria Clara Alves de Oliveira, 41, pensou que o ofício aprendido aos oito anos com a mãe no interior do Ceará iria levar ela a conhecer a capital federal para receber um prêmio de reconhecimento pelo trabalho na redução da desigualdade no Estado. Mas aconteceu na última semana. A participação dela na Associação das Artesãs da Alegria, na qual ela produz peças em barro juntamente com outras 14 mulheres, foi uma das 11 iniciativas reconhecidas pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome como definidora na promoção da igualdade socioeconômica no Nordeste.

Todas foram clientes do Crediamigo, programa de microcrédito orientado do Banco do Nordeste. O BNB, por sua vez, foi reconhecido no mesmo prêmio pelo trabalho de inclusão produtiva e a redução da dependência de programas sociais por meio de iniciativas sustentáveis. E Maria Clara mostra merecimento ao contar sua história. "Eu comecei a trabalhar aos oito anos para poder comprar as minhas coisas. A minha mãe fazia peças de barro para criar três filhos, eu era a mais velha e a crise era grande. Já dos 10 para os 12 anos, eu comecei a ajudar a minha mãe a criar meus irmãos", recorda. O dia a dia de coletar o barro, preparar para a confecção das peças - à época, a mãe só produzia utensílios como potes e panelas - era exaustivo. A venda não era certa e dependia do movimento da feira para qual levavam a produção, em Ipu (295 km de Fortaleza).

Com o tempo, aprimorou o ofício. Hoje, faz "tudo o que você pode imaginar, de utensílios a peças decorativas, como luminárias", diz. Foi assim que criou as duas filhas, de 18 e 22 anos hoje, e ajuda na criação do neto recém-nascido, filho da mais velha, que tem apenas dois meses. Família que a motivou a aprimorar a condição do trabalho para melhorar a condição de vida. Desde 2001 entrou na Associação e fez o acesso a crédito e programas de transferência de renda ferramentas para ter uma vida melhor.

O microcrédito oferecido via Crediamigo, com quase 50 renovações de financiamentos quitadas sem atraso e que a orgulha, e o Bolsa Família foram cruciais para que Maria Clara não só ajudasse na redução da desigualdade socioeconômica da sua região como também participasse disso. Mesmo assim são insuficientes para manter o sustento da casa. Com o crédito, ela e as demais artesãs asseguram a produção vendida para a Central de Artesanato do Ceará (Ceart), em Fortaleza, e outras cidades como Sobral, Crateús, entre outras cidades.

Mas ainda é preciso ter uma roça de feijão, milho e outros cultivos para garantir comida para a família, que é complementada com as mensalidades do Bolsa Família. Dia a dia de superação que levou Maria Clara a sair do Ipu na última segunda-feira, 28, para receber, no dia seguinte, em Brasília, das mãos do ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), o Prêmio Nacional de Inclusão Socioeconômica, juntamente com mais 10 iniciativas cearenses.

A caixa que precisa de três rendas para sobreviver

Prestes a completar 22 anos, em outubro, o Bolsa Família (BF) segue garantindo uma renda mensal fixa para milhões de brasileiros. Vitória Sousa, 28, beneficiada pelo Programa, e uma de tantas mulheres chefes de casa, que geram renda trabalhando de carteira assinada e ainda exercem o trabalho informal, reitera a importância do benefício, mas ressalta que o valor não é suficiente. "E é exatamente por isso que eu sempre complemento com algum outro tipo de trabalho que me ajuda com uma renda extra. Faço papelaria personalizada, mas já fiz outros serviços."

Além do serviço informal que auxilia a sua renda, Vitória trabalha como operadora de caixa, em uma rede de lojas de departamento brasileira. Tem uma filha de 11 anos que apresenta frequência regular na escola. "Ela dificilmente falta, cobro muito para que ela não falte e que seja uma boa aluna. Mas, sinceramente, não é por causa do auxílio, é porque acredito que a educação pode dar um bom caminho para a vida dela."

Vitória mora no Cristo Redentor, bairro classificado com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na categoria muito baixo, sendo o indicador de renda de 0,04. Ela é uma entre os beneficiários do programa do Governo Federal que se beneficiaram da nova Regra de Proteção do Bolsa Família, mecanismo que permite aos usuários manter o auxílio mesmo após conseguirem trabalho.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), esse movimento tem gerado resultados positivos. É como uma ação de ajuda, em que o favorecido pode receber 100% ou 50% do Bolsa Família, seja trabalhando de carteira assinada ou desempregado.

Outra regra é que se a pessoa passar a apresentar renda per capita superior aos limites de renda do BF, desde que inferior a meio salário mínimo, pode continuar a receber o benefício por até dois anos, contados da data de atualização do cadastro.

Em suma, se os critérios de renda familiar per capita, definidos pelo programa, são respeitados, o benefício é mantido. Atualmente, a regra principal é que a renda familiar por pessoa seja de até R$ 218 mensais.

Por isso, mesmo que um membro da família tenha carteira assinada, se a renda total da casa não ultrapassar esse limite, a família pode continuar a receber.

Isso significa que o trabalho formal não desqualifica automaticamente alguém para o Bolsa Família, o que realmente conta é a renda total e o número de pessoas na casa.

Neste cenário, ao ser questionada se em algum momento o seu benefício foi cortado, Vitória explicou: "Isso já aconteceu, inclusive quando eu estava trabalhando em uma outra empresa, toda vida que eu começava a trabalhar formalmente, o Bolsa Família era suspenso, agora (com a nova regra) não, estou trabalhando de carteira assinada e ele continua caindo normalmente."

"Além disso, se eu pudesse mudar algo no Programa, eu acho que começaria pelo dinheiro, porque é muito pouco para a gente que precisa de tanto. O valor é realmente muito pouco, eu recebo R$ 325, ajuda, mas não complementa diretamente. Todo mês tenho que pagar água, luz, alimentação para mim e para minha filha, e está tudo ficando cada vez mais caro. O preço das coisas sobe, mas o benefício não, então, fica difícil de entender. Acaba que sobra uma quantia muito pouca, que não dá para fazer quase nada." (Filipe Vasconcelos/Especial para O POVO)

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