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Entre demônios e rostos humanos: entenda o transtorno PMO
Farol

Entre demônios e rostos humanos: entenda o transtorno PMO

Transtorno raro mas que pode ter poucos diagnósticos pelo fato de ser pouco estudado por profissionais de saúde, não afeta a cognição das pessoas apenas a visão de quem ver rostos de outros humanos distorcidos
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Psicólogo Antônio Victor Mello (Foto: Antônio Victor Mello/ Acervo pessoal)
Foto: Antônio Victor Mello/ Acervo pessoal Psicólogo Antônio Victor Mello

São muitas as causas das doenças que podem afetar o funcionamento do nosso cérebro e até mesmo a nossa percepção de mundo, porém um transtorno que chamou atenção nos últimos meses é a "prosopometamorfopsia". Também de "PMO", faz com que as pessoas vejam demônios ou monstros nos rostos das outras, pois não conseguem vê-los de forma nítida, apenas distorcida.

Antônio Mello, pesquisador cearense que faz doutorado em Psicologia no Dartmouth College em New Hampshire, nos Estados Unidos, estuda o transtorno. Os sintomas da PMO são facilmente confundidos com doenças psíquicas como a esquizofrenia, diz ele. O diagnóstico correto é fundamental para não haver a prescrição errada de remédios tarja preta para doenças como esquizofrenia.

Em março deste ano, o pesquisador publicou na revista científica The Lancet um artigo com os resultados de uma pesquisa sobre um paciente com o transtorno. Ele explica que a condição atua na região do cérebro humano responsável por fazer o processamento dos rostos, causando distorções na forma como o paciente vê os outros indivíduos e, em alguns casos, até animais. Doutorando nos Estados Unidos, ele também é graduado em Psicologia e em Direito.

O POVO - Quando foi que surgiu o interesse em estudar a PMO?

Antônio Mello - Logo no início do doutorado. Essa é uma linha de pesquisa bastante nova no nosso laboratório. Quando eu ingressei no doutorado, eu tive a oportunidade de conhecer mais sobre essa pesquisa e fiquei bastante interessado.

OP - Há alguma explicação ou algum gatilho que venha desencadear a prosopometamorfopsia?

Antônio - Por enquanto, não. Por exemplo, ela pode acontecer no contexto de um AVC, pode acontecer no contexto de epilepsia, e ela pode acontecer posteriormente a um traumatismo cranioencefálico. E, mais recentemente, a gente tem observado o caso também de pessoas que relatam as distorções, mas essas distorções apareceram sem qualquer evento neurológico com o qual elas possam fazer essa associação. O que sabemos é que provavelmente ela está relacionada com uma área de rede de processamento de faces, que são áreas no seu cérebro que são especializadas para o processamento de faces.

OP - Quais as principais síndromes ou doenças que podem ser confundidas com a PMO?

Antônio - Tem a esquizofrênia, o indivíduo que tem pode, por exemplo, relatar sintomas de Alucinação visual e essas alucinações, elas podem envolver faces. Mas tem uma diferença, na verdade tem muitas diferenças entre a esquizofrênia e a PMO. Por exemplo, na esquizofrênia você tem uma perda de contato com a realidade ou então uma relação diferente com a realidade do indivíduo esquizofrênico. Na PMO, você não tem um indivíduo achando que a realidade mudou, ele não acredita que a realidade mudou. Ele entende que é um distúrbio que está na sua visão e não especificamente na face das outras pessoas. Então, essa é uma das principais diferenças, mas acaba que por conta de ser uma condição extremamente rara e muitas vezes também difícil do paciente expressar o que está sentindo, porque ele começa a descrever o que ele está vendo e aquilo ali acaba fazendo você confundir com uma alucinação.

OP - Uma vez o paciente tendo o transtorno, ele verá todos os rostos distorcidos ou não?

Antônio - Pode acontecer as duas coisas, no caso do paciente, por exemplo, cujo caso a gente reportou no artigo da aderência, ele enxerga todos os rostos daquele jeito, então ele olha para um rosto e o rosto já aparece. No caso de outros pacientes, as distorções podem mudar. Então, elas olham para um rosto e naquele dia o rosto está distorcido, mas às vezes alguns minutos depois, ou então no dia seguinte, aquele rosto já não tá mais distorcido.

OP - As distorções acontecem apenas nos rostos humanos, ou os pacientes enxergam rostos de animais distorcidos também?

Antônio - Não é o caso de todos os pacientes com PMO, mas no caso de alguns pacientes com PMO os rostos de animais também e outros rostos também, como de bonecos.

OP - Aparecendo o transtorno em paciente, há reversão?

Antônio - Em alguns casos, sim. Do mesmo jeito que a condição aparece e muitas vezes aparece sem estar conectada com nenhum evento neurológico específico que a pessoa lembre, desaparece, e às vezes é uma questão de semanas.

OP- Situações de estresse e preocupação podem piorar o quadro do paciente?

Antônio - Uma pesquisa mostra que isso pode desencadear. Não vou nem dizer o transtorno, mas pode fazer ele piorar ou voltar. Eles falam (os pacientes) que quando eles estão mais estressados ou então quando eles estão num período de privação de sono, ou algo que afete a qualidade de vida deles e especificamente a qualidade de saúde mental deles, as agitações pioram. Então, pode, sim, acontecer.


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