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Adoção de apostilas e vendas online põem em risco os sebos
Economia

Adoção de apostilas e vendas online põem em risco os sebos

A tradicional feira do livro da Praça dos Leões perde movimento ano após ano com mudanças no mercado
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DONA CARMEM atua há 30 anos com sebo no Centro de Fortaleza (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES DONA CARMEM atua há 30 anos com sebo no Centro de Fortaleza

Uma série de mudanças de comportamento do consumidor e também de mercado põe em risco a continuidade da feira de livros na Praça dos Leões. O POVO conversou com feirantes que disseram que há pelo menos cinco anos percebem a queda no movimento ano após ano.

Entre os motivos descritos como causadores da perda de relevância do espaço para os consumidores de materiais didáticos que compram para o ano letivo está o avanço da digitalização - com as ofertas das plataformas de e-commerce - além da adoção de apostilas de redes de ensino pelas escolas particulares.

Nesta relação, os responsáveis de alunos reclamam. Germano Lúcio, 54, conta que a filha Gabriela vai cursar o 8º ano do Ensino Fundamental e ele tem gastado sola de sapato para economizar.

Ele conta que tem ido aos sebos da Praça dos Leões em busca de kits de apostilas usados. Germano revela que no ano passado comprou os livros da filha por cerca de R$ 1.500. Já neste ano, o custo chega a algo próximo de R$ 3 mil se for comprar o material na escola.

Sem revelar o nome da instituição de ensino em que a filha estuda, ele disse já se deparou com caso em que nem as livrarias ofertavam os materiais da lista, apenas a escola.

Por isso, reclama: "Os pais ficam sem alternativa. Você tenta recorrer ao sebo, mas nem sempre consegue encontrar o que precisa, por conta dessas mudanças constantes nas edições. Os livros com pequenas modificações acabam se perdendo, acumulando, e o ciclo se repete ano após ano".

"No meu tempo de estudante, um livro era usado por dois ou três anos e passava de mão em mão. Hoje, as editoras trabalham para evitar isso. Vemos um monopólio formado pelas editoras junto com os colégios", continua.

O POVO conversou com outros pais e responsáveis por alunos de escolas particulares que fizeram reclamações similares. Em um dos casos, uma mãe de aluno que preferiu não ser identificada disse que comprou as apostilas por mais de R$ 2.500 e tentou negociar com os feirante, mas nenhum aceitou trocar o material.

Gerson Matos, 60, também conhecido como "Gerson dos Livros", diz que aumentam os casos de apostilas que não têm reaproveitamento, o que prejudica não só os pais, mas também os sebos.

"Esse processo de adotar apostilas gera muito prejuízo e os pais de alunos ficam revoltados. Eles chegam aqui e reclamam: “Paguei mais de R$ 2.000 e agora não serve mais para nada”."

Gerson diz que, nestes casos, não consegue trocar ou negociar pois ficaria com prejuízo.

"Essas trocas de livros caíram bastante porque, todo ano, os colégios renovam os materiais. Há 10 anos, essa feira era muito diferente. Sexta-feira, por exemplo, a esta hora, você não conseguia nem andar na praça, de tanta gente que vinha atrás de livros", conclui.

Há 30 anos com sebo na feira do livro da Praça dos Leões, Carmecita Chaves, 59, lembra dos áureos tempos do espaço, quando no período de férias os pais se espremiam em busca de trocas e compras de materiais didáticos usados.

Hoje, o principal movimento de pessoas ocorre aos sábados, ainda assim bem aquém do que já foi há pelo menos cinco anos.

"Mudou bastante não só por causa das editoras, mas também pela internet. As pessoas compram muito online, pela OLX e Amazon e isso acabou afetando as vendas por aqui", diz a feirante, conhecida como Dona Carmem.

O POVO entrou em contato com o Sindicato dos Estabelecimentos de Educação e Ensino da Livre Iniciativa do Estado do Ceará (Sinepe) e questionou sobre o aumento de preços dos materiais escolares vendidos de forma exclusiva nas escolas.

A entidade não respondeu, mas compartilhou um "esclarecimento" sobre os reajustes de anuidade escolar, em que afirmam que os aumentos serão feitos de forma "justa e transparente", mas que não controla ou define os reajustes anuais.

