A vitória eleitoral que reconduzirá Donald Trump à Casa Branca dá um novo fôlego para grupos de direita e extrema-direita no mundo. O retorno do ex-presidente americano, principal expoente nos últimos dez anos de um modelo disruptivo de fazer política, deve mobilizar lideranças do espectro ideológico em outros países, guardados os devidos contextos e proporções de cada local. O Brasil também pode ser afetado de forma simbólica e prática pelo resultado das eleições americanas deste ano.
No Brasil, a ala mais à direita está ligada ao bolsonarismo, movimento sustentado no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por vezes comparado com Trump pela similaridade na forma de agir e governar.
Os aliados do ex-presidente brasileiro já enxergam a vitória de Trump como uma vitória própria. Bolsonaro, entretanto, está inelegível atualmente e não poderia concorrer ao pleito presidencial no Brasil marcado para outubro de 2026.
Antes do resultado nos EUA, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que tinha preferência por uma vitória de Kamala Harris, mas prontamente parabenizou Trump quando a imprensa confirmou seu triunfo.
"Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada", escreveu Lula no X.
"O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade", disse Lula, que também desejou "sorte e sucesso" ao republicano Trump em seu futuro governo.
Por sua vez, Jair Bolsonaro, aliado político de Trump, celebrou no X a vitória de seu "amigo" e o qualificou como o "ressurgimento de um verdadeiro guerreiro". Em uma extensa mensagem na rede social, Bolsonaro afirmou que o milionário americano "ergueu-se novamente" depois de ter enfrentado "um processo eleitoral brutal em 2020 e uma injustificável perseguição judicial". Há quatro anos, Trump se negou a reconhecer sua derrota nas eleições presidenciais contra o candidato democrata Joe Biden.
Inelegível por decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro também ligou a vitória de Trump nas urnas ao seu futuro político no País. "Talvez em breve Deus também nos conceda a chance de concluir nossa missão com dignidade e nos devolva tudo o que foi tirado de nós. Talvez tenhamos uma nova oportunidade de restaurar o Brasil como uma terra de liberdade, onde o povo é senhor de seu próprio destino", disse.
Dito isso, a eleição americana pode influenciar o Brasil em alguns quesitos, como a economia, parcerias ambientais e até mesmo na relação política entre Brasília e Washington.
Inicialmente, essa relação deve se dar de forma mais protocolar e mantendo acordos vigentes e proveitosos para ambos os países, mas sem alinhamentos ideológicos. O que pode, naturalmente, gerar uma sensação de distanciamento entre as gestões Lula e Trump.
Na prática, é esperado que promessas de campanha de Trump, como implementar uma tarifa de importação universal, impactem em determinados produtos e serviços brasileiros. Entretanto, o foco maior da medida é a China, que rivaliza economicamente com os Estados Unidos. Para o governo americano, seja o país governado por um presidente democrata ou republicano, Pequim representa uma ameaça à hegemonia global.
Embora possa haver sensação de distância entre os governos, a diplomacia brasileira, a partir do Itamaraty deve atuar para garantir uma relação tão pragmática quanto seja possível, o que deve gerar aconselhamentos ao Planalto para manter-se longe de polêmicas e pautas ideológicas caras aos Estados Unidos num primeiro momento.
Por: Tatiana Teixeira e Victor Cabral, pesquisadores do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU)
Em diferentes discursos ao longo do atual mandato e de ambas as breves campanhas eleitorais, o presidente Joe Biden e sua vice, Kamala Harris, disseram, repetidas vezes, que “esta não é a América”. No lamento, ou na crítica velada, estavam o fantasma da invasão ao Congresso, o peso dos episódios de violência política e dos insultos etaristas, misóginos e racistas, em uma campanha marcada por duas supostas tentativas de assassinato, assim como pela profunda divisão social e partidária entre seus concidadãos, de clivagens cada vez mais profundas e delineadas, misturada ao caos e intermitentes disfunção, paralisia e obstrução legislativas e confronto intrapoderes.
No léxico político dos tempos recentes, a democracia liberal deste país epitomizado como modelo a ser seguido pelo mundo aparece em uma crise jamais vista. As luzes do farol no alto da colina tremulam cada vez mais fracas, em meio às denúncias de corrupção, acusações de fraude eleitoral, campanhas bilionárias que colocam interesses particulares e elitistas acima da representatividade, manipulação no limite das leis eleitorais nos estados, polarização e conflito.
Esta também é, enfim, a América, com suas sombras. Anti-imigrante, segregacionista, conservadora, avessa ao politicamente correto, que teme o destino de uma democracia real em que espaços de consenso e dissenso estejam igualmente disponíveis. É o país desenvolvido com maior percentual de pessoas passando fome. A conta chegou, e o custo foi todo para os democratas.
Por: Iago Caubi, mestre em relações internacionais e pesquisador ligado ao GIS-UFRJ
Apesar do crescimento econômico chinês nas últimas décadas, os Estados Unidos permanecem como a maior potência militar e econômica mundial. O dólar permanece como a principal moeda utilizada no comércio mundial e os interesses americanos ainda moldam as dinâmicas geopolíticas mundiais. As eleições americanas são acompanhadas com cuidado por diversos países pelo mundo, pela capacidade de alterar as relações de poder pelo mundo.
Republicanos e Democratas divergem no que tange a política interna do país, economia e direito de minorias. Quando o assunto é o interesse na política internacional, as divergências são menores e mais evidentes no método de manter os EUA numa posição superior às demais potências e aumentar a distância daquelas que almejam desafiar essa posição: especialmente a China. Enquanto o Partido Democrata aumenta as tensões com a China de forma mais “sútil”, Trump evidencia isso em sua retórica, seja através das redes sociais ou mecanismos oficiais como a guerra fiscal e protecionista aprofundada em seu governo.
