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Juízes se declaram suspeitos para julgar caso de delegada que denunciou racismo em loja
Farol

Juízes se declaram suspeitos para julgar caso de delegada que denunciou racismo em loja

Magistrados da 14° Vara Criminal e 15° Vara criminal pediram suspeição, respectivamente, no mês de abril e junho. Caso ocorreu em setembro de 2021, em loja de departamento em shopping no bairro Guararapes
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A DELEGADA da Polícia Civil Ana Paula Silva Santos (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR A DELEGADA da Polícia Civil Ana Paula Silva Santos

Os juízes da 14° e 15° Vara Criminal da Comarca de Fortaleza se declararam suspeitos para continuarem julgando o processo em que um ex-gerente de uma loja Zara está sendo acusado de cometer racismo contra uma delegada da Polícia Civil do Ceará (PCCE). O caso aconteceu em setembro de 2021.

Bruno Filipe Simões Antônio foi indiciado e é réu por, supostamente, ter barrado a entrada da delegada Ana Paula Silva Santos Barroso à loja, localizada no shopping Iguatemi, no bairro Guararapes, em Fortaleza.

O caso foi designado à 14ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza. Entretanto, a titular Marileda Frota Angelim Timbó declarou ter "um motivo de foro íntimo que me impede de prosseguir como julgador da causa", declarando-se, portanto, suspeita para julgar o processo.

O pedido de suspeição feito pela juíza foi realizado em abril deste ano. O caso foi redesignado para a 15ª Vara Criminal de Fortaleza no último dia 13, mas, segundo O POVO apurou, o titular desta Vara também se declarou suspeito.

De acordo (TJCE), os autos serão processados pelo Juízo da 16ª Vara Criminal, não sendo necessária uma redistribuição. Ainda segundo o Tribunal, o referido processo teve instrução finalizada e as alegações finais por memoriais já foram apresentadas.

O POVO entrou em contato com a defesa do de Bruno Filipe Simões, mas até a publicação da matéria não teve resposta. O texto será atualizado, caso a resposta seja enviada.

Relembre o caso:

A delegada Ana Paula Silva Santos Barroso após comprar um sorvete no shopping antes de se dirigir à loja de departamento. De acordo com a policial, ela teria sido barrada pelo então gerente, que alegou que seria uma medida de segurança.

Ana Paula acionou o segurança do shopping. Após a delegada retornar à loja com o chefe de segurança, segundo a vítima, o réu teria declarado que não tinha preconceito e tinha amigos gays, negros e lésbicas. À época, a delegada avaliou que esta fala reforçaria o preconceito.

A delegada avalia que a movimentação do caso não é proveniente do fato de ela ser delegada, mas por ela conhecer as ferramentas para denúncia. No momento do fato, a agente de segurança poderia ter dado voz de prisão ao funcionário, mas ela "ficou em estado de choque, chorosa e consternada pelo que houve".

Ao O POVO, os advogados de Ana Paula se manifestaram por meio de nota, assinada por Leandro Vasques e Afonso Belarmino. Eles ressaltam que "a sociedade espera o desfecho do processo, pois o crime de racismo atinge muitas pessoas".

A defesa da delegada aponta ainda que o atendimento diferenciado na loja foi em decorrência da cor da pele. Os advogados afirmam que uma sentença condenatória neste caso desencorajará práticas racistas.

Confira a nota na íntegra dos advogados Leandro Vasques e Afonso Belarmino:

“Não criticamos as declarações de suspeição dos magistrados em si, afinal se deram por razões de foro íntimo que não precisam ser devassadas. Contudo, não só a vítima, mas a sociedade como um todo aguarda o desfecho do processo, pois a prática do racismo atinge a uma coletividade indeterminada de indivíduos.

Ademais, a persecução penal demonstrou de forma indiscutível a diferença de tratamento oferecida a clientes brancos e à vítima, que é negra, principalmente, a partir da análise das imagens das câmeras de videomonitoramento da Loja Zara. Além disso, a instrução processual, com ampla colheita dos testemunhos, foi decisiva para demonstrar a materialidade delitiva, inclusive, o depoimento seguro da vítima não deixou pairar qualquer dúvida sobre a existência do crime de racismo.

Acreditamos, por fim, que a prestação jurisdicional, na forma de uma sentença condenatória, se revelará pedagógica, na medida em que desencorajará práticas racistas e, ao mesmo tempo, estimulará que outras vítimas acreditem na justiça e busquem os meios legais sempre que se virem em situações semelhantes.”

 

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