Os latidos eram como um protesto. Só que agora, reunidos com os seus tutores na entrada do Aeroporto Internacional Pinto Martins nesta quarta-feira, 1º de maio, o barulho dos cachorros não parecia incomodar os presentes: pelo contrário, era bem-vindo.
“Isso, meu amor, tem que latir mesmo”, murmura uma das participantes, enquanto acaricia um Golden Retriever. O comentário, o primeiro escutado pela repórter ao chegar no espaço, daria o tom para o resto da manifestação.
“A gente escolheu que (o protesto) seria hoje, porque faz uma semana que o Joca foi velado”, explica Magda Picanço, uma das responsáveis pela organização e parte do grupo “Família Golden Retriever Ceará”.
O local é simbólico: as últimas imagens de Joca com vida são no Aeroporto de Fortaleza, local em que o pet foi enviado por erro logístico da companhia aérea. O destino original do cachorro e seu tutor era outro, rumo ao município de Sinop, no Mato Grosso.
O animal foi embarcado em um voo de retorno para Guarulhos, mas teve a sua morte constatada na segunda-feira, 22 de abril, após o pouso da aeronave.
“Por ele, por todos os que foram antes dele e por todos os que ainda estão aqui, estamos tentando lutar para que eles sejam reconhecidos como parte de nossa família e possam viajar conosco, dentro da cabine”, completa.
Para Karla Donato, também organizadora do protesto e administradora do grupo, as empresas aéreas deveriam compreender a expansão do mercado pet e a sua importância econômica. “Eu, por exemplo, trabalho pelos meus pets, tenho cinco”, diz.
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Entre os participantes, as emoções estão na palma da mão, prestes a borbulhar a cada grito por “Justiça pelo Joca”. O resultado está nas lágrimas contidas pela médica Thiziane Palácio, 31, no meio da entrevista, ao lembrar de seu cachorro “salsicha” (apelido para a raça dachshund).
“Eu me mudei para Fortaleza mais ou menos uns três anos atrás”, inicia. “E tive um grande problema em relação à mudança: o meu salsichinha tinha nove quilos na época, e só pode até 10 quilos, contando com a casinha, ou eles consideram bagagem”.
“Eu morava em Minas (Gerais) na época e não tive coragem de despachá-lo. Graças a Deus eu tive como alugar um carro e aí fiquei três dias na estrada, ultrapassei sete estados, para trazer o meu cachorro comigo, em segurança”, explica.
Ela relembra o desespero de uma viagem aérea quando o pet tinha seis meses e diz ter utilizado, na época, a mesma empresa responsável pela viagem do cachorro Joca.
“Autorizaram a viagem dele, mas na conexão me impediram de prosseguir com ele e tive que fazer o resto do trajeto de ônibus, porque não deixaram e porque eu não teria coragem de mandá-lo embaixo”, confessa.
Das lágrimas à revolta, conversar com os ativistas Stefani Rodrigues (fundadora da ONG Anjos da Proteção Animal - Apa) e Apollo Vicz, representante do Abrigo São Lázaro, trouxe à tona outro sentimento compartilhado pelos manifestantes: a indignação.
“O Joca, infelizmente, teve que perder a sua vida e causar esse clamor todo para que a gente possa começar a exigir dos nossos parlamentares que mudem a nossa legislação, mudem a regulamentação, para que os animais sejam tratados como sujeitos de direito sem obrigação, que sejam acompanhados pelos seus tutores”, explica Stefani.
Embalado pelos latidos caninos à sua volta, Apollo Vicz tenta imaginar como o cachorro Joca pode ter se sentido após chegar em Fortaleza, o destino errado para a sua viagem: “Sob um Sol de 36 ºC, dentro daquela caixa de transporte, passando mal, com fome, com sede, ansioso, saudades do dono dele… Gente, ele sofreu até à morte”, reflete.
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O tutor Tarcísio Holanda, 55, pausa sua caminhada para responder às perguntas da repórter. Um membro da família pede que ele siga com a sua pet até o guichê da companhia aérea Gol, segurando balões laranja - a cor, um referência ao logo da empresa.
“A gente espera que elas (as companhias aéreas) se sensibilizem, porque o mesmo preço que a gente paga para eles irem em um depósito de carga, a gente pagaria também para ir conosco”, comenta.
A organização estimou a participação de 400 pessoas. Todas seguiram até o guichê, chamando a atenção dos poucos viajantes que saíam com suas malas. No recanto, duas jovens seguravam o celular, uma delas apontando para os transeuntes com a câmera.
Em nota, a Gol afirmou lamentar o ocorrido com o cachorro Joca e anunciou a suspensão da venda do serviço de transporte de cães e gatos no porão dos aviões por 30 dias, até a conclusão das investigações da morte do pet.
A empresa admitiu uma “falha operacional” no transporte e relatou que o cão recebeu cuidados, mas “foram surpreendidos pelo falecimento do animal” em seu transporte até Guarulhos.
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