Os fiscos estaduais estão monitorando dados de movimentações de Pix e outros meios eletrônicos de bancos digitais para fiscalizar o recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS) e combater a sonegação de empresas. No Ceará, contribuintes já estão sendo notificados e, em alguns casos, multados, por meio do mecanismo.
A constitucionalidade do Convênio ICMS 134/2016 que obriga instituições financeiras e intermediários de pagamentos a compartilhar informações sobre transações com as secretarias estaduais para melhorar a fiscalização desses órgãos foi validada, em setembro passado, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, a Corte entendeu que as novas regras não envolvem a quebra de sigilo bancário nem decretam o fim desta obrigação. A ação foi apresentada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif).
Na análise do mérito, a maioria dos ministros do Supremo entendeu que a medida não viola o sigilo bancário dos contribuintes. Apenas um ministro, Gilmar Mendes, foi contra, questionando a capacidade dos estados de realizar essa fiscalização com segurança sem violar o sigilo bancário.
Adriana Queiroz, contadora e administradora sócia da Wert Consultoria, explica que
os dados já estavam disponíveis com a Receita e o compartilhamento permitiu a ampliação da base da qual os fiscos estaduais têm acesso.
Segundo ela, já existem casos de contribuintes impactados com a medida, sendo cobrados a prestar esclarecimentos sobre movimentações financeiras nos últimos anos, principalmente
relacionadas ao Pix.
Relata ainda que um cliente de seu escritório tem uma empresa de médio porte notificada por movimentações de Pix dos anos de 2023 e 2024. Juntando os valores em débitos com o Fisco, chega-se a R$ 1 milhão. “É como se estivessem de olho no prazo de prescrição de dívidas de até cinco anos.
O POVO entrou em contato com a Sefaz-CE e a Secretaria Municipal de Finanças (Sefin) questionando sobre a fiscalização, seus efeitos e as cobranças aos contribuintes.
A Sefaz informou, por meio de nota, que utiliza dados fornecidos pelas instituições financeiras e meios de pagamento na Declaração de Informações de Meios de Pagamentos (DIMP) para identificar possíveis inconsistências de empresas do Simples Nacional desde 2019.
“A disponibilização das informações em questão é uma obrigação das instituições e intermediadores financeiros e de pagamento desde 2016, por meio do Convênio ICMS 134 do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz), procedimento validado em decisão recente do Supremo Tribunal
Federal (STF)”, imformou.
Já a Secretaria Municipal das Finanças (Sefin) frisa que mantém um cruzamento de dados com a pasta do Estado, mediante convênio firmado entre ambas as instituições. Esse convênio tem o objetivo estabelecer uma cooperação mútua voltada ao controle, à fiscalização e ao intercâmbio de informações.
“Por meio desse compartilhamento de dados entre os fiscos, a Sefin recebe da Sefaz informações comparadas com aquelas declaradas pelo contribuinte. Caso sejam identificadas divergências, a Sefin realiza um procedimento de monitoramento, no qual o contribuinte é notificado e tem a oportunidade de apresentar justificativas ou de se autorregularizar perante o fisco.”
STF autoriza estados a acessar dados bancários, inclusive o Pix
O Supremo Tribunal Federal (STF) validou o Convênio ICMS 134/2016, em que obriga as instituições financeiras e intermediários de pagamentos devem compartilhar informações sobre transações às secretarias estaduais da Fazenda ao entender que esse procedimento não fere o sigilo bancário dos contribuintes.
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Flávio Dino, Dias Toffoli e Luiz Fux. O ministro Gilmar Mendes abriu divergência, ao entender que, diferente da Receita Federal, os estados não dispõem de normas que garantam a segurança e o uso adequado dessas informações.
Convênio ICMS 134/2016
Quais informações serão repassadas?
Sobre transações realizadas por meio de cartões de crédito, débito, Pix e outros meios eletrônicos para as administrações tributárias estaduais.
De que forma esses dados serão usados?
Para garantir o sigilo fiscal, os dados são usados exclusivamente para fins de arrecadação, permanecendo protegidos no sistema fiscal, sem violação ao sigilo bancário.
O que é a autorregularização tributária?
A autorregularização tributária é o procedimento por meio do qual o próprio contribuinte (ou responsável tributário) corrige as inconsistências identificadas pelo Fisco mediante processamento eletrônico de dados. A autorregularização oferece ao contribuinte (ou responsável tributário) a possibilidade de sanar espontaneamente descumprimento de obrigação tributária que poderia resultar em sanções administrativas
e penais.
Quais as situações em que o contribuinte é notificado?
O cruzamento de dados identifica possíveis indícios de descumprimento de obrigação tributária que poderiam resultar em sanções. Isso pode gerar a aplicação de multas sobre o imposto devido e a representação fiscal para fins penais por prática de crime contra a ordem tributária. A principal causa de inconsistências ocorre pela falta de emissão de documentos declaratórios ou incoerência entre valores declarados quando comparados com notas emitidas.
Fonte: Receita Federal/STF
Contribuintes impactados pela medida
No Ceará, algumas empresas já estão sendo notificadas e especialista alerta para dificuldade em regularizar a situação em algumas situações.
Renan Cavalcante, advogado sócio da Novais Cavalcante Advogados e conselheiro do Contencioso Administrativo Tributário da Sefaz-CE, avalia que a medida deve potencializar os meios de fiscalização contra a sonegação de impostos ao torná-la mais rígida.
Ele pontua que, até então, havia casos de contribuintes com declarações indicando um perfil, enquanto as movimentações financeiras - de cartões, Pix, TED - eram diferentes.
Segundo ele, mesmo com a decisão do STF de flexibilizar esse acesso em relação ao sigilo bancário, os fiscos não têm acesso direto a quem os contribuintes transferem valores, mas sim pela frequência e quanto, facilitando a fiscalização ao permitir cruzar movimentações de Pix e outros meios de pagamentos digitais com as declarações entregues à Receita ou Sefaz.
Renan afirma ainda que a medida deve prevenir não só a sonegação de imposto, mas auxiliar no combate ao crime organizado, ao permitir enxergar o fluxo do dinheiro, deixando as autoridades menos dependentes de declarações do contribuinte ou de fiscalizações manuais.
Ainda assim, há desafios relevantes, principalmente em relação à como essa ferramenta será usada pelo Fisco, especialmente ao delegar aos contribuintes a obrigação de rastrear e fiscalizar movimentações Pix de três, quatro anos atrás.
"Uma questão é eu te perguntar hoje sobre um Pix feito ontem, ou anteontem, ou semana passada. Agora, se eu perguntar sobre um Pix de quatro anos atrás… Então estamos falando de fiscalizações feitas quatro, cinco anos depois. E aí fica difícil para o contribuinte explicar todas essas movimentações retroativamente", pontua.
Para ele, esse tipo de situação acaba penalizando os pequenos negócios, que não têm condições de manter uma grande estrutura de departamento contábil e fiscal.