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Airton de Farias: 64 + 60, a conta que não fecha
Opinião

Airton de Farias: 64 + 60, a conta que não fecha

Chama atenção como militares e defensores da ditadura, muitos deles se utilizando da internet, continuam apegados a interpretações já desmontadas pela historiografia. A crença que havia uma ameaça comunista em 1964 é um exemplo
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Airton de Farias. Historiador. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Airton de Farias. Historiador.

Há 60 anos, o presidente João Goulart foi derrubado em um golpe de Estado, ao qual seguiu-se uma ditadura que se estendeu até 1985. Nos anos posteriores ao fim do regime ditatorial, predominou na sociedade uma memória de minimização e silenciamento sobre o que se dera - não por acaso, as recentes falas do presidente Lula sobre não "remoer" 64. Os historiadores e outros estudiosos das ciências humanas, porém, fizeram ouvidos moucos aos gritos por esquecimentos. É impressionante a quantidade de estudos acadêmicos sobre o período.

Por isso, chama a atenção como militares e defensores da ditadura, muitos deles se utilizando da internet, continuam apegados a interpretações há muito desmontadas pela historiografia. A crença que havia uma ameaça comunista em 1964 é um exemplo. Goulart não tinha nada de comunista. Sempre fora uma figura muito conciliadora, longe de quaisquer radicalismos - tanto que fora eleito, pelo voto direto, duas vezes vice-presidente do Brasil.

Goulart, conforme pesquisa do Ibope, de março de 1964, apresentava boa aprovação junto à opinião pública, com 45% de ótimo e bom, e 49% das intenções de voto caso fosse candidato à presidente nas eleições previstas para 1965. Por outro lado, uma parte expressiva da população, sobressaindo-se as classes médias e altas, faziam cerrada oposição ao presidente e apoiaram sua queda. Daí porque muitos historiadores entendem hoje que o correto é falar em golpe civil-militar, dado o apoio de segmentos civis e de integrantes de instituições, como o Congresso Nacional, à derrubada de Jango.

Muitos imaginavam que a queda de Goulart, no que foi chamado de "revolução de 64", seria uma intervenção militar pontual, com o retorno, em breve, da normalidade constitucional. Não foi. Elementos, imbuídos de uma utopia autoritária, entendiam que apenas um regime de força, sob o comando dos militares, seria capaz de combater a "ameaça comunista" e trazer prosperidade ao Brasil. Em decorrência, a ditadura foi se estruturando, praticando o arbítrio desde os primeiros anos, e não apenas após o AI-5, de 1968, como comumente se difunde.

 

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