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Fortaleza e suas vias de evocação
Opinião

Fortaleza e suas vias de evocação

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Alan Bezerra Torres. Doutor em Literatura Comparada (UFRN) e professor efetivo do IFCE.
 (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Alan Bezerra Torres. Doutor em Literatura Comparada (UFRN) e professor efetivo do IFCE.

Manuel Bandeira, escritor pernambucano, expõe, em seu poema "Evocação do Recife", o receio de que as ruas de sua cidade percam os nomes de outrora e sejam rebatizadas: "Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal". Andar por qualquer cidade do Brasil e não ver ruas e avenidas batizadas com nomes de doutores, políticos, poetas e historiadores é praticamente impossível.

Em Fortaleza não é diferente. Quem vive aqui, certamente, já cruzou a Carapinima, a Azevedo Bolão, a Pereira Filgueiras, a Pessoa Anta, a Padre Mororó, a Bárbara de Alencar e a Tristão Gonçalves. Esses "Fulanos de Tal" participaram da Confederação do Equador, movimento separatista e de teor republicano que está completando exatos dois séculos este ano e que foi combatido pelo império brasileiro por meio de uma disputa extremamente sangrenta.

Azevedo Bolão, Carapinima, Pessoa Anta e Padre Mororó foram fuzilados no antigo Campo da Pólvora, hoje conhecido como Passeio Público ou Praça dos Mártires. Ednardo, em sua canção "Passeio Público", pede: "Se deixe ficar por instantes/ Na sombra desse baobá/ que virão fantasmas errantes/ de sonhos eternos falar". Tristão Gonçalves, seu principal líder, assassinado na Fazenda Santa Rosa (atual município de Jaguaribara), teve o corpo mutilado e exposto à violação e à execração por parte dos corcundas, alcunha pejorativa dada aos que se curvavam diante de um rei.

Entendo perfeitamente o receio do poeta Manuel Bandeira. Afinal, algumas ruas do Recife da sua infância tinham nomes tão singelos (Rua da União, Rua do Sol, Rua da Aurora). No entanto, alguns nomes precisam, urgentemente, ser sempre evocados, pois evocar significa tornar presente, lembrar. É uma obrigação nossa preservar a memória do Ceará que não é só moleque, mas também luta e revolução.

É claro que cruzo essas vias com cautela (olhando para os dois lados), sem a pretensão de seguir a trajetória da mitificação desses personagens, mas procuro reconhecer suas relevâncias. O bom é pegar o fluxo da sensatez, pois já há tantas avenidas congestionadas de falsos mitos: nesses casos, o melhor a fazer é dobrar logo a esquina e, estando em Fortaleza, deixar que o caminho nos leve até a Beira-Mar. n

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