A proposta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) considera como o “maior programa de crédito do País” pode deixar o crédito consignado mais barato, mas o assédio bancário preocupa especialistas. A medida prevê a criação de uma plataforma para que bancos acessem o perfil de crédito de trabalhadores com carteira assinada (CLT).
A iniciativa volta-se aos celetistas, agregando informações via sistema eletrônico eSocial, o qual unifica dados trabalhistas, previdenciários e fiscais tanto dos empregadores quanto dos empregados brasileiros. Lula deve enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional ou editar uma medida provisória sobre o tema, com previsão para fevereiro.
O crédito consignado já é uma medida que atrai muitos trabalhadores, servidores públicos, aposentados e pensionistas, pois as taxas de juros são mais baixas em comparação a outras formas de crédito. Isso porque há desconto do empréstimo diretamente na folha de pagamento. A novidade pode, assim, deixar a modalidade mais atrativa, com ressalvas.
O presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Diego Perez, que esteve em reunião com o governo para tratar do tema junto a instituições financeiras, enxerga o barateamento dos juros como um caminho natural. O novo consignado conseguiria usar como garantia o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Apesar das regras do programa não terem sido divulgadas, a expectativa é que os limites do novo consignado permaneçam nos moldes atuais, como o teto de 30% do salário comprometido com o empréstimo e 10% do saldo do FGTS. Atualmente, os celetistas conseguem o consignado se houver convênios entre as empresas e os bancos.
“Hoje, só quem trabalha em grandes empresas têm acesso a esse tipo de crédito, geralmente condicionado a convênios específicos com uma instituição financeira. Com a integração via eSocial, o empregado poderá escolher a instituição que oferecer a melhor proposta, aumentando sua liberdade de escolha e evitando possíveis constrangimentos”, segundo Diego.
O economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Renan Pieri, também ponderou que a iniciativa pode reduzir o endividamento, pois poderia ter uma substituição de formas mais caras de crédito para mais baratas. Todavia, se for utilizado como uma forma adicional de crédito, levantaria riscos de um aumento da inadimplência.
Questionado, ainda, sobre um eventual teto de juros no novo consignado, ele vê a decisão como controversa. “Por um lado, ele impede a cobrança de juros abusivos, mas, por outro, pode limitar a oferta de crédito. Se os bancos considerarem que o valor do teto não compensa a oferta acima de determinado nível de crédito, algumas pessoas podem acabar sem acesso.”
Outro ponto de atenção é em relação ao assédio bancário, especialmente no ambiente virtual. A especialista em finanças do SPC Brasil/CNDL "Serviço de Proteção ao Crédito / Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas" , Merula Borges, destacou que o assédio bancário aumentou muito com as redes sociais, onde são oferecidos cartões de crédito e empréstimos de forma constante.
“Muitos consumidores não entendem o produto financeiro e acabam assumindo créditos sem avaliar bem. (...) Acredito que é importante que os consumidores tenham alternativas para recusar esse tipo de oferta, principalmente nas redes sociais, e que evitem tomar crédito sem entender completamente os termos”, segundo Merula.
Para Renan, o uso dos dados via eSocial deve ser bem regulamentado e fiscalizado, pois, de fato, há um risco de compartilhamento de informações. “Como em toda política pública, podem ocorrer efeitos colaterais. Nesse caso, a ampliação do crédito consignado, que é algo positivo, pode trazer o compartilhamento adicional de informações como um desafio.”
“É importante lembrar que isso já acontece nessa modalidade de crédito com trabalhadores de empresas que possuem convênios com bancos. E isso não tem sido um problema que chame excessivamente a atenção no Brasil. Portanto, acho que é um risco que, embora exista, pode valer a pena ser assumido. Além disso, ajustes podem ser feitos futuramente”, destacou.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, acredita que a centralização das informações tem potencial para melhorar a performance do crédito consignado privado no Brasil, já que hoje movimenta R$ 40 bilhões de um total de R$ 675 bilhões em crédito distribuído no País.
A Febraban participou ao lado dos ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego das discussões para lançamento da plataforma do crédito consignado privado. Trabalho que durou um ano, disse Isaac em coletiva.
"Estamos apostando nessa interlocução porque nós confiamos que tendo uma plataforma que possa centralizar a gestão do crédito consignado entre empresa, banco e trabalhador, nós temos um grande potencial de fazer com que o crédito consignado privado no Brasil possa de fato a decolar", afirmou.
Questionada sobre as questões levantadas sobre o projeto, informou que aguardará o lançamento formal da plataforma por parte do Governo Federal para melhor se manifestar sobre as críticas ao tema. (Colaborou Samuel Pimentel)
Educação financeira é crucial para evitar riscos com crédito
O presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin), Reinaldo Domingos, destacou que, apesar de parecer vantajoso, o crédito consignado pode levar a uma redução significativa do salário líquido mensal dos trabalhadores e agravar problemas de desequilíbrio financeiro, sendo crucial a educação financeira.
Embora o crédito consignado apresente taxas de juros aparentemente menores em comparação a outras opções, como cheque especial e cartão de crédito, ele não está isento de riscos. "É uma armadilha para muitos trabalhadores que buscam alívio imediato para suas dívidas", afirmou.
O presidente da Abefin também acredita que usar o crédito consignado para quitar outras dívidas não resolve a raiz do problema, apenas adia o efeito, sendo essencial uma mudança no comportamento financeiro. Reinaldo ainda ressaltou que o FGTS deve ser preservado para momentos de necessidade, a exemplo das demissões sem justa causa.
A inadimplência crescente no Brasil demonstra a urgência da conscientização sobre o uso do crédito na visão do especialista. É preciso calcular os impactos e os juros. O ideal é usar o crédito de forma consciente, após uma análise detalhada das finanças e da necessidade real do empréstimo, conforme o especialista.
Taxa média de juros das operações de crédito no Brasil
Fonte: Banco Central | Dezembro de 2024
Saldo da carteira de crédito com recursos livres no Brasil
Fonte: Banco Central | Dezembro de 2024