O ano de 2024 está terminando e, para a torcida do Fortaleza, certamente ficaram boas lembranças. Em meio às dificuldades do início da temporada, marcado por um criminoso atentado sofrido no Recife (PE) e pela perda do título cearense, o Leão do Pici se reergueu: conquistou o título da Copa do Nordeste, protagonizou uma campanha histórica na Série A e garantiu vaga na fase de grupos da Copa Libertadores de 2025.
Como em temporadas anteriores, o Tricolor terminou o ano fortalecido dentro e fora de campo. A consolidação como referência regional, estabelecendo novos recordes, se expandiu, também, para o cenário nacional. Mesmo com diversas desvantagens, incluindo partes logística e financeira, o Leão se colocou no meio dos gigantes e foi, em boa parte do Brasileirão, candidato ao título.
Internacionalmente, embora não tenha conseguido repetir a façanha de 2023, quando chegou à final da Copa Sul-Americana, o time cearense protagonizou momentos memoráveis, como a goleada sobre o tradicional Boca Juniors, da Argentina, na Arena Castelão lotada. Foi mais um daqueles momentos que entraram para a história do clube.
A estreia do Fortaleza na temporada aconteceu no dia 20 de janeiro, com vitória sobre o Horizonte no Campeonato Cearense, em partida realizada na Arena Castelão. A partida marcou um momento especial para Juan Pablo Vojvoda: foi o jogo de número 200 do treinador argentino no comando da equipe cearense.
À época, Vojvoda disse que, apesar da expressiva marca, “ainda não estava realizado” e que ainda tinha muita energia guardada para mais. “É isso que motiva a gente”, completou o treinador em entrevista coletiva após a vitória. O argentino terminou 2024 com 272 jogos, isolando-se como o técnico com mais partidas da história do Leão.
O confronto também representou a estreia do jovem venezuelano Kervin Andrade no time profissional, que havia se destacado na Copinha semanas antes. O atleta, tido internamente no Pici como uma joia, é avaliado em mais de R$ 31 milhões pelo clube — que não aceita vendê-lo por cifras menores.
O empate em 1 a 1 com o Sport na Arena de Pernambuco, pela quarta rodada da Copa do Nordeste, ficou ofuscado pelo o que viria a acontecer momentos depois com o ônibus que levava a delegação do Fortaleza de São Lourenço da Mata, onde fica localizado o estádio, para o hotel que o time estava hospedado, no Recife (PE). A noite do dia 21 de fevereiro tornou-se a mais aterrorizante da história do clube cearense.
Após a partida contra o Rubro-Negro, dirigentes, comissão técnica e jogadores do Tricolor saíram do estádio no início da madrugada. O trajeto até a capital pernambucana deveria durar em torno de 30 minutos, mas cerca de dez minutos após a saída da Arena, o ônibus que conduzia a delegação cearense foi atacado por um grupo de torcedores do Sport na rodovia.
Bombas e muitas pedras foram atiradas contra o ônibus — ao mesmo tempo, de acordo com os presentes na ocasião. O grande barulho da explosão foi o estopim para momentos de tensão em meio à fumaça e ao forte cheiro de pólvora, além de sangue pelos corredores.
Lidando atletas feridos (João Ricardo, Gonzalo Escobar, Dudu, Brítez, Lucas Sasha e Titi) e estilhaços por todo lado, os integrantes da delegação tentavam se comunicar e socorrer os companheiros junto ao médico Glay Maranhão.
Atingido por uma pedra, Gonzalo Escobar foi o que ficou em pior condição: sofreu um trauma cranioencefálico e precisou levar 13 pontos. João Ricardo, goleiro do Leão do Pici, levou seis. O lateral-direito Dudu, os zagueiros Titi e Brítez, e o volante Lucas Sasha foram feridos com estilhaços de vidro e tiveram de conter sangramentos.
O episódio causou traumas em jogadores e em membros da comissão e da diretoria. A comoção foi nacional, assim como o sentimento de revolta pela tentativa de assassinato contra profissionais do Fortaleza.
