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Rentismo e desvalorização do trabalho
Opinião

Rentismo e desvalorização do trabalho

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Paulo Henrique Martins, professor da UFPE e ex-presidente da Associação Latino-Americana de Sociologia (Alas) (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Paulo Henrique Martins, professor da UFPE e ex-presidente da Associação Latino-Americana de Sociologia (Alas)

Entre os impactos destrutivos do neoliberalismo na vida social, nas últimas décadas, está a valorização de uma cultura especulativa voltada para a acumulação acelerada, o consumo predatório e o entretenimento frenético. Esse tipo de cultura utilitarista radical favorece o surgimento de bolhas de indivíduos que se habituam a viver dos ganhos especulativos e que consideram supérfluo o tempo dedicado ao trabalho produtivo e criativo. Eles não mais sentem ânimos para investir dinheiro em empreendimentos econômicos incertos, como acontecia na época do capitalismo industrial. As pressões dos acionistas minoritários da Petrobras para receber dividendos extraordinários e impedir reservas para investimentos produtivos e sociais da empresa é prova desse novo tipo de empreendedor. A tragédia de Brumadinho também reflete a falta de interesse da mente especulativa de alocar recursos para a proteção do trabalho. Essa elite rentista teme que as pressões de sindicatos e movimentos sociais se reflitam na redução de lucros líquidos a ser distribuídos pelas empresas e pelo sistema financeiro.

A desvalorização do trabalho termina contaminando as classes médias que sonham com a perspectiva de uma vida para o consumo, mas sem precisar suar a camisa para viver. Esta nova cultura especulativa impacta também sobre as novas gerações que preferem o TikTok a ir para a sala de aula. Tudo isso contribui para romper o contrato entre capital e trabalho que tinha no assalariamento os fundamentos simbólicos e materiais de uma sociedade de classes. Esta, mesmo de modo limitado, abria espaço para experiências democráticas. A captura do Estado pelos rentistas e a corrupção do sistema político reforçam este programa de destruir o contrato social. Isso exige das forças democráticas muita imaginação criativa para buscar saídas que reforcem um novo pacto civilizatório. Neste, o trabalho criativo e solidário deveria ser valorizado como referência normativa na produção e na distribuição justa de riquezas, inspirando confiança mútua nas pessoas e fé nas possibilidades do ser humano. n

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