A Justiça Federal do Ceará decidiu em caráter liminar que está proibida a cobrança de ingresso ou qualquer outra forma de restrição tarifária que impeça o acesso à Vila de Jericoacoara. A medida está ligada ao início de cobrança de ingressos para acesso ao Parque Nacional (Parna) de Jericoacoara, suspensa desde dezembro de 2024.
O município reclamou à Justiça Federal que a cobrança de ingressos impactaria os visitantes da Vila de Jericoacoara, que fica "cercada" geograficamente pela área do Parque Nacional, mas possui gestão municipal, diferente do Parna, que é federal e teve gestão concedida à concessionária.
Na decisão, o juiz federal Sérgio de Norões Milfont Junior, da 18ª Vara Federal de Sobral, deferiu parcialmente ao pedido da Ação Civil Pública impetrada pelo município de Jijoca de Jericoacoara.
O magistrado entende que a cobrança deve afetar os interessados em visitar os atrativos do Parque Nacional, tais como a duna do pôr do sol, a pedra furada, a árvore da preguiça, as diversas lagoas etc. "O que não é razoável é que a concessão se baseie na cobrança de ingresso de quem pretende apenas chegar à Vila".
O equipamento foi concedido no ano passado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a concessionária Urbia Cataratas Jericoacoara por 30 anos. Estava previsto cadastramento de moradores locais e visitantes da Vila, o que não foi finalizado ainda.
Outro pedido da Ação Civil Pública, sobre a realização de obras pela concessionária no parque, não foi deferido. O juiz federal entendeu que as intervenções não necessitam de qualquer licenciamento ou autorização do órgão municipal, sendo suficiente a autorização do ICMBio.
O pedido de liminar foi impetrado pelo município no fim de 2024 após indefinições sobre o cadastramento de moradores e trabalhadores da praia de Jericoacoara, pois, segundo o contrato de concessão, estes não poderiam ser cobrados, assim como os visitantes da Vila.
Todo o imbróglio ocorre porque o Parque Nacional, que cerca a Vila, tem jurisdição federal, sendo concedido para administração privada, com instituição de ingresso para adentrar ao local. Porém, a cidade em si é do município e os moradores e a Prefeitura não querem que haja pagamento para acesso ao espaço.
No último dia 27, O POVO noticiou que audiência pública foi realizada e que o Ministério Público Federal (MPF) se posicionou por manter a suspensão da cobrança de ingressos aos interessados em visitar apenas a Vila de Jericoacoara.
Vale frisar que o Parna é uma área muito maior da União, protegida, com dunas, lagoas e outros ecossistemas a serem explorados turisticamente pela iniciativa privada, enquanto a localidade municipal oferece hospedagem, restaurantes e lojas, com acesso restrito a veículos.
Inclusive, a Prefeitura de Jijoca exige a Taxa de Turismo Sustentável do Destino, no valor de R$ 41,50, por pessoa, para uma estada de até dez dias.
Na decisão liminar, o juiz federal entendeu que, por mais que o contrato de concessão permita a concessionária cobrar ingressos a turistas - ainda que esses afirmem querer visitar apenas a Vila -, ocorrem ofensas ao direito de ir e vir e Pacto Federativo, já que a Vila de Jericoacoara não é propriedade federal, e sim municipal.
"Tem-se, no caso, manifesta ofensa ao Pacto Federativo, uma vez que o ente federal, após instituir o Parque Nacional de Jericoacoara, "ilhando" o distrito municipal corresponde à Vila de Jericoacoara, aproveita-se da sua posição geográfica para impor cobrança de ingresso àquele que almeja, tão apenas, chegar à Vila.
Ainda segundo o parecer, a cobrança de ingresso para o acesso a uma vila preexistente fere, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Também cita os direitos de gestão do território municipal e na livre circulação de pessoas dentro do território nacional.
"O cerceamento do acesso à Vila de Jericoacoara não guarda relação proporcional com os objetivos de proteção ambiental, tampouco atende ao interesse público primário dos moradores e da coletividade local, impactando diretamente a autonomia do Município, (...) uma vez que interfere de maneira desproporcional em área de interesse local e na capacidade de autoadministração municipal".
Segundo o juízo, a instituição de barreiras físicas e tarifárias à entrada de uma Vila habitada configura "possível desvio de finalidade", porque a finalidade legal da criação de um Parque Nacional é a preservação ambiental, de modo que ele não pode ser usado como instrumento de arrecadação que impacte diretamente os direitos de propriedade, locomoção e desenvolvimento econômico local.
Por meio de nota, o Instituto Chico Mendes (ICMBio/MMA) informou que irá buscar os meios legais para o cumprimento do contrato "de forma a garantir a ordenação da visitação e proteção do espaço natural que vem sendo degradado".
O POVO também entrou em contato com a Urbia Cataratas Jericoacoara, mas a empresa não deu retornou até o fechamento da edição (5/5).
A empresa encaminhou retorno apenas nesta terça-feira, 6/5, às 15h45min. Por meio de nota, informa que, até o presente momento, não foi formalmente intimada da decisão liminar mencionada.
"A empresa reitera o compromisso com a legalidade, a transparência e a promoção do uso público sustentável do Parque Nacional de Jericoacoara, sempre em diálogo com os órgãos competentes e com a sociedade".
O POVO falou com um membro do Conselho Empresarial da Vila de Jericoacoara e morador do local há quase 40 anos, que preferiu não ser identificado.
Ele é crítico da postura da Urbia e do contrato de concessão assinado com o ICMBio. Para o empresário, a União prometeu aos moradores da região que a empresa auxiliaria na conservação do parque e contribuiria para o aumento de interesse pela região, beneficiando o turismo.
Nas audiências públicas, lembra, foi garantido que o acesso à Vila continuaria livre e as garantias de sustentabilidade ambiental das intervenções seria garantido. Para ele, nenhum dos dois pontos foi cumprido, sendo necessária esta liminar para impedir a cobrança irrestrita de ingressos, o que prejudicaria o acesso à Vila.
Já sobre o segundo ponto, diz que uma instrução normativa do órgão passou a se sobrepor à legislação federal em relação à gestão ambiental dos parques nacionais, o que faz com que intervenções, como a construção de um estacionamento na área do Parna estejam em andamento.
"Nós, aqui na Vila, que é uma área urbana com alta densidade de construções, se formos construir qualquer coisa temos que passar por todo processo de licenciamento ambiental que pode levar anos."
"DEFIRO PARCIALMENTE o pedido liminar para determinar que os réus se abstenham condicionar o livre acesso à Vila de Jericoacoara à cobrança de ingresso ou qualquer outra forma de restrição tarifária, devendo assegurar a passagem por dentro do Parque Nacional de Jericoacoara, às pessoas que se dirijam exclusivamente à referida localidade.
Fica facultada a cobrança de ingresso para a visitação aos atrativos do Parque Nacional, respeitada a previsão contratual de isenção para moradores, frequentadores e trabalhadores da Vila de Jericoacoara, bem como para moradores dos Municípios vizinhos (Camocim, Jijoca de Jericoacoara e Cruz), desde que devidamente cadastrados e identificados."
Cobrança de ingressos no Parque Nacional de Jericoacoara
Inicialmente, a previsão da Urbia era iniciar a cobrança pela entrada no Parque Nacional a partir de 20 de dezembro de 2024.
Conforme a concessionária divulgou em novembro de 2024 haveria descontos escalonados em casos de visitas por dias seguidos. O valor para visitantes nacionais seria de R$ 50 no primeiro, R$ 40 no segundo (20% de desconto) e R$ 30 por dia entre o terceiro e décimo dias (40% de desconto).
Para ficar entre 11 e 30 dias, havia a oferta de um pacote de longa permanência com preço fixo de R$ 400, o que faria a média do ingresso variar entre R$ 36 e R$ 13, a depender do prazo de estada.
No caso dos visitantes estrangeiros, o valor foi fixado em R$ 50 por dia, sem desconto.
Morador da Vila reclama de descumprimento de contrato
O POVO falou com um membro do Conselho Empresarial da Vila de Jericoacoara e morador do local há quase 40 anos, que preferiu não ser identificado.
Ele é crítico da postura da Urbia e do contrato de concessão assinado com o ICMBio. Para o empresário, a União prometeu aos moradores da região que a empresa auxiliaria na conservação do parque e contribuiria para o aumento de interesse pela região, beneficiando o turismo.
Nas audiências públicas, lembra, foi garantido que o acesso à Vila continuaria livre e as garantias de sustentabilidade ambiental das intervenções seria garantido. Para ele, nenhum dos dois pontos foi cumprido, sendo necessária esta liminar para impedir a cobrança irrestrita de ingressos, o que prejudicaria o acesso à Vila.
Já sobre o segundo ponto, diz que uma instrução normativa do órgão passou a se sobrepor à legislação federal em relação à gestão ambiental dos parques nacionais, o que faz com que intervenções, como a construção de um estacionamento na área do Parna estejam em andamento.
"Nós, aqui na Vila, que é uma área urbana com alta densidade de construções, se formos construir qualquer coisa temos que passar por todo processo de licenciamento ambiental que pode levar anos."