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Máquinas prometem cada vez mais; gente pensa cada vez menos
Opinião

Máquinas prometem cada vez mais; gente pensa cada vez menos

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Tipo Notícia

O professor Stuart Russel, da Universidade de Berkeley, foi um dos signatários da carta que alertou o mundo para os perigos da Inteligência Artificial para a humanidade e pediu, no ano passado, um atraso nas pesquisas avançadas que poderão criar a inteligência artificial geral (AGI). Ele está no Brasil para duas conferências, em São Paulo e Porto Alegre, e afirmou numa entrevista na última segunda-feira, no jornal Folha de S.Paulo, que o ChatGPT não é essa coisa toda, porque ele não sabe nem consegue pensar direito.

Ele considera que o surgimento do ChatGPT foi bom para abrir as portas das ideias do que seria uma "IA de verdade", que deverá chegar em breve. Diz que a plataforma está fazendo a humanidade de cobaia, que lhe faltam "capacidade de raciocínio e planejamento", além de não ser capaz "de refletir sobre suas próprias operações". Russel é categórico: "O ChatGPT não consegue sentar e pensar em algo. Funciona como um circuito que entra, passa e sai".

Lembrei de uma conversa que tive com uma amiga no ano passado logo após o surgimento dessa ferramenta e ela me falou: "Regina, já faz um tempo que as pessoas só fazem isso mesmo. Respondem rapidamente a qualquer coisa sem pensar em nada e sem dar a mínima importância para isso". A fala da minha amiga sobre as pessoas é a reclamação de um dos maiores pesquisadores de tecnologia do mundo sobre uma máquina.

Também penso nos escritores que, desde o século XIX, desconfiaram que a ciência estava indo muito mais rápido do que a humanidade seria capaz de suportar. A inglesa Mary Shelley criou o personagem Frankenstein; o alemão E.T.A Hoffmann escreveu "O homem de Areia". Em comum, esses dois livros mostram o despreparo do humano para lidar com os excessos de conhecimento, de máquina, de automatismo. Passados mais de 100 anos, cá estamos nós contando o tempo para sermos definitivamente engolidos por um sistema que, como alerta o professor de Berkeley, nem aqueles que o estão produzindo sabem exatamente como funciona.

Por isso, está alarmado com a falta de um planejamento de controle das AGIs que irão, de fato, substituir o humano em todas as áreas. Ou seja, a AGI "será capaz de aprender rapidamente e executar, em nível humano ou super-humano, qualquer tarefa. Isso excederia as capacidades humanas em todas as dimensões", afirma Russel.

O tempo para isso seria, mais ou menos, de cinco anos. Ninguém sabe ao certo. Mas sabemos que estamos em vias de uma transformação irreversível da humanidade. Não se tem ideia exata do que acontecerá quando nós, humanos, estivermos apenas servindo às máquinas e sendo totalmente dominados e controlados por elas. Sem precisar nem pensar. Essa prerrogativa tão humana e que, aos poucos, abdicamos dela será atribuição de uma AGI.

Agora mesmo estamos no limiar de uma nova guerra, desta vez entre o Irã e Israel com repercussões mundiais. Fiquei imaginando quando as AGIs estiverem decidindo conflitos a partir de critérios que tenho até medo de supor. Além das guerras que deverão travar entre si. Penso também em quanto tempo desperdiçado em coisas que nos tornam cada vez menos humanos, menos capazes de demonstrar afeto e de valorizar a vida em toda a sua dimensão. n

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