O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que "ficou muito clara" durante as audiências públicas sobre "bets", realizadas na segunda-feira, 11, e ontem, 12, na Corte, a importância da regulamentação das apostas online. "Essa questão da regulamentação ficou muito clara. Sem regulação, não se pode permanecer nessa atividade", falou após o fim das audiências.
"Uma coisa se tornou muito uniforme em todas explanações, que é a questão da falta de regulação, e por outro lado a afirmação que já há regulação por meio de portarias do Ministério da Fazenda, mas que ainda não entraram em vigor", disse o ministro.
Fux é relator de ações que questionam a Lei das Bets, de 2023, que regula a atividade legalizada no Brasil desde 2018. Ele disse que o próximo passo, agora, é avaliar o prazo de vigência das portarias da Fazenda e também os impactos citados na audiência, como "problemas psíquicos, endividamento, vício da aposta". Ontem, o magistrado declarou que o julgamento do mérito deve ficar para o primeiro semestre de 2025, mas não descartou uma liminar para suspender a eficácia da lei.
O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse, durante a audiência, que as casas de apostas on-line dispõem de "diversas formas de burlar" bloqueios, e que são necessárias mais ferramentas tecnológicas e mudanças na lei para punir empresas que atuam de forma irregular no setor. "Hoje o Estado brasileiro não tem condições de garantir que esse bloqueio seja efetivo", afirmou.
Em outubro, o Ministério da Fazenda repassou à Anatel uma lista de mais de 2 mil bets irregulares, e parte delas criaram sites alternativos para burlar o bloqueio. "A situação no mercado está posta. Sites e aplicativos de aposta continuarão existindo, independentemente da revogação da lei, e o Estado vai precisar ter essas ferramentas para garantir o cumprimento", disse Baigorri.
Ele defendeu o aumento de poder da Anatel para efetivar os bloqueios e afirmou que uma minuta de projeto de lei já foi entregue ao Senado para propor essa mudança. "Há necessidade de fazer essa reflexão, já temos dialogado com Ministério da Fazenda e Congresso", disse.
Hoje, o órgão tem competência legal para determinar ordens, punir e fiscalizar apenas agentes de telecomunicações. De acordo com o presidente, os sites e aplicativos de bets "são agentes do ecossistema digital que estão completamente alheios ao poder regulamentador, de fiscalização, de definição de normativas e sancionamento do Estado brasileiro".
Já os principais clubes de futebol do país defenderam ontem, no STF, a lei que regulamentou as apostas online de quota fixa, chamadas de bets. Um manifesto assinado por 30 times foi lido durante audiência pública convocada pela Corte para ouvir os argumentos de especialistas sobre os efeitos da proliferação das apostas na economia e na saúde mental dos apostadores.
Durante a discussão, o advogado do Fluminense Futebol Clube, André Sica, leu uma declaração em nome de 30 clubes de futebol para defender o mercado de apostas. Segundo números apresentados pelas equipes, cerca de 75% dos times brasileiros são patrocinados por casas de apostas.
Para Sica, a lei regulamentou o mercado de apostas, trouxe direitos e obrigações para as bets e criou medidas de proteção aos apostadores e aos clubes.
"O fluxo financeiro oferece uma alternativa crucial para que os clubes possam investir na quitação de dívidas, ter a contratação de jogadores, contribuindo com a competitividade do futebol brasileiro, tanto na América do Sul, quanto no cenário global", argumentou.
Gonet vai ao STF contra lei de apostas
A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira, 11, contra a lei que regulou as apostas on-line, conhecidas como bets, mostra reportagem publicada na edição desta terça-feira, 12, do jornal O Estado de S. Paulo.
O procurador-geral Paulo Gonet afirma que a legislação está "aquém do indispensável" e fere a Constituição.
"É insuficiente para proteger direitos fundamentais dos consumidores dos produtos e a própria economia nacional, em face do caráter predatório que o mercado de apostas virtuais ostenta", afirma na ação enviada ao STF.
O objetivo é fazer com que o Supremo declare a lei inconstitucional e, com isso, forçar o Congresso a aprovar uma regulamentação mais rigorosa sobre o mercado de apostas online.
Se o pedido for aceito, as bets podem ser proibidas até a edição de uma nova legislação.
O procurador-geral afirma que uma longa lista de direitos fundamentais estão desprotegidos pela nova legislação, como dignidade humana, saúde e propriedade, além dos direitos de grupos vulneráveis, como adolescentes e idosos. Também alega que o regramento coloca em risco a ordem econômica e o mercado interno.
Um dos argumentos centrais de Paulo Gonet é que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu as loterias como um serviço público e, nesse sentido, segundo o procurador-geral, a exploração indireta do setor não poderia ser feita apenas com autorização, mas dependeria necessariamente de concessão ou permissão, mediante licitação.
"O serviço público da loteria online em exame não pode ser escancarado com essa desordenada amplitude. Deve haver limites estipulados pelo legislador quanto aos objetos dessas apostas online; são imprescindíveis limites de oferta desse serviço que se mostra particularmente sensível a efeitos vastamente preocupantes, potencialmente devastadores", defende o procurador-geral.
Devedores
O documento de 97 páginas cita reportagens do Estadão e do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) sobre o mercado das bets e as dificuldades de milhares de apostadores.
Como mostrou o jornal, 30% dos brasileiros com contas em bancos buscaram empréstimos nos últimos 12 meses para financiar apostas
Em agosto, beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, gastaram R$ 3 bilhões via Pix com as bets, segundo dados do Banco Central.
Para Gonet, a "liberação praticamente indiscriminada" da atividade promovida pela legislação, somada à facilidade de acesso às plataformas, via internet, "potencializam os riscos de dependência e de transtornos".
Outro ponto que preocupa o procurador-geral é a falta de mecanismos adequados para combater fraudes e lavagem de dinheiro