Trump se expressa num tom mais belicista nas redes sociais, mesclando posicionamento individual e de Estado, o que costuma causar tensões (muitas vezes intencionais). Irã, Venezuela e Coréia do Norte devem receber maior pressão do governo americano, enquanto a Ucrânia pode ter seu papel diminuído no apoio americano, uma vez que o próprio Trump vinha criticando a eficácia desse apoio, que pode levar a uma redução desse apoio e influenciar o conflito.
Por: Haylana Burite, pesquisadora da relação Brasil-Estados Unidos, meio ambiente e questões raciais no Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU)
A vitória de Donald Trump nas eleições de 2024 marca um capítulo controverso na política dos EUA. Aos 78 anos, ele se torna o presidente mais velho e o único a assumir o cargo com uma condenação criminal e três processos em andamento e além de receber um impeachment.
Após sua vitória, Trump declarou que sua eleição seria uma vitória para o povo americano, prometendo "tornar a América grande novamente". Críticos, no entanto, alertam para os riscos de polarização crescente, ataques às instituições democráticas e um discurso de ódio que divide a sociedade e desafia as normas estabelecidas.
Em 2016, Trump foi condenado por fraude contábil relacionada para evitar um escândalo sexual. Ele também enfrenta três processos enquanto réu: por interferir nas eleições de 2020 na Geórgia, por incitar a invasão do Capitólio em 2021 e por reter documentos confidenciais da CIA após deixar a presidência.
A campanha de Trump, centrada em questões como imigração, economia e inflação, resultou em sua vitória ao conquistar os estados-chave, assegurando os 270 delegados necessários. Sua vitória no voto popular, a primeira de um republicano desde 2004, evidencia o apelo do discurso nacionalista e suas promessas de “restaurar” os Estados Unidos.
Kamala Harris, primeira mulher negra e asiática-americana a concorrer à presidência da Casa Branca gerou grandes expectativas como defensora da democracia e dos direitos humanos. Seu discurso na Convenção Nacional Democrata, que enfatizou suas origens imigrantes, conectou-a a eleitores afetados pelo racismo e discriminação.
Contudo, não obteve uma vantagem significativa entre negros, jovens, mulheres e hispânicos, que foram decisivos para a vitória de Trump. Esse resultado levanta questões sobre o futuro das democracias, o impacto dos discursos populistas e o papel das redes sociais na mobilização de eleitores, inclusive em minorias tradicionalmente democratas.
Após vitória de Trump, Kamala discursa nos EUA reconhecendo a derrota
A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, discursou Howard University, em Washington, após ligar para o presidente eleito Donald Trump e conceder a derrota nas eleições presidenciais americanas na tarde desta quarta-feira, 6. Kamala iniciou o discurso agradecendo a sua família, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o seu companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz.
"As pessoas estão sentindo e vivenciando uma série de emoções agora, eu entendo. Mas devemos aceitar os resultados desta eleição", disse a vice-presidente. "Hoje mais cedo falei com o presidente eleito Trump e o parabenizei por sua vitória", apontou Kamala, em meio a vaias de plateia após o nome do presidente eleito ser mencionado.
Kamala também apontou que a administração Biden irá ajudar Trump e sua equipe no processo de transição. "Embora eu esteja concedendo esta eleição, não concedo os valores que contribuíram para esta campanha", disse Kamala. "A luta pela liberdade, pelas oportunidades, pela justiça e pela dignidade de todas as pessoas não acabou."
A vice-presidente americana também se dirigiu diretamente ao público jovem. “É normal se sentir triste e desapontado, mas saibam que vai ficar tudo bem”, destaca Kamala. “As vezes a luta demora”.
Segundo um assessor da candidata democrata, Trump e Kamala discutiram a importância de uma transição pacífica de poder. Já Steven Cheung, um porta-voz da campanha de Trump, descreveu o telefonema de Kamala para Trump como cordial.
"O presidente Trump reconheceu a vice-presidente Harris por sua força, profissionalismo e tenacidade durante toda a campanha, e ambos os líderes concordaram sobre a importância de unificar o país", disse Cheung em uma declaração.
O republicano garantiu a vitória segundo as projeções da Associated Press (AP) após vencer no Estado do Wisconsin, contabilizando 277 delegados no colégio eleitoral. Para um presidente ser eleito nos EUA, 270 delegados são necessários.
Até o fechamento desta página, Trump estava com 295 delegados após a AP projetar a vitória do ex-presidente no Alasca. Os estados de Arizona e Nevada não tinham um vencedor projetado pela AP, mas o republicano é favorito a vencer em ambos. Nesse cenário, Trump encerraria a corrida eleitoral com 312 delegados contra 226 de Kamala.
A derrota foi um balde de água fria na campanha de Kamala Harris que se animou na reta final da eleição com algumas pesquisas que deram a vice-presidente numericamente à frente de Trump em alguns Estados-pêndulo. A realidade, no entanto, provou que as estatísticas subestimaram a força eleitoral do republicano pela terceira vez consecutiva.
A democrata apostou na força do voto feminino para tentar derrotar Trump, usando principalmente o tema como a legalização do aborto para mascarar o alto custo de vida e o pessimismo do americano com a economia que ela herdou do presidente Joe Biden, que desistiu da reeleição em julho após uma performance ruim em debate contra Trump e preocupações sobre sua idade.
Segundo a Casa Branca, Biden telefonou para Kamala e Trump à tarde e parabenizou a ex-colega de chapa pela "campanha histórica", e o ex-rival, pela vitória.
O presidente disse também ao sucessor que está comprometido com uma transição tranquila e ressaltou a importância de que ambos trabalhem para unificar o país. Biden convidou Trump para uma reunião na Casa Branca.