
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Em janeiro deste ano, uma postagem no X (Twitter) vociferava contra a infiltração da variante brasileira do português numa placa de trânsito em Portugal. A placa proibia a circulação "excepto para trens e bicicletas". A confusão diz respeito ao fato de que onde no Brasil dizemos "trem", em Portugal se diz "comboio". O contexto esclarece: um trem (um comboio!) não pode passar por uma via sem trilhos e não seria, portanto, alvo de proibição. O sujeito da postagem parece estar mais imbuído do português brasileiro do que do europeu, uma vez que não reconheceu a acepção local: ao que parece, essas carroças (trens, no falar português) são comuns para passeio em Sintra.
Comentários jocosos falam de uma "colonização reversa", sugerindo aí a inversão do fluxo de influência linguística. Esse fluxo, porém, não data de hoje, mas acontece desde as telenovelas nas décadas de 1970 e 1980 até youtubers e tiktokers de hoje. Diferentemente dos portugueses, que formaram várias camadas da nossa população e largamente a elite, a população brasileira imigrante é majoritariamente de classes mais populares. Não ajuda a percepção de que o fluxo de influência está "invertido": da "colônia" para a "metrópole". Se há algum valor de despojamento, predomina o sentimento de que a variante brasileira é errada ou está deturpando o português de Camões.
Mas cabe falar do que de fato muda… Como apontou Xoán Lagares, professor da Universidade Federal Fluminense, em entrevista para artigo da BBC, as mudanças mais profundas na estrutura da língua (ordem das palavras, por exemplo) são raras. Já elementos do vocabulário entram e saem da língua com facilidade, atendem a contextos específicos, como as febres de novelas ou vídeos do YouTube. Alguns findam por se incorporar; outros vão embora com a chegada de novas ondas.
O fato é que o português brasileiro e o europeu guardam hoje distâncias grandes em seu vocabulário, pronúncia e estrutura. Ainda assim, somos capazes de nos entender e trocar cultura - estão aí os livros, as músicas e mesmo os vídeos da internet para atestar. A escolha de considerá-los o mesmo idioma tem menos a ver com elementos que se podem descrever pelas ciências da linguagem e mais com uma vontade política de manter o laço da lusofonia, que funda parte de nosso passado e incentiva trocas no futuro. n
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