Começando pelo erro: Lula se equivoca redondamente ao emprestar ares de legitimidade a um processo eleitoral sobre o qual recaem graves suspeitas, como é o caso da Venezuela. Nicolás Maduro se autoproclamou reeleito sem respaldo legal, sem atas que atestem a lisura do pleito nem permissão para qualquer tipo de checagem ou verificação imparcial, como vêm pedindo Brasil, Colômbia e México, cujas posturas institucionais oscilam entre graus variados de tolerância com o estado falimentar da democracia no país vizinho.
Ao fim do resultado no último domingo, seguiram-se protestos, que resultaram em mais de uma dezena de mortes, centenas de presos e um sem número de feridos. Entre o fim de semana e ontem, parte da imprensa foi empastelada e opositores, detidos e encaminhados para prisões de segurança máxima. Na acepção mais rigorosa do termo, isso tem um nome no dicionário: ditadura. Em Caracas, Maduro levou a cabo os sonhos dourados de Jair Bolsonaro: atacou as urnas, arregimentou os militares e asfixiou os adversários, seja impedindo que concorressem, seja manietando a disputa em si, tudo isso com a finalidade expressa de se manter indefinidamente no poder. O ex-presidente brasileiro, sem sucesso, tentou a mesma via autoritária em 2022 e 2023, inclusive com o assalto às sedes dos Três Poderes, executando à risca a cartilha do extremismo, mas de direita.
Quando normaliza a autocracia do líder venezuelano, um extremista de esquerda, Lula normaliza Bolsonaro, o que significa dizer que tudo que o antecessor fez pode se interpretar como algo constitutivo do jogo, e não é. Não há, porém, como manter dois discursos: um doméstico, condenando os bolsonaristas, e outro externo, chancelando as barbaridades de Maduro. Desconsiderar a corrosão e os vícios que deterioraram a eleição venezuelana equivale a uma espécie de terraplanismo político - ou de "negacionismo democrático", como escrevi noutro momento.