O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou ontem, com aproximadamente 15 vetos, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 68/2024, que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo.
A votação foi concluída pelo Congresso Nacional no fim do ano passado, e agora o PLC é convertido em Lei Complementar 214.
O texto de regulamentação foi assinado no limite do prazo legal e trata das regras de unificação dos tributos existentes no Imposto Sobre Valor Agregado (IVA Dual), que se subdivide em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), arrecadado em nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de estados e municípios.
Além disso, será instituído o Imposto Seletivo (IS), o chamado "imposto do pecado", que é uma sobretaxa aplicada sobre determinados produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A nova legislação promove, gradualmente, a substituição de cinco tributos: os federais PIS, Cofins, IOF-Seguros, IPI e o estadual ICMS e municipal ISS. O processo de transição para o novo modelo, com o IVA Dual, começa em 2027 e vai até 2033.
Além da redução e simplificação de tributos, a regulamentação da reforma traz novidades como o cashback (devolução parcial para os mais pobres), impostos reduzidos para imóveis e cesta básica nacional isenta, o que abrange o prato feito, englobando de arroz, feijão e carnes, além de farinha de mandioca, farinha de trigo, açúcar, macarrão e pão comum etc.
A lei também cria regimes diferenciados, com redução de alíquotas do IBS e da CBS, a profissionais intelectuais, serviços de saúde e educação, produtos de higiene pessoal utilizados por pessoas de baixa renda, serviços e operações ligados à segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética, produtos agropecuários, florestais e extrativistas, além de produções artísticas e culturais. .
As alíquotas de referência dos novos impostos serão fixadas por resolução do Senado Federal. Para a CBS, deverá ser definida para valer a partir de 2027. Já para o IBS, será determinada para valer a partir de 2029.
Sobre a alíquota que o brasileiro pagará, o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, afirmou que, nos próximos dias, o Governo federal irá divulgá-la. De acordo com ele, deve ficar em torno de 28%. Porém, o Congresso aprovou uma trava de 26,5% (soma dos percentuais da CBS e do IBS). Assim, o governo terá que enviar um projeto de lei complementar para rever benefícios fiscais, ajustando a carga tributária ao teto.
Em 2026, haverá uma fase com alíquotas de testes para a CBS e o IBS. De 2027 a 2033, elas sobem gradualmente, com os tributos atuais deixando aos poucos de ser cobrados. Para o IBS, a cobrança vai de 2029 até 2033, quando substituirá definitivamente o ICMS e o ISS.
De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente Lula vetou alguns trechos do projeto de lei aprovado que não mexem com as "decisões de mérito" do Congresso Nacional, que decidirá se vai manter os vetos.
Dentre os vetos, o governo incluiu trecho do projeto que isentava fundos de investimento e fundos patrimoniais de pagarem os impostos unificados a serem implementados pelo novo modelo. A justificativa é a de que a concessão de um benefício fiscal aos fundos não está prevista na Constituição. Também foi vetada a permissão para que o Imposto Seletivo não incidisse sobre exportações de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O presidente Lula vetou ainda o trecho que criava, na estrutura do Ministério da Fazenda, a Escola de Administração Fazendária (Esaf); e o que estabelecia o desconto de 60% na tributação de seguros para dispositivos furtados ou roubados e serviço de proteção e ressarcimento de transações bancárias indevidas. (Com Agências Brasil, Estado, Senado e Câmara de Noíticas)
Entenda o que vai ter mais e menos imposto
ALIMENTOS
- Cesta básica nacional, com alíquota zero
• Açúcar
• Arroz
• Aveias
• Café
• Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras)
• Cocos
• Farinha de mandioca e tapioca
• Farinha de trigo
• Feijões
• Fórmulas infantis
• Grão de milho
• Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado; leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica
• Manteiga
• Margarina
• Massas alimentícias
• Mate
• Óleo de babaçu
• Pão francês
• Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos)
• Queijos tipo muçarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino
• Raízes e tubérculos
• Sal
- Alimentos com redução de 60% em relação à alíquota padrão
• Amido de milho
• Bolacha
• Crustáceos (exceto lagostas e lagostim)
• Extrato de tomate
• Farinha, grumos e sêmolas, de cereais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais
• Fruta de casca rija regional, amendoins e outras sementes
• Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos;
• Massas alimentícias;
• Mel natural
• Óleo de soja, de milho, canola e demais óleos vegetais (com exceção de óleo de babaçu, que está na cesta de 100%)
• Pão de forma
• Polpas de frutas sem açúcar, edulcorantes e conservantes
• Produtos hortícolas
• Sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem açúcar, edulcorantes e conservantes
IMPOSTO SELETIVO
- Alíquota extra sobre os seguintes produtos que prejudicam a saúde ou o meio-ambiente:
• Bebidas açucaradas
• Bebidas alcoólicas;
• Bens minerais
• Concursos de prognósticos e fantasy sport
• Embarcações e aeronaves
• Produtos fumígenos (cigarros e relacionados)
• Veículos
- Exportações de minérios estarão isentas de Imposto Seletivo.
