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Beatriz Azevedo de Araújo: do Ceará para a COP 30
Farol

Beatriz Azevedo de Araújo: do Ceará para a COP 30

Conheça a única cearense pré-selecionada para o título de Jovem Campão da COP 30, que acontecerá no mês de novembro em Belém
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Beatriz Azevedo de Araújo, advogada e presidente da Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB - Secção Ceará (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Beatriz Azevedo de Araújo, advogada e presidente da Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB - Secção Ceará

Com suas origens vindas do interior do Ceará, da cidade de Pentecoste, Beatriz Azevedo de Araújo, 31, lembra com clareza da sua conexão com a natureza desde pequena, herança da sua família.

Era banho de rio, mergulhos em açudes e viagens de carro pelo litoral do Nordeste. A sua formação cristã também a aproximou do cuidado com o meio ambiente, pois acredita que tudo foi feito por Deus e necessário à sua preservação.

O senso de justiça é algo que também ficou claro desde muito cedo, quando não compreendia o porquê as pessoas aceitarem a desigualdade social e as injustiças tão profundas.

“Fortaleza é muito desigual, o Ceará é muito desigual, o Brasil é muito desigual e isso sempre me incomodou. Nunca vi isso com naturalidade”, ressalta.

Assim sua escolha em cursar Direito veio de forma natural, em busca de mais justiça na sociedade. Ao se aprofundar, descobriu o Direito Ambiental, algo que mudou sua vida.

 

Atualmente, é presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB – Secção Ceará, representou a OAB no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) e é empresária. Ano passado, fundou a Aba Climate Solutions, empresa de financiamento climático e sustentabilidade, com foco principalmente em empresas, mas também com projetos com o terceiro setor e com o governo.

Após algumas vivências internacionais junto à Organização das Nações Unidas, defendendo a agenda ambiental, no mês passado, Beatriz tornou-se a única cearense pré-selecionada para o título de Jovem Campeão da COP 30, que acontecerá em Belém, no Pará, em novembro deste ano.

O POVO - Como surgiu o interesse por questões climáticas e qual caminho trilhou até chegar ao reconhecimento nacional e internacional?

Beatriz Azevedo - Na época do colégio tinha um professor, o Saraiva, de Geografia de quem gostava muito, que falava sobre o fenômeno da desertificação, e me marcou muito saber que esse ocorre principalmente na nossa Caatinga. A Caatinga é um bioma único no mundo, que só existe no Brasil. Desde a escola, isso sempre me tocou profundamente. Eu pensava: "Nossa, só a gente tem isso, precisamos proteger, precisamos cuidar." Além disso, sempre tive muito interesse por assuntos internacionais. Gostava de estudar idiomas e comecei a fazer parte de um grupo de simulação das Nações Unidas. Um dia, surgiu a oportunidade de simular uma conferência da ONU sobre Meio Ambiente. Me interessei muito pelo tema e quis continuar estudando, mas, na época, as disciplinas de Direito Internacional só apareciam no oitavo ou nono semestre para estudantes da graduação. Então, junto com alguns amigos, tive a ideia de criar o Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (Gedai), orientado pela professora Tarin Cristino Frota Mont’Alverne, na Universidade Federal do Ceará. Lá tive a oportunidade de começar minha pesquisa em Direito Internacional e Meio Ambiente.

O POVO – Foi no Gedai que começou as vivências com a pauta e as participações internacionais...

Beatriz - Aos 19 anos tive um trabalho aprovado na Segunda Conferência Científica da Convenção de Combate à Desertificação das Nações Unidas. Fui para a Alemanha apresenta-lo e lá conheci colegas do Ministério do Meio Ambiente, o que me levou a fazer um estágio no Ministério. Foi nessa mesma época que comecei a participar da ONG Engajamundo. Em 2013, fiz meu estágio em Brasília, no Ministério, e participei, junto com o governo brasileiro, da COP - Convenção de Combate à Desertificação. Logo depois, fui convidada pela Engajamundo para compor a primeira delegação de jovens da ONG, representando a juventude brasileira na COP 19 sobre Mudanças Climáticas. A partir disso, começamos um grande trabalho nacional, capacitando jovens para participarem das conferências da ONU.

