Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor-associado da UFC, tem experiência na área da medicina, com ênfase em cardiologia, atuando principalmente nas áreas de sistema nervoso autônomo, sistema cardiopulmonar e doença de Chagas. Foi secretário de Saúde do Ceará entre 2019 e 2021
Foi uma conversa descontraída, em uma consulta com um paciente episódico, daqueles que nos dão prazer em escutar. Era um paciente médico, voltado ao estudo da alma e de suas formas de apresentação. Fluiu um papo livre. Ponderamos pontos de vista sobre o ser humano. Falei-lhe que estava assustado com o mundo, com o julgamento implacável sobre as falhas no decorrer da vida. Dividimos experiências da nossa atividade.
Relatou-me algo que me fez escrever este texto. Contou-me que o Sr. X, seu paciente, estava internado em hospital psiquiátrico. Era conhecido como um homem perigoso e, por isso, o mantinham isolado numa "cela".
Outro paciente, o Sr. Y, que não tinha essas mesmas restrições, era isolado espontaneamente por ter aids. Naquela época, nos anos 1990, os preconceitos e as dúvidas eram ainda maiores. Por estar num quadro mais avançado, com enormes limitações para se autocuidar, tinha dependência para as atividades. Precisava de cuidados, mas ninguém, nem os funcionários, se dispunha a ter aproximação com o Sr. Y. Foi quando o Sr. X se dispôs a fazer essa caridade. E assim o fez, sem alegar qualquer benefício.
Lembrei-me, incontinente, da minha juventude, aos 14 anos, ao ler Morris West em "Um mundo transparente". Reconheci algo que na época me assustou. Do conflito entre Freud e Jung às sessões de psicanálise com uma paciente adoecida. Identifiquei-me com vários dos perfis. Parecia-me impossível a distinção entre o normal e o patológico, especialmente quando analisamos a estrutura psíquica da personalidade; do Id, do ego e do superego. As ponderações entre a estrutura moral, os valores e o desejo trazem à tona a biologia determinista, sua vontade tirana e a convivência com valores em cada tempo.
Assim sendo, parece-nos simples entender as palavras de Jesus Cristo ao defender uma mulher adúltera quando com tolerância disse: "Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra". Já naquela época, era uma demonstração que somos seres inconstantes e imprevisíveis, mas capazes de aceitar suas fraquezas.
Terminamos como sempre acontece quando nos encontramos, quando esse paciente e amigo me concede a nossa introdução à consulta, sempre cheia de empatia. Em certos momentos tenho dúvida entre quem é o paciente e quem é o médico. Arrisco a dizer uma frase que costumo repetir para meus alunos: por vezes, a medicina faz mais bem ao médico do que ao doente. n
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