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Fachada do Procon Fortaleza no centro da Cidade
Fachada do Procon Fortaleza no centro da Cidade

Os direitos do consumidor em caso de aumento abusivo

Sob o ponto de vista do direito do consumidor, a instituição de ensino não pode exigir que a compra dos materiais escolares seja feita exclusivamente na própria escola, explicou a presidente do Procon Fortaleza, Eneylândia Rabelo.

Segundo ela, a exclusividade só deve ocorrer em casos em que "sejam materiais exclusivos, como apostilas ou materiais didáticos próprios do sistema de ensino".

"Quando falamos desses materiais exclusivos, orientamos que os pais têm o direito de incluir o valor desses materiais na anuidade escolar. Ou seja, o pagamento pode ser parcelado dentro da mensalidade, como parte do contrato escolar. Neste contrato, tudo isso precisa estar especificado", apontou.

Em relação ao caso dos aumentos de preços, Eneylândia orientou que os pais que julgarem o aumento como abusivo podem denunciar ao Procon Fortaleza para que uma investigação ocorra e a escola possa ser notificada e obrigada a justificar os valores.

"Sabemos que o mercado pode definir seus preços, mas não pode haver abuso. Quanto ao reaproveitamento de materiais do ano anterior, se a escola argumentar que a edição está ultrapassada, também podemos notificá-la para entender o que foi alterado no material que justifique essa troca. É essencial verificar se há realmente uma necessidade ou se é apenas uma forma de obrigar a compra de novos materiais", disse.

INFLAÇÃO

Segundo a Associação Brasileira de Fabricantes e Importadores de Artigos Escolares (ABFIAE), em 2025, o preço do material escolar deve aumentar entre 5% e 9%, impulsionados pela inflação, elevação nos custos de produção e a alta do dólar.

AUMENTO DE CUSTOS

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva e QuestionPro estimou que as famílias brasileiras gastaram R$49,3 bilhões com materiais escolares em 2024, o que representa um aumento de 43,7% nos últimos quatro anos.

O QUE NÃO PODE SER COBRADO PELAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

As principais reclamações que chegam ao Procon Fortaleza:

1. Exigência de compra na própria escola de materiais não exclusivos, que estão disponíveis em outros estabelecimentos.

2. Solicitação de materiais de uso coletivo, como grampos, quadros brancos, materiais de limpeza, pois devem estar incluídos nos custos administrativos da mensalidade escolar.


3. Retenção de documentos de alunos inadimplentes é considerado ilegal. Seja certificado ou transferências, os documentos não podem
ser retidos.

Segundo o Procon Fortaleza, em 2024 foram notificadas cerca de 60 escolas por cobranças de listas de materiais escolares.

No processo de notificação, o Procon orienta sobre a legislação federal e portarias municipais, deixando claro o que pode ou não ser cobrado.

Caso a escola insista em práticas abusivas, pode ser apenada com multas que chegam a R$ 18 milhões ou até mesmo interdição.

As estratégias para garantir a sobrevivência dos sebos de livros

A movimentação de clientes na feira do livro da Praça dos Leões vem caindo nos últimos anos e os donos de estabelecimentos têm buscado digitalizar os processos para garantir negócios. Assim, uma feira digital se forma aos poucos.

Emílio da Silva, 58, proprietário do Sebo Estudantil, revelou que possui conta na plataforma "Estante Virtual", de compra, venda e troca de livros. Hoje, 80% dos negócios fechados são possíveis por meio da demanda do digital.

"Para mim, o online está melhor. Minha filha cuida disso, cadastrando rápido os produtos. Quanto mais material cadastramos nesse período, melhor o resultado", afirmou.

Ele lamenta que a filha tenha viajado e, por alguns dias, deve diminuir as vendas no ambiente online. Desde o fim do ano passado, a família tem trabalhado para cadastrar o máximo de livros na plataforma. Emílio disse que na plataforma muitos livros são ofertados com descontos no frete, por exemplo, e recebe demanda de todo o País, mas que os consumidores de Fortaleza se destacam no público.

"Hoje o pessoal prefere comprar pela internet. Até mesmo por questões de conveniência, porque muitos não querem mais vir até o Centro", complementou.

Outra tática para vender mais fora do ambiente virtual é dar descontos maiores que as plataformas digitais. Emílio está sempre com o site da Amazon aberto para comprar preços e oferecer descontos maiores do que a gigante do e-commerce.

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