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Dois Dedos de Prosa: Fernando Elpídio e a missão à frente das corridas de rua em Fortaleza
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Dois Dedos de Prosa: Fernando Elpídio e a missão à frente das corridas de rua em Fortaleza

Publicitário é responsável pela organização das principais provas no Ceará, como a 21k Terra da Luz, aponta Fortaleza como capital nordestina das corridas e recorda histórias marcantes
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Fernando Elpídio é responsável pela organização de corridas de rua em Fortaleza (Foto: Julio Maia/Fotop)
Foto: Julio Maia/Fotop Fernando Elpídio é responsável pela organização de corridas de rua em Fortaleza

Fortaleza parece ter calçado tênis e adotado as corridas de rua como um estilo de vida. À beira-mar, o movimento já se tornou habitual e enfrenta os desafios para se tornar cada vez mais democrático. A cidade viu o esporte virar febre e acolheu um público apaixonado, que busca a satisfação de cruzar linhas de chegada.

Em entrevista ao O POVO, o publicitário e mestre em Turismo Fernando Elpídio, responsável pelas principais provas do Estado, como a 21k Terra da Luz — meia maratona cearense da qual é diretor —, analisa os desafios para descentralizar os circuitos, reflete sobre a capacidade do esporte de transformar vidas, criar vínculos e explica o crescimento do esporte, em especial na capital cearense.

Elpídio se debruçou ainda sobre histórias que acompanhou, a relação pessoal com o esporte e as características específicas das corridas de rua em Fortaleza, como a maior presença de mulheres, famílias e até a companhia de animais de estimação.

O POVO - Quais obstáculos dificultam a expansão das corridas para além da famosa orla da Beira Mar?

Fernando Elpídio - A principal barreira é a infraestrutura viária. Não podemos levar provas para locais deteriorados, com ruas cheias de buracos ou falta de segurança. Público interessado nós temos, e os patrocinadores também demonstram disposição. No entanto, estrutura e segurança ainda são os maiores entraves. A Beira Mar acaba se destacando justamente por oferecer isso aliado a estacionamentos, alimentação, suporte de assessorias esportivas e, claro, mais segurança.

OP - Você percebe mudanças concretas na vida de pessoas que passaram a praticar a corrida?

Fernando - Tenho exemplos inspiradores. A Rênia Reis e a Júlia Nobre, por exemplo, enfrentaram o câncer com o suporte da corrida. Júlia Nobre foi diagnosticada com um Linfoma de Malt em fevereiro de 2023, quando tinha 27 anos. Durante o processo, ela passou por muitas dificuldades, teve que passar por acompanhamento psicológico e foi o esporte que a ajudou a superar a doença. Ela já era corredora antes de descobrir e, mesmo com o câncer, continuou as atividades com intensidade menor.

A Rênia teve câncer de mama, fez a cirurgia no fim do ano passado e, 30 dias depois, já estava fazendo exercícios. Com 60 dias já estava correndo e nadando, hoje ela é triatleta e diz que o esporte salvou a vida dela.

Então, para elas, o esporte não foi apenas uma ferramenta física, mas algo que deu sentido à vida, um propósito maior de cuidar da saúde. Muitas vezes, mães também levam os filhos para correr porque querem compartilhar a experiência e o esforço que dedicaram ao treinamento. É uma lição de organização, estímulo e motivação. A corrida se torna um caminho para ajustar a rotina e equilibrar o cotidiano.

OP - Como Fortaleza se posiciona hoje no cenário nordestino de corridas de rua? Qual foi a influência da pandemia no crescimento deste esporte?

Fernando - Fortaleza é, sem dúvida, a capital nordestina das corridas. São 110 mil atletas ativos, participando de pelo menos dez eventos ao longo do ano. O mais interessante é o protagonismo feminino: 52,6% desse público é composto por mulheres, uma característica única da cidade. Temos cerca de 52 provas anuais oficiais, homologadas e organizadas. A pandemia deixou uma mensagem importante: cuidar da saúde e manter-se ativo faz a diferença no enfrentamento de doenças. A corrida, além de acessível, é democrática e nos permite aproveitar os espaços ao ar livre.

OP - Por que atletas de alto rendimento em outras modalidades têm incorporado a corrida às suas rotinas de treinamento?

Fernando - Porque a corrida é a base do preparo físico em praticamente todos os esportes. Ayrton Senna era maratonista. Jogadores de basquete, vôlei ou nadadores, em algum momento, utilizam o trabalho aeróbico da corrida para desenvolver resistência e condicionamento. Além disso, ela é acessível e proporciona contato com a natureza e espaços abertos, o que a torna ainda mais atrativa.

OP - Fora do âmbito profissional, qual é a sua conexão pessoal com a corrida?

Fernando - Eu sou corredor amador, nas corridas encontrei a disciplina. Comecei fazendo os meus primeiros 3km, depois fui para 5km, 10km e já fiz três meias maratonas. A corrida já me levou para viajar a outros países e conhecer outras culturas. Ela flui como qualidade de vida nos meus treinos diários. Correr é uma confraternização, uma realização.

Você coloca uma meta: “Eu vou fazer uma meia maratona” e cria uma rotina para se provar do resultado, não é só a parte física, estética. Isso aí é consequência, mas o que importa é o humor e a confraternização. Você conhece muitas pessoas diferentes. Hoje temos até a versão pet: muitas pessoas iam correr com cachorro, com gato, aí a gente criou uma corrida específica, mas ela tem um motivo social, já que na inscrição você vai levar ração para doar para projetos sociais. Gosto sempre de estar doando para projetos, principalmente de animais abandonados.

OP - Hoje, podemos caracterizar as corridas como uma ferramenta de divulgação de causas sociais e iniciativas solidárias?

Fernando - As corridas têm um poder de mobilização muito grande. Elas servem como plataforma para campanhas diversas: doação de sangue, combate à violência contra a mulher, limpeza de espaços públicos e até temas mais festivos, como corridas musicais. Muitas marcas aproveitam para se posicionar e engajar públicos variados. Criamos até uma corrida pet, onde a inscrição envolve a doação de ração para projetos de proteção animal. Já vimos pessoas correndo com todo tipo de animal, com as devidas permissões. O esporte, além de estimular a saúde pública, gera um impacto social relevante. Queremos dobrar o número de atletas nos próximos três anos, porque acreditamos na corrida como um instrumento de transformação coletiva.

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