CASHBACK
- 100% de devolução da CBS e de pelo menos 20% do IBS à população de baixa renda sobre:
• Água
• Botijão de gás
• Contas de telefone e internet
• Energia elétrica
• Esgoto
- Demais produtos e serviços com devolução de 20% da CBS e do IBS.
- Devolução beneficiará população inscrita no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). No IBS, caberá aos estados e aos municípios definir se devolução será maior que 20%.
NOVOS SETORES COM REDUÇÃO DE ALÍQUOTA EM 60%:
• Dispositivos de acessibilidade
• Ensino infantil, fundamental e médio
• Insumos agrícolas
• Itens de higiene pessoal, como sabões, escovas de dente e papel higiênico
• Produções nacionais artísticas, obras, eventos
• Serviços de saúde e dispositivos médicos
PROFISSIONAIS LIBERAIS
- Um total de 18 profissões regulamentadas pagarão 30% a menos de IVA. As atividades beneficiadas são as seguintes:
• Administradores
• Advogados
• Arquitetos e urbanistas
• Assistentes sociais
• Bibliotecários
• Biólogos
• Contabilistas
• Economistas
• Economistas domésticos
• Engenheiros e agrônomos
• Estatísticos
• Médicos veterinários e zootecnistas
• Museólogos
• Profissionais de educação física
• Profissionais de relações públicas
• Químicos
• Técnicos agrícolas
• Técnicos industriais
NANOEMPREENDEDOR
- Além do microempreendedor individual (MEI), regime criado em 2008 para beneficiar quem fatura até R$ 81 mil por ano, o Congresso criou a figura do nanoempreendedor, profissional autônomo que fatura até R$ 40,5 mil por ano (R$ 3.375 por mês). Esse limite equivale à metade do faturamento do MEI.
- O nanoempreendedor poderá escolher entre ficar no Simples Nacional, regime simplificado para micro e pequenas empresas com taxação em cascata, ou migrar para o IVA, com alíquota maior, mas não cumulativo. Se migrar para o IVA, o nanoempreendedor deixará de contribuir para a Previdência Social.
APLICATIVOS
- O imposto sobre a receita bruta de motoristas de aplicativos ou entregadores incidirá apenas sobre 25% dos ganhos com corridas. Se esses 25% forem menores que R$ 40,5 mil por ano, o profissional de aplicativo também será enquadrado como nanoempreendedor.
MEDICAMENTOS
- Todos os medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e fórmulas produzidas por farmácias de manipulação terão desconto de 60% na alíquota. Cerca de 400 princípios ativos para tratamentos graves terão alíquota zerada.
- Alguns produtos médicos e serviços de saúde terão alíquota reduzida em 60%, como produtos de home care (cuidado de pacientes em casa), serviços de instrumentação cirúrgica e de esterilização. Medicamentos, vacinas e soros de uso veterinário também pagarão 60% a menos de imposto.
PLANOS DE SAÚDE
- Empresas poderão considerar como crédito de IBS e CBS planos de saúde comprados para funcionários.
