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George Orwell e as diferentes apropriações
Opinião

George Orwell e as diferentes apropriações

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Edilberto Carlos Pontes Lima, conselheiro do TCE Ceará (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Edilberto Carlos Pontes Lima, conselheiro do TCE Ceará

Tenho um amigo com tendências para a extrema-direita. É um amigo de longa data, nos unem muitas coisas que se passaram ao longo da vida. Quando jovem, ele se dizia liberal, defendia a livre iniciativa, a meritocracia e mais alguns desses conceitos muito difundidos. Com a polarização do País e do mundo e o avanço das redes sociais, vejo-o cada vez mais radical, a favor de soluções violentas e simplistas em muitas áreas, repetindo slogans muito presentes em certos grupos. Diria que foi capturado ou "abduzido", como gosta de dizer outro amigo, por uma série de valores infelizmente muito em voga no momento, um "anti-iluminismo" difuso.

Outro dia, me falou de um autor que eu precisava urgentemente ler, que me faria compreender o que estava se passando, o risco que a liberdade enfrentava. Era George Orwell, precisamente o livro "1984". Deixei-o falar, sem interrompê-lo para dizer que George Orwell era dos meus autores preferidos, que já havia lido e relido "1984", a primeira vez ainda nos anos 1990. E que havia outros livros de Orwell também muito bons, como "Um pouco de ar, por favor", ou na "Pior em Paris e Londres", além de livros de crônicas e ensaios maravilhosos. Mas me contive. Meu amigo não é de leituras. Provavelmente, ele viu alguma palestra em seus canais de YouTube ou algum resumo nos seus grupos de WhatsApp.

Depois fiquei pensando como um autor tão profundo, radicalmente contra ditaduras de todo tipo, odiado em seu tempo por nazistas e por comunistas, possa ser apropriado por movimentos de extrema-direita. Que inusitado que as denúncias que ele fez com tanta propriedade sobre a União Soviética stalinista e sobre o fascismo na Europa na primeira metade do século XX possam ser identificadas com o atual momento do País. Claro que o STF ou qualquer outra instituição pode eventualmente cometer erros ou excessos, mas daí a identificar nisso semelhanças com o quadro denunciado por Orwell é espantoso. Um bom exemplo de duplipensar, um termo inventado por ele, para ilustrar a manipulação do poder. O autor de "Revolução dos Bichos" foi um grande humanista, defensor da liberdade de pensamento, da democracia e lutou bravamente contra qualquer forma de ideologia totalizante. Jamais apoiaria a extrema-direita. n

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