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Luís Carlos Cardoso: o ex-dançarino de forró que aprendeu a coreografia dos remos
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Luís Carlos Cardoso: o ex-dançarino de forró que aprendeu a coreografia dos remos

Bimedalhista palímpico na paracanoagem, piauiense visita o Ceará, "onde tudo começou", e fala sobre passado, presente e futuro
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Luís Carlos recebeu a equipe do Esportes O POVO durante suas férias no Ceará (Foto: João Vitor Umbelino/ Especial para O POVO)
Foto: João Vitor Umbelino/ Especial para O POVO Luís Carlos recebeu a equipe do Esportes O POVO durante suas férias no Ceará

Campeão nacional, mundial, bimedalhista paralímpico, psicólogo e ex-dançarino de forró. O currículo do piauiense Luís Carlos Cardoso é bastante extensa e as histórias para contar são inúmeras.

De férias no Ceará, estado "onde tudo começou" e pelo qual carrega um enorme carinho, Luís Carlos recebeu O POVO em uma casa de praia, em Aquiraz (Região Metropolitana de Fortaleza), ao som da música para contar um pouco de como o sonho de dançarino foi interrompido pela perda dos movimentos das perna e sobre como este baque não o impediu de se tornar um dos maiores atletas brasileiros da paracanoagem.

Com aposentadoria planejada para a Paralimpíada de Los Angeles-2026, o paratleta não pretende se afastar do esporte e mira atuar na área em que é formado, a psicologia, para ajudar atletas a lidarem com a saúde mental, aspecto dito como muito importante por Luís Carlos.

O POVO - Como começou esse gosto pela dança e como veio parar aqui no Ceará?

Luís Carlos - Eu saí casa com 16 anos para dançar profissionalmente. Até então eu sempre tive sonho de dançar profissionalmente, de viajar o Brasil, porque eu comecei a gostar dançar lá pelos meus 13 anos. E eu tinha muito isso por causa do auge do axé. E aí eu vi na televisão e eu queria muito fazer aquilo. E foi quando eu comecei a ter grupo de dança, comecei a dar aula de dança. E aí começou essa paixão.

Quando eu tinha 16 anos eu recebi uma proposta da banda Cacau Com Mel, de Nova Olinda, aqui no Ceará. E aí eu não pensei duas vezes. Larguei tudo no Piauí, fui embora. Aí foi quando começou a minha história, lá em 2000, 2001.

Eu comecei na banda Cacau Com Mel, dancei mais ou menos quase dois anos na Cacau. Aí depois eu fui para a Banda Líbanos. Aí da banda Líbanos, eu passei rapidamente ali pela Tropykália.

Aí saí, fui para uma banda de forró do Piauí, depois retornei para o Ceará para dançar na Zanzibar, aí depois fui para Cariciar e aí fiquei entre São Paulo e Fortaleza. Depois fui para Baby Som, depois voltei para Zanzibar e por último terminei no Frank Aguiar, que foi onde tudo aconteceu.

O POVO - Como você perdeu os movimentos das pernas?

Luís Carlos - Eu sofri uma infecção em 2009, quando eu era dançarino do Frank Aguiar e eu estava fazendo bastante shows. Ainda nessa época eu comecei a sentir dores muito fortes na lombar, nas pernas, mas os exames nunca davam nada. Mas no dia 11 de dezembro de 2009, no dia do meu aniversário, eu fui para o hospital sentindo novamente essas dores, fui medicado pelo médico e voltei para casa, mas depois de duas horas eu voltei ao hospital. E assim ficou o dia todo, 24 horas indo e voltando para o hospital.

O médico estranhou, pediu para fazer uma bateria de exames e me internou, mas a bateria de exames voltou a não dar nada e eu fui liberado para ir para casa. Mas depois de um dia em casa, as dores agravaram ainda mais e eu retornei para o hospital. Lá eu tive outras crises, cheguei até a tomar morfina para fazer a dor parar. No dia 22 de dezembro, eu tive uma crise tão intensa que chegou a paralisar o meu corpo do peito para baixo.

O médico até suspeitou que eu tivesse tido uma paraplegia por um acidente vascular cerebral (AVC), mas depois de fazer uma nova ressonância, os médicos viram um ponto preto na minha médula e diagnosticaram que eu tive uma infecção na médula por meio de um parasita chamado esquistossomose.

E era um caso irreversível. Ainda fiquei dois meses internado. Assim que saí do hospital eu pensei: “O que eu vou fazer da minha vida?” O meu instrumento de trabalho eram minhas pernas e como eu ia dançar se elas não funcionavam mais.

Eu fiquei muito triste, porque eu amava dançar. Eu tinha dançado a minha vida toda, saí de casa muito cedo para isso e para mim foi um baque muito grande porque ali encerrava uma história, encerrava meu sonho, encerrava tudo. Ou seja, eu não tinha perspectiva de nada porque eu não tinha feito outra coisa a não ser dançar.

O POVO - Como você começou na paracanoagem?

Luís Carlos - A minha história na paracanoagem começa mais ou menos em 2011, né? Eu fiquei paraplégico no finalzinho de 2009, e aí em 2011 eu comecei a procurar algum esporte que poderia estar praticando na cadeira de roda, porque até então eu tinha feito só a dança, nunca tinha feito outra coisa a não ser dançar.

E aí foi quando eu comecei a fazer alguns esportes. Fiz basquete e logo depois a canoagem apareceu através da minha fisioterapeuta, que me indicou a canoagem como reabilitação. E aí já no meu primeiro nacional eu obtive duas medalhas, uma de prata e uma de bronze, e a prata me colocou na seleção brasileira.

A dança influenciou muito esse meu desempenho tão rápido, porque eu já tinha essa questão corporal em mim e eu via a paracanoagem como uma coreografia, entende? Eu tentava associar a coreografia com as técnicas enquanto praticava. Isso tudo além do foco, de dedicação.

O POVO - Luís, você é psicólogo formado. Como se deu esse interesse pela graduação e como você vê a importância da saúde mental no desempenho dos atletas de alta performance?

Luís Carlos - Essa paixão pela psicologia nasceu ainda quando eu estava internado. Eu estava nessa situação de encarar a paraplegia pela infecção, que já era algo bem raro. Logo uma semana depois, minha mãe faleceu, então foi uma coisa atrás da outra. Tudo isso poderia me impulsionar para ter uma depressão, mas comigo não. De alguma forma, a minha mente bloqueou isso tudo para que eu pudesse me proteger e seguir em frente.

A partir daí eu quis entender mais tudo isso, sabe? Aí foi quando eu compreendi esse outro lado e falei que eu queria seguir isso na minha vida.

Sobre a questão da saúde mental, eu acredito, sim, que é muito importante, pois nós ficamos tão preocupados na parte física, no desempenho, sendo que tem situações, variáveis, que influenciam na nossa performance, tanto negativa como positivamente. E aí muitos atletas acabam se frustrando, não sabendo lidar com isso.

Então eu acho que sim, é muito importante trabalhar não somente a parte física, mas também a mental, para você estar preparado para tudo que vier, justamente porque não podemos controlar tudo que acontece.

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