- Planos de saúde para animais domésticos terão redução de 30% na alíquota.
IMÓVEIS
- Desconto de 50% na alíquota geral nas transações do mercado imobiliário.
- Isenção de IVA para pessoas físicas com imóveis de aluguel, desde que renda das locações sejam menores que R$ 240 mil por ano e proprietários tenham menos de três imóveis alugados. Acima desses limites, o locador, inclusive pessoa física, terá de incluir o IVA sobre o cálculo do aluguel.
BARES, HOTÉIS, RESTAURANTES E PARQUES
- Simplificação no cálculo do regime específico para esses setores, com alíquota reduzida em 40% e exclusão das gorjetas da base de cálculo. Venda de bebidas alcoólicas continua a pagar alíquota-padrão.
- Como contrapartida, quem compra produtos ou serviços desses setores não poderá deduzir créditos da CBS e do IBS
REFINARIA DA AMAZÔNIA
- Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vetou artigo que incluía o setor de refino na Zona Franca de Manaus. Incluído pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da lei complementar no Senado, esse ponto beneficiou uma única empresa na Região Norte, a Refinaria da Amazônia (Ream).
- Segundo secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, governo não vetou artigo para evitar que outras empresas fossem incluídas na Zona Franca.
Fonte: Com Agência Brasil
Reforma tributária: Momento histórico, mas com longo caminho
Na análise de especialistas, a sanção da primeira lei que regulamenta a reforma tributária no Brasil marca um momento histórico para o sistema tributário nacional. Isso porque a proposta tem como objetivo simplificar a complexidade da malha tributária brasileira, buscando maior eficiência e modernização. No entanto, a avaliação é que ainda há um longo caminho para que se possa mensurar os impactos concretos da reforma, sendo crucial observar a implementação cuidadosa das novas regras.
Segundo Adriana Pontes Barros, sócia da consultoria tributária da Abax Auditoria e Consultoria, mesmo com a simplificação, alguns setores, como serviços e construção civil, já identificam possíveis aumentos na carga tributária, o que pode gerar desafios para empresas desses segmentos.
“É, portanto, uma transformação que exige acompanhamento atento e contínuo, para avaliar eventuais ajustes e mitigar impactos adversos.”
Dentre os principais pontos elencados por Adriana está a unificação de tributos e bases de cálculo. Para ela, isso promete reduzir a burocracia e os custos operacionais relacionados à gestão tributária.
No que tange à competitividade, a especialista diz que ao diminuir a carga tributária sobre a produção nacional e mitigar a guerra fiscal entre os estados, a reforma tem o potencial de tornar o Brasil mais competitivo globalmente.
Outro ponto é a questão da previsibilidade proporcionada pelas novas normas. “Pode favorecer um planejamento tributário mais seguro, incentivando investimentos e, consequentemente, a geração de empregos”, frisa.
Nos impactos para a sociedade, ela acredita na redução de custos, sobretudo nos produtos essenciais, com o consumidor acessando preços mais competitivos.
Além de maior justiça tributária e maior eficiência na arrecadação, possibilitando investimentos em áreas prioritárias, como educação e infraestrutura.
“Empresas e contribuintes devem manter um monitoramento constante para se adaptar às mudanças e identificar oportunidades e riscos associados à implementação das novas regras”, complementa.
E para a advogada tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret) a reforma tem pontos de melhoria.
“Os estados vão perder o poder de arrecadar, porque a arrecadação vai ser feita toda pelo comitê gestor, que vai legislar, arrecadar e somente depois distribuir a arrecadação. Esperamos que realmente melhore a economia brasileira. Embora, por exemplo, o setor de prestação de serviço vai ter aumento muito grande de carga tributária e aumentando a tributação, isso aumenta o que as pessoas pagam por esses serviços.”
Sobre o cash back, Mary destaca que ele deveria funcionar como devolução do tributo para os pobres como foi prometido. “É apenas 20% do que o pobre paga, e aqui consideramos pobre quem ganha até 700 reais mensais. Vai retornar para esse público. Então não é verdade que o pobre vai ter de volta todo o imposto pago”, conclui.