Independente do contexto, um Clássico-Rei sempre é um Clássico-Rei. Em campo e na arquibancada, o clima se estabelece com rivalidade, provocação e um apetite além do normal pela vitória. Nos próximos dois finais de semana, porém, o encontro entre Ceará e Fortaleza terá um tempero a mais: não só o orgulho de vencer o maior rival, mas a chance de conquistar a hegemonia do Estado, status muito valorizado em terras alencarinas.
Ambos os clubes possuem 46 títulos conquistados no Campeonato Cearense. Quem vencer a final desta temporada, consequentemente, assume a coroa de maior campeão estadual. Os conflitos indiretos, com citações, acusações e sutis afrontas entre Ceará e Fortaleza, começaram antes mesmo do Clássico-Rei se confirmar na decisão. Os bastidores esquentaram, fomentados principalmente pelo lado tricolor.
O pilar de tudo: o mando de campo das semifinais do Manjadinho. O Vovô, por ter feito a melhor campanha geral e respaldado pelo regulamento da competição, deveria ter tido o benefício de escolher em qual estádio jogaria diante do Maracanã no jogo da volta, quando seria o mandante. Naturalmente, a cúpula alvinegra optou pela Arena Castelão, decisão que impedia o Fortaleza de jogar na praça esportiva um dia antes.
Isso porque, de acordo com a portaria da Secretaria do Esporte do Estado, o Gigante da Boa Vista só pode receber partidas com intervalo mínimo de 66 horas. A resolução foi antes das semifinais do torneio. A diretoria do Leão bateu o pé, não aceitou o contexto e externalizou, por meio das palavras de Marcelo Paz, CEO da SAF do clube, que o Fortaleza "não abriria mão de jogar no Castelão" e que o Tricolor era "o maior cliente" do estádio, em leve alfinetada no Ceará — embora o dirigente tenha ponderado o respeito que tem pelo rival.
Sem consenso entre os clubes, a Federação Cearense de Futebol (FCF) optou por transferir o mando de campo de Ceará e Fortaleza para o estádio Presidente Vargas, decisão que gerou insatisfação em ambos os lados. O Vovô ainda entrou com um pedido no Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado (TJDF/CE) para tentar atuar no Castelão, mas a resposta foi negativa. As faíscas poderiam ter terminado aí, mas Vojvoda, técnico tricolor, jogou gasolina no fogo.
O argentino, em uma postura jamais vista durante seus cinco anos de passagem pelo Pici, disparou contra a FCF, usou um discurso de "contra tudo e contra todos" — outrora usado em gestões do Ceará, como as de Evandro Leitão, atual prefeito de Fortaleza, e Robinson de Castro —, e acusou o Alvinegro de ter comprado o mando de campo do Maracanã, já que a primeira partida entre os times ocorreu no Castelão.
"Querem ganhar do Fortaleza fora de campo. A mim, que me ganhem dentro do campo, não fora [...] Querem ganhar de mim no escritório. Querem tomar o Fortaleza, mas com o Vojvoda aqui vai ser muito difícil. Com esses jogadores vai ser difícil. Eu falo da Federação. Eu falo que minha prioridade é o Fortaleza e eu vou defender o Fortaleza. E é a primeira vez que vocês me escutam desse jeito", disse Vojvoda após a vitória sobre o Ferroviário, que culminou na classificação à final.
Em Porangabuçu, a acusação de Vojvoda quanto à compra de mando de campo repercutiu negativamente entre os diretores do Ceará, mas o clube optou por não se pronunciar oficialmente. A postura do Vovô publicamente tem sido serena. A ideia, aparentemente, é evitar polêmicas. A coletiva de Léo Condé após a goleada sobre o Maracanã no domingo passado reforçou esse comportamento.
"Em relação à colocação do nosso rival, eu não posso falar muito. É uma questão de análise deles. O que posso falar é em relação ao Ceará. A gente esperava, sim, por ter feito a melhor campanha da primeira fase, ter a opção de escolher o mando de campo do segundo jogo. Como o Maracanã entrou em acordo com a Federação e o Governo para mandar o jogo no Castelão, a gente queria, como mandante, também jogar no Castelão", disse o técnico do Vovô.
E com todo o contexto criado, aliado à rivalidade aflorada e com os dois clubes pertencendo à elite nacional, o título do Campeonato Cearense deste ano é ainda mais valorizado. No fim das contas, tudo se resolve em campo, com a bola rolando. Como deve ser no futebol. O primeiro encontro entre Vovô e Leão pela disputa da taça acontece no próximo sábado, no palco que todos querem, a Arena Castelão. Não existe favoritismo, afinal, um Clássico-Rei sempre é um Clássico-Rei.