O "efeito Trump" sobre a filantropia é negativo e gera preocupação para o futuro dos aportes de pessoas ricas com foco em projetos sociais. A avaliação é de Abigail Disney, documentarista, filantropa e ativista social, durante a abertura do 13º Congresso Gife, promovido pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), realizado em Fortaleza entre os dias 7 e 9 de maio.
Abigail é sobrinha-neta de Walt Disney e uma das herdeiras da fortuna da gigante do audiovisual. Nos últimos dias, ela ganhou notoriedade no Brasil por afirmar que "precisamos parar de idolatrar os ricos".
Em Fortaleza, ela aprofundou o pensamento sobre a taxação de grandes fortunas e afirmou que a eleição de figuras como Donald Trump são negativas para a filantropia, na medida em que ele descredibiliza o trabalho em prol do desenvolvimento social.
A ativista social diz que ricos devem defender preceitos democráticos contra figuras autoritárias.
"Nos últimos anos, minhas opiniões foram mais publicizadas porque eu não tenho medo. Estamos numa emergência internacional dos princípios democráticos. Se as vozes democráticas não combaterem neste momento, viveremos períodos muito ruins daqui para frente".
Declarações de 2021 do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, chamando a Fundação Gates, a Fundação Ford e o fundo patrimonial de Harvard de "cânceres na sociedade americana" por receberem status de isenção fiscal para financiar o que ele se referiu como sendo "ideologia radical de esquerda".
Diretamente em relação a Trump e sua administração, tem-se a postura recente de cortes na assistência externa dos Estados Unidos e o desmantelamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), que distribuía vacinas, tratamentos e tecnologias criadas em laboratórios financiados por, entre outros, a Fundação Gates.
Há ainda o desgaste público imposto à universidade de Harvard com o cancelamento de incentivos fiscais. Nessa terça-feira, dia 6, uma nova ação com congelamento de financiamentos que suspendem novas bolsas de pesquisa para a universidade. O Governo Trump já chegou a enviar carta ameaçando a instituição.
Sobre a questão tributária, Abigail questiona o maior peso tributário sobre a renda proveniente do trabalho em relação ao ganho de capital. Para ela, é necessária uma discussão sobre porque os ricos, tendo muito, sempre brigam para pagar menos impostos.
Segundo Abigail, a única forma de mudar é buscar um melhor governo e pagar devidamente os impostos é o caminho para redução efetiva da pobreza, já que não se pode esperar que a filantropia faça o que é de obrigação dos governos.
"Não dá para ajudar todo mundo, você vira a cara (ao ver a pobreza nas ruas), mas se sentir confortável com isso? Fui criada como cristã e me questiono: será que eu estou vivendo os preceitos cristãos?", diz.
Em sua fala no 13º Congresso Gife, Abigail Disney ainda apontou para o que chamou de hipocrisia nas discussões sobre os rumos da economia mundial.
"Se você for ao fórum de Davos é que há um congestionamento de aviões privados. Eles chegam e vão para as sessões falando sobre o aquecimento global, o que considero uma hipocrisia", pontua.
Outro aspecto abordado pela ativista social foi a necessidade de esforço para incluir perfis mais diversos na liderança de organizações sociais. Ela citou o caso da ascensão de Barack Obama até a presidência dos Estados Unidos.
"Se não fosse a Instituto Ford, não teríamos o Obama. Eles investiram na vida e na formação do futuro presidente, é visionário. Para os brancos e ricos, precisamos mudar a visão de mundo", aponta.
Entre as participantes do evento, a vice-governadora do Ceará, Jade Romero, fez parte da Plenária A: "Conjuntura Internacional e Contexto Brasil - Afinal que País nós queremos", em que destacou o papel do estado na construção de uma socidade mais justa socialmente.
Para Jade, um dos pontos é a retomada da capacidade de diálogo entre os diversos atores da sociedade brasileira. Segundo ela, a polarização política tem dificultado a construção de soluções que atendam aos diversos setores da sociedade.
Dentro desse contexto, ela lembra que há setores da sociedade que são contra programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. No entanto, a vice-governadora os considera como fundamentais e aponta que há um olhar distorcido que observa diferente as subvenções às empresas.
Para ela, o ponto fundamental é que impor mais carga tributária às pessoas físicas está fora de questão, pela saturação da sociedade. E situa também o que entende ser o papel do estado no fomento à filantropia.
"O estado do Ceará, por exemplo, é um dos entes que mais dá subvenção às empresas. As empresas têm aqui um ambiente propício e precisamos olhar para o que já é feito de renúncia fiscal, para que possamos entender também o lugar da filantropia. Que não é uma filantropia só para fortalecer a imagem institucional das empresas, mas é uma filantropia possível de acontecer porque já há essa renúncia", pontua.
Nordeste representa 15% da economia nacional, mas aporte em filantropia fica aquém
A região Nordeste é responsável por 15% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas não representa nem 3% das fundações que estão no grupo do Gife com aportes em filantropia.
Para o secretário-geral do Gife, Cássio França, a promoção do 13º Congresso em Fortaleza visa também chamar a atenção para a importância de iniciativas que contribuam com a redução da desigualdade social no País.
O evento contabilizou a participação de 1,2 mil pessoas. Até sexta-feira, dia 9, parte robusta do Investimento Social Privado (ISP) nacional e internacional estará reunida no encontro com o objetivo de apontar soluções para o enfrentamento às desigualdades e emergências climáticas. Com o tema "Desconcentrar poder, conhecimento e riquezas", serão 185 palestrantes, especialistas e lideranças do setor, organizações da sociedade civil e representantes de governo.
Essa é a primeira vez que o congresso do Gife é realizado fora de São Paulo. Marcos Tardin, gerente-geral da Fundação Demócrito Rocha (FDR), destaca que essa novidade é fruto do trabalho realizado na Rede de Investidores Sociais (RIS Ceará), da qual a FDR faz parte e que foi criada pela Gife para promover o investimento social privado fora do eixo Sul-Sudeste.
Tardin destaca ainda que a FDR, como instituição de direito privado, sem fins lucrativos, mantida pelo Grupo de Comunicação O POVO, possui 40 anos de atuação na realização de projetos sociais e educativos por meio de parcerias. E exalta o nível de articulação da RIS e o potencial de alcance de suas ações.
"O Ceará tem algumas particularidades. Entre elas, uma articulação muito grande entre várias áreas, várias esferas ligadas ao terceiro setor, ao investimento social privado, aos negócios de impacto, à filantropia. Acho que o número de investidores sociais ainda é muito baixo, mas há também um movimento bacana, articulado, bonito, referencial em torno dessa temática", completa.
"Nosso propósito é estimular, por meio da filantropia institucionalizada, mudanças sociais estruturais e também disruptivas. E estas transformações passam, necessariamente, pela escuta e valorização dos conhecimentos e das pessoas que estão 'na ponta', nos territórios", aponta Cassio.
Liderança em projetos de desenvolvimento social e de impacto no Ceará, Ticiana Rolim Queiroz, fundadora e presidente da Somos Um, aponta que iniciativas filantropas tem ampla margem de crescimento no Ceará.
"O objetivo é conseguir inspirar mais pessoas a criarem suas fundações e institutos ou mesmo doarem mais. É desproporcional o tamanho do PIB ao tamanho da doação que a gente tem, quando estamos falando de uma região pobre e extremamente desigual", afirma.
Programação do 13º Congresso Gife
Dia 8/5
09:00 - 10:30
Plenária B: "Território": A escuta do território como vetor democrático de transformação social
11:00 - 12:30
Sala Roxa: Comunicação estratégica e a construção de narrativas para a
transformação social
Sala Amarela: Impactos da Reforma Tributária nas OSCs
e no ISP
Sala Verde: Cultura e suas transformações: poderes
e saberes
Sala Vermelha: Desconcentrar para quem? Organizações negras no centro das lutas e às margens dos recursos
Sala Azul: O estado da arte da filantropia e ecossistema de impacto no Ceará - Fortalezas e desafios
14:00 - 15:30
Sala Verde: Transformar a partir da raiz: Experiências de justiças de gênero e racial na América Latina e Caribe
Sala Azul: Filantropia colaborativa como ferramenta de descentralização
Sala Amarela: Ações Emergenciais - o apoio da sociedade civil organizada
na reconstrução após
crises climáticas
Sala Vermelha: Memória no reconhecimento de identidades políticas e dos valores democráticos
Sala Roxa: Inclusão Produtiva e Sustentabilidade - Como alinhar oportunidades de trabalho e renda em um mundo em transição
16:00 - 17:30
Sala Verde: Mais de 25 anos tecendo filantropias de justiça de gênero e social na América Latina e Caribe
Sala Azul: Desconcentrando riquezas com equidade no SUS: os desafios da alocação de recursos na assistência à saúde
Sala Roxa: Infâncias e desigualdades: um diálogo sobre os dados, as políticas sociais e o papel da filantropia na alavancagem de mudanças estruturais
Sala Vermelha: Filantropia e sistemas alimentares no Brasil: três desafios que
precisamos enfrentar
Sala Amarela: Inteligência Artificial na Educação: Reforço de desigualdades ou possibilidade de transformação para o país?
*Gife apresenta:
Estação das Artes*
18:00
Abertura com DJ Nego Célio
20:00
Show
Chico César apresenta
Vestido de Amor
Dia 9/5
09:00 - 10:30
Sala Verde - Perspectivas para o fortalecimento da democracia
Sala Azul- Cenários da sustentabilidade financeira das Organizações da Sociedade Civil e os caminhos para seu fortalecimento
Sala Amarela - Retratos da solidariedade no Brasil: dos grandes filantropos às doações individuais no país
Sala Vermelha - O valor da floresta em pé: Bioeconomia e um novo paradigma de desenvolvimento para pessoas, clima e a natureza
Sala Roxa - Pobreza Multidimensional e a importância de compreender, medir e monitorar resultados para uma ação mais eticamente integrada
10:30 - 11:00
Coffee-break
11:00 - 12:30
Plenária C: "Filantropia"
Os próximos 30 anos do ISP e da filantropia no país
13:00
Encerramento
14:30 - 17:00
Oficinas e Atividades Extras:
Sala Amarela
Imersão em Cenários Climáticos: jogo “Celsius: o desafio dos 2 graus”
Sala Azul
Oficina Interativa sobre Monitoramento e Avaliação
Sala Vermelha
Diálogos pós-Congresso: como ampliar a colaboração entre o investimento social privado e as OSCs
Ponto de encontro
Visita à Escola de Gastronomia Social – Ivens Dias Branco
Ponto de encontro
Visita ao Instituto Pensando Bem
Debate
A mesa de abertura do congresso, com o tema "Conjuntura internacional e contexto Brasil - afinal, que país queremos?" contou ainda com a participação de Átila Roque, diretor da Fundação Ford no Brasil; Marcelo Furtado, cofundador da Coalizão Brasil Clima; Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco; e Bianca Santana, diretora da Casa Sueli Carneiro