O POVO – Paralelamente as pesquisas do Gedai criou um projeto de Educação Ambiental no Ceará. Como foi essa fase?

Beatriz - Fundamos o Instituto Verdeluz, voltado para conservação e proteção ambiental, especialmente no ecossistema de Fortaleza e do Ceará. O Instituto ficou muito conhecido pelo trabalho com tartarugas marinhas. Fui uma das fundadoras e a primeira presidente do Instituto. Trabalhei nele por sete anos, estruturando a ONG, estabelecendo setores, captando recursos, formando parcerias e, ao mesmo tempo, participando das conferências internacionais. Depois de me formar em Direito, apliquei para o mestrado na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e fui aprovada com a bolsa Chevening-Lemann (Chevening, do governo do Reino Unido, e Lemann, da Fundação Lemann).

O POVO - Você foi pré-selecionada pelo Governo Brasileiro para representar o país como Jovem Campeã na COP 30. Como é ser a única cearense na lista?

Beatriz - Fiquei muito feliz por poder representar o Ceará e é uma honra estar ao lado de tanta gente comprometida com a justiça climática. Acredito profundamente que esse debate sobre a COP 30 precisa envolver todos os biomas e todas as regiões do Brasil. E, aqui no Ceará, temos a Caatinga, um bioma único no mundo e extremamente vulnerável às mudanças climáticas. A expectativa deste ano é que eu consiga estar presente, a despeito do resultado do Jovem Campeão da COP 30, porque eu tenho conduzido um trabalho com a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE) para promover o debate sobre mitigação e adaptação às mudanças climáticas nas empresas de saneamento. A gente vem fazendo uma participação intensa nas políticas de clima, especialmente no Plano do Clima. Tendo muitas reuniões com o governo brasileiro, principalmente com o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Cidades, para entender como as empresas podem se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, mas também como podemos reduzir emissões com novas tecnologias, como biogás e hidrogênio verde, e contribuir para a descarbonização da matriz energética do Brasil, promovendo soluções para a sociedade como um todo.

O POVO - Como avalia que este evento internacional pode colocar o Brasil em um importante lugar de destaque na descarbonização industrial, transição energética mundial e nas discussões climáticas?

Beatriz - A transição energética é um fato consolidado na economia, não existe mais um retorno, porque são tecnologias que se tornaram economicamente viáveis e eficientes na composição da matriz energética. Ao passo em que buscamos uma redução da emissão de gases de efeito estufa por meio da queima de combustíveis fósseis, as energias renováveis e as fontes limpas têm avançado para substituir essas fontes fósseis. E o Brasil, principalmente aqui no Nordeste, tem um grande potencial para a geração de energia eólica, solar e, inclusive, hidrogênio verde. Nessa perspectiva, nós somos um player estratégico nas relações globais de consumo e produção de energia. A COP 30 vir para o Brasil é um evento de grande importância e visibilidade global. Ano passado, já tivemos o G20 aqui no país, e a COP vem como mais um evento nessa esteira de encontros globais. O Brasil tem se posicionado de forma estratégica, não só para promover soluções, mas também para receber investimentos. Além disso, a COP 30 aqui é uma oportunidade para que a população tenha acesso a esse conteúdo e informação, e para que a gente possa fazer um trabalho com a nossa juventude, de capacitação e conhecimento sobre esses assuntos, para que ela possa entrar nesse novo mercado verde de forma qualificada.

O POVO - No ano passado você recebeu uma premiação internacional?

Beatriz – Sim, o Heróis da Terra (Land Heroes), da Convenção de Combate à Desertificação das Nações Unidas, e fui a primeira brasileira a receber esse prêmio. A cerimônia aconteceu na Alemanha, em Bonn, onde fica a sede da Convenção. Coincidentemente, foi nesse mesmo lugar que tudo começou para mim, quando, em 2013, apresentei meu primeiro trabalho na Conferência Científica da Convenção de Combate à Desertificação. Voltar a Bonn para receber essa premiação foi um momento de ciclo completo, um reconhecimento por uma trajetória construída ao longo dos anos, envolvendo diversas organizações da sociedade civil.

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