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João Paulo Braga: Feminicídio, a burocracia também mata
Opinião

João Paulo Braga: Feminicídio, a burocracia também mata

.A comunicação entre as autoridades é falha. O resultado é uma resposta lenta e ineficaz, que se traduz mais em monitoramento de dados, não fornecendo proteção qualificada às vítimas
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João Paulo Braga. Cientista Social pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), mestre e doutor em Sociologia pela UFC. Possui 21 anos de carreira noTribunal de Justiça do Ceará (TJCE), hoje atuando no Laboratório de Inovação e é membro do grupo de pesquisas da Escola Superior da Magistratura do Ceará. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal João Paulo Braga. Cientista Social pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), mestre e doutor em Sociologia pela UFC. Possui 21 anos de carreira noTribunal de Justiça do Ceará (TJCE), hoje atuando no Laboratório de Inovação e é membro do grupo de pesquisas da Escola Superior da Magistratura do Ceará.

Precisamos encarar com franqueza que o Brasil está perdendo a guerra contra o feminicídio. Apesar da legislação, tal crime continua a crescer. Temos a vergonhosa posição de 5º lugar mundial. 2023 foi recorde: uma morte a cada 6hs. Por que tal crime não dá trégua?

Desde a Lei Maria da Penha (LMP) em 2006, e depois Lei do Feminicídio em 2015, esperava-se uma queda significativa nos casos. Neste período vimos o surgir várias ONGs e comissões especiais em diversos órgãos públicos. No entanto, a complexidade burocrática, a despadronização das ações e a falta de integração entre os órgãos têm prejudicado a eficácia dessas leis. A comunicação entre as autoridades é falha. O resultado é uma resposta lenta e ineficaz, que se traduz mais em monitoramento de dados, não fornecendo proteção qualificada às vítimas.

Uma lei avançada como a LMP não encontra seu paralelo na prática do serviço público. É preciso admitir que o modelo de atuação nesta área está falido. De acordo com o CNJ, em 2022 tínhamos mais de um milhão de processos de violência doméstica ou feminicídio pendentes de julgamento, número bem acima dos casos baixados e dos novos.

Não há sinal de que 2024 será promissor. Atuamos rigorosamente igual no combate a este crime, e não é razoável esperar resultado melhor adotando um mesmo modelo, fragilizado pelo formalismo exacerbado na comunicação entre autoridades e falta de sincronia. Este quadro perde de vista a dinâmica real de risco na violência de relações íntimas. Embora em sua maioria crimes previsíveis (o agressor dá vários sinais do seu estado mental), muitas mulheres morrem logo após denunciarem, às vezes na frente dos filhos ou gestantes.

Para enfrentar essa crise, temos que reinventar o serviço público fundando um protocolo único de gestão da LMP. Indo além da tecnologia, é necessário um acordo jurídico-político, uma "blindagem" a prova de negligência, imprudência e imperícia, sustentado por uma plataforma horizontal integrada. É urgente uma governança federal de tolerância zero a ameaças à vida, a partir de uma abordagem em e-Justiça: democratizar o acesso às medidas cautelares e tornar obrigatório a audiência de justificação para o agressor, combatendo a sensação de impunidade. Com comunicação simultânea e instantânea, empoderamos a mulher no momento da denúncia, cumprindo a inovação jurídica trazida pela Lei 14.550/23. n

 

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