Encerrar o ano cruzando a linha de chegada da corrida de rua mais importante da América Latina é um sonho para diversas pessoas. Para os apaixonados por atletismo, finalizar a tradicional São Silvestre vai muito além de completar os 15 quilômetros de corrida. Chegar ao destino, na Avenida Paulista, é motivo de orgulho e símbolo de superação pessoal.
Entretanto, para o cearense Humberto Rodrigues, de 49 anos, cruzar a linha de chegada da São Silvestre foi a retomada de um sonho. Porteiro e liderança do Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio e Conservação (Seeaconce), Humberto se apaixonou pelo atletismo aos 14 anos de idade, ao ver as competições pela TV. Fascinado com o esporte, decidiu iniciar no mundo das corridas e logo se inscreveu em um projeto social. Dali em diante, o então jovem Humberto passou a se dedicar quase exclusivamente ao atletismo, treinando diariamente e participando de todas as corridas possíveis. A vida tomou outros rumos, e os sonhos foram sendo adiados.
Foi em 2022 que o sonho de juventude reacendeu. Após décadas afastado do atletismo, Humberto decidiu retomar a prática esportiva focado em participar da São Silvestre. A partir de então, o cearense vivenciou os desafios de conciliar o esporte com as responsabilidades do trabalho e da vida pessoal.
Apesar de não conseguir participar da prova logo no primeiro ano de sua retomada, ele persistiu. Finalmente, no último dia de 2024, Humberto realizou o tão esperado sonho de cruzar a linha de chegada da São Silvestre. Ao O POVO, o porteiro — e corredor — conta como conciliou a paixão pela corrida com a agitada rotina.
O POVO - Como se iniciou sua relação com o atletismo?
Humberto - Meus amigos da rua onde eu morava costumavam frequentar um projeto social chamado Sítio Betesda e lá tinha diversas atividades esportivas. Em 1989 eu comecei a frequentar também, me interessei pelo atletismo e comecei a praticar, sempre com muita dedicação. Participava de diversas corridas de rua que apareciam, guardo até hoje as medalhas que ganhei na década de 1980.
O POVO - Em que momento você decidiu correr a São Silvestre?
Humberto - Eu comecei a acompanhar pela televisão as corridas e os campeonatos de atletismo, e me apaixonei pela prova de São Silvestre na primeira vez em que vi. Na época, a prova era no dia 31 de dezembro, à meia-noite. Aliás, tem uma corrida daquele tempo que eu não me esqueço, que é a do Rolando Vera (equatoriano tetracampeão da corrida). Eu estava torcendo muito por ele e ele ganhou a corrida. Daí em diante, eu coloquei na minha cabeça que eu também ia correr uma São Silvestre um dia.
O POVO - Como foi o processo de preparação para a corrida? Como você conciliou o trabalho de porteiro com os treinos?
Humberto - Eu comecei a me preparar para correr a São Silvestre em 2023 com um grupo de apoio a atletas amadores, o Projeto Resistência Pura. Naquele ano, o grupo levaria quatro atletas para participar da maratona e eu estava entre eles, mas, infelizmente, fui cortado. Em 2024, continuei me preparando para a corrida. Como porteiro, eu trabalho na escala 12 por 36 (plantão de 12 horas, com a cada dois dias). Então, nas horas livres, eu tentava aproveitar ao máximo para treinar. Terminava o plantão, eu ia logo correr.
Sempre me preparei treinando na avenida G, no Conjunto Ceará. Era lá que eu costumava percorrer voltas de 16 quilômetros. Também fazia treinos de força e resistência, além de procurar pegar ritmo com tiros (corridas curtas) de 400 e 500 metros.
O POVO - Qual foi o momento mais desafiador durante a corrida e qual sensação você teve ao cruzar a linha de chegada?
Humberto - O momento mais difícil da corrida foi na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, porque é uma subida. Naquele momento, a gente já vem de 12 quilômetros e pega uma subida, é difícil. Mas eu sabia que só faltavam três quilômetros para alcançar a chegada, então aguentei firme. Além disso, eu já tinha treinado muito subida em Juazeiro do Norte (município cearense, a 527 km de Fortaleza), então, graças a Deus, eu consegui concluir a prova sem parar.
Quando eu cruzei a linha de chegada parecia um sonho. Para mim foi uma emoção muito grande. E o sentimento que tive foi de gratidão por ter realizado esse sonho e ver que todos os treinos que fiz durante dois anos valeram a pena, o objetivo foi concluído com sucesso. A São Silvestre me fez ver que é possível realizar nossos sonhos e uma das minhas próximas metas é correr uma maratona internacional. Vou começar a me preparar para isso.