“Eu vi o terror perto de mim, vi a morte perto de mim. Na hora do acontecido, a gente não sabia se alguém tinha morrido, se alguém estava gravemente ferido. É um desespero. E eu sei o que eu vivi e o que eu estou vivendo aqui no Pici, no dia a dia, de ver jogador chorando, saber de familiar de jogador que está chorando, funcionário... Todo mundo sentiu. Essa dor eu não quero que se repita com outros colegas de outros times. Que a gente levante essa voz, batalhe, cobre até ter um culpado", relatou Marcelo Paz à época.
Os momentos após o atentado não foram bons para o Fortaleza. Apesar da classificação na Copa do Brasil diante do Fluminense-PI – o Leão superou o Retrô-PE posteriormente no torneio —, a equipe de Vojvoda passou a acumular jogos sem vencer. Neste recorte ruim, amargou derrotas para Ceará e Vitória na Copa do Nordeste.
Apesar disso, o Fortaleza chegou à final do Campeonato Cearense com altas expectativas, já que o clube tinha a possibilidade de conquistar o hexacampeonato, algo inédito no futebol local. No jogo de ida, empate sem gols com o rival Ceará. Ficou tudo em aberto para o duelo da volta, que teve o Vovô como mandante.
Com a Arena Castelão lotada, o Leão do Pici saiu atrás no placar, mas buscou o empate com Lucero. Ambos os gols aconteceram no segundo tempo. Com tudo igual no marcador, a decisão pela taça aconteceu nos pênaltis. Apesar da boa atuação de João Ricardo, responsável por duas defesas, o Leão acabou derrotado por 3 a 2.
A dor pela derrota no Estadual precisou ser digerida rapidamente pelo Fortaleza. Dias depois, o Leão já tinha compromisso na Sul-Americana contra o Nacional de Potosí-BOL. Na primeira rodada do torneio, a equipe cearense superou o Trinidense-PAR por 2 a 0.
O grande adversário na fase de grupos, porém, era o poderoso e tradicional Boca Juniors. Havia, naturalmente, uma enorme expectativa pelo confronto. O primeiro jogo foi na capital cearense, no dia 25 de abril, e contou com mais de 50 mil pessoas na Arena Castelão. Soberano na partida, o Leão venceu o time argentino por 4 a 2.
Com o triunfo, o Fortaleza tornou-se o 13º clube do Brasil a vencer o Boca Juniors. Além do Tricolor, venceram os xeneizes: Palmeiras, Cruzeiro, São Paulo, Corinthians, Atlético-MG, Santos, Internacional, Fluminense, Grêmio, Athletico-PR, Flamengo e Paysandu.
No duelo da volta, desta vez na mística La Bombonera, o confronto foi mais acirrado e repleto de emoção. O duelo valia a liderança do Grupo D da Sula, que estava sob posse do Leão. Para o Boca, somente a vitória interessava. Os xeneizes venciam até os acréscimos do segundo tempo, mas Kervin Andrade, após contra-ataque, empatou para o Fortaleza e garantiu a primeira posição.
Nas oitavas de final, o Tricolor encarou outro clube argentino: o Rosario Central. Na ida, empate por 1 a 1. Na volta, novamente com a Arena Castelão cheia, o Leão venceu por 3 a 1, de virada. Na fase seguinte, a reedição da semifinal de 2023 contra o Corinthians, mas desta vez nas quartas de final.
Irreconhecível, o Leão perdeu a primeira partida por 2 a 0, na capital cearense, e voltou a ser derrotado na Neo Química Arena, por 3 a 0, totalizando 5 a 0 no agregado. Foi o adeus do time na competição continental.
Após superar o Fluminense-PI e o Retrô-PE, o Fortaleza chegou à terceira fase da Copa do Brasil para encarar o Vasco. No confronto de ida, na Arena Castelão, o Tricolor foi superior ao clube carioca e criou mais oportunidades de gol, mas não aproveitou e amargou empate por 0 a 0. Na volta, os dois times protagonizaram duelo eletrizante em São Januário, no Rio de Janeiro (RJ).
Em jogo de reviravoltas, Vasco e Fortaleza empataram em 3 a 3 no tempo regulamentar e a classificação precisou ser decidida nos pênaltis. O “fantasma” das penalidades voltou a assombrar o Leão e a equipe foi superada pelo Cruzmaltino. Na final da Sul-Americana de 2023 e na final do Cearense de 2024, o roteiro de derrota na marca da cal também ocorreu.
Passada a fase de grupos e já com a Série A em andamento, o Fortaleza passou a disputar o mata-mata da Copa do Nordeste, disputado em jogos únicos até a final. O primeiro adversário foi o Altos, do Piauí, duelo em que o Leão goleou por 5 a 0. Na semi, reencontro com o Sport na Arena de Pernambuco. As lembranças do atentado logo voltaram à tona.
As tentativas da Federação Cearense para que o jogo não ocorresse no outro estado foram em vão. O duelo manteve-se na Arena de Pernambuco e contou com presença de público – com exceção das organizadas. O Tricolor superou os traumas e foi para o confronto. Ali, parece ter ocorrido um ponto de virada para o clube.
Imponente e avassalador, o Leão do Pici teve uma de suas melhores atuações na temporada e goleou o Rubro-Negro por 4 a 1, garantindo a ida à decisão do torneio regional. O CRB, que eliminou o Bahia, foi o adversário do time cearense na grande final da Lampions.
O primeiro jogo aconteceu no Castelão e o Fortaleza não teve dificuldades para vencer por 2 a 0. Na volta, entretanto, o cenário mudou. O Leão teve péssima atuação e viu o time alagoano devolver o placar. Com tudo igual no agregado, o Tricolor precisou, mais uma vez, decidir nos pênaltis.
Felizmente para o Fortaleza, o roteiro foi diferente do que ocorreu em momentos anteriores. O time comandado por Vojvoda superou o CRB nas penalidades e conquistou a taça da Copa do Nordeste, a terceira que o clube levantou desde 2019.
No Campeonato Brasileiro, principal competição do calendário do Fortaleza, a campanha foi histórica, marcada por recordes, briga por título e conquista de uma vaga na fase de grupos da Copa Libertadores de 2025. Após um início de muitos empates – foram quatro consecutivos nas cinco primeiras rodadas – e duas derrotas, uma delas por 5 a 0 para o Cuiabá, o Tricolor engatou no torneio.
Nos 15 jogos seguintes no Brasileirão, o escrete vermelho-azul-e-branco venceu 12 adversários, empatou com outros dois e perdeu um único jogo, para o Vasco, em São Januário. A ótima sequência de resultados alavancou o Leão na tabela de classificação, fazendo-o assumir a liderança do torneio na 24ª rodada.
Embora tenha perdido o confronto direto contra o Botafogo na partida seguinte, resultado que fez o Glorioso retomar a primeira posição, o Tricolor manteve-se, por diversas rodadas, na cola do time carioca e também do Palmeiras, disputando ponto a ponto pelo título da primeira divisão nacional.
O desempenho como mandante teve papel fundamental na campanha do Fortaleza. Dentro de casa, o Tricolor foi imbatível: venceu 14 confrontos e empatou cinco. Foi o melhor aproveitamento da história de um time nordestino na era dos pontos corridos.
Na edição, o Leão também se tornou o time nordestino com a melhor campanha na história da Série A por pontos corridos. Com 68 pontos, a equipe tem larga vantagem contra o Vitória, em 2013, e o Sport, em 2016. Ambos os clubes somaram 59 pontos.
Como terminou na quarta colocação, o Tricolor também igualou seu melhor desempenho em posição no Campeonato Brasileiro, que ocorreu em 2021. Este feito também é um recorde no Nordeste, já que nenhum outro clube da região conseguiu terminar dentro do G-4 do Brasileirão nos pontos corridos.
Em números gerais, a equipe tricolor somou 19 vitórias, 11 empates e 8 derrotas em 38 jogos disputados na principal competição nacional. Na campanha, foram 53 gols marcados contra 39 sofridos, ou seja, um saldo positivo de 14 tentos.
Consequentemente, o Leão garantiu vaga na fase de grupos da Copa Libertadores do próximo ano, o principal torneio da